SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 15 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 46

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 46

Rangel Alves da Costa*


Quanto mais o prefeito tentava intimidá-lo, fazendo provocações e tentando impor medo por meio de pequenos recados enviados através da ação de pessoas que nada tinham a ver com o caso, mais Lucas sentia-se fortalecido espiritualmente para prosseguir nos seus objetivos.
Por outro lado, sabia que pessoas que usam do poder para intimidar e constranger porque geralmente têm medo de agir pessoalmente, podem ser vistas como muito mais perigosas do que se imagina. Do mesmo modo que utilizam os seus aparatos de força para amedrontar, podem muito bem, na hora de um pedido da amante ou de um uísque a mais, mandar fazer o pior, que é eliminar de vez o rival que se mostra mais forte do que eles imaginaram.
Egoisticamente, veem na personalidade coerente e na força espiritual do outro uma verdadeira afronta aos seus poderes. E aí chega a voz da maldade, que sempre age através da boca de quem também não presta, e diz que é hora de mostrar quem manda. Nestes casos, o pior pode acontecer e o mal apagar o bem, mas não derrotá-lo. Nunca...
Quanto a isso Lucas poderia ficar despreocupado. Mesmo que no íntimo do prefeito já estivesse acesa a luz da decisão de ir até as últimas consequencias, não conseguiria seus intentos pessoais contra ele porque este estava protegido e muito bem protegido. Não só o seu anjo da guarda estava sempre de prontidão e acompanhando e procurando interferir em todos os seus passos, como também aquele outro anjo, muito mais poderoso do que este, não o abandonava de jeito nenhum, um instante sequer.
Lucas não percebia, mas ao seu lado caminhava o anjo do Senhor e sobre sua cabeça ficava pairando o seu anjo da guarda. Aquela força sempre presente em todos os momentos de perseguição, de ameaça e intimidação, chegava automaticamente da luz que lhe circundava e entrava no seu corpo, espírito e mente de forma automática, como se um mecanismo poderoso ao mesmo tempo defendesse do mal e contra-atacasse com o bem.
No dia seguinte, enquanto estava de enxada nas mãos limpando um mato rasteiro que crescia ao redor de sua casa, percebeu um rapazinho em pé embaixo de um pé de pau mais adiante. Ficou olhando para ver se o conhecia, mas não conseguia lembrar de jeito nenhum. Então o rapaz deu a volta e desapareceu para aparecer, uns cinco minutos após, perto de umas moitas mais próximas. Então Lucas já começou a achar aquilo muito estranho. O que fazia ali aquele rapazinho, parecendo com vergonha de se aproximar de vez e falar com ele, se vinha com esse intento?
Resolveu não deixar que ele desaparecesse novamente para reaparecer sabe-se lá onde, e então seguiu em sua direção. Quando chegou bem próximo e percebeu que se tratava apenas de um jovem parecendo assustado e tímido, perguntou quem era e se estava precisando falar com alguém ou de alguma ajuda. Quando o garoto respondeu quem era pronunciando o nome, Lucas foi totalmente tomado de espanto, surpresa e alegria. Tratava-se de Faísca, aquele mesmo que o aflito pai havia procurado ajuda para livrá-lo da droga e do caminho destruidor sem volta.
Imediatamente Lucas imaginou: Ora, mas que coisa boa, pois se ele está aqui, se veio até aqui assim com esse jeito assustado e envergonhado, sem que fosse forçado a nada, é porque precisa que o seu problema seja resolvido, porque deseja que alguém lhe ouça e fale e dê a mão para tirá-lo das margens dos abismos. E confirmou na mente: Mas que coisa boa. Ali estava o menino com nome de artista, segundo o pai, Derclei, mais conhecido como Faísca.
Lucas mostrou um sorriso sincero e se apresentou estendendo a mão, sendo correspondido pelo ainda envergonhado rapazinho. Em seguida perguntou se aceitava um copo de água, um café ou um lanche, mas como a resposta foi negativa convidou-lhe para caminhar pela frente da casa e do barracão. Enquanto andavam, Lucas foi tentando abrir caminhos para chegar até onde desejava falar com mais tempo e mais cuidado, que era sobre o problema das drogas. Logicamente que não iria imediatamente perguntar se ele usava drogas, porque usava ou com quem usava, mas tentar que o próprio fosse chegando a esses pontos por vontade própria, sem sentir coagido ou ameaçado.
E Lucas começou a falar:
- Tive o prazer de conhecer o seu pai. Percebi nele uma pessoa muito simples, honesta e trabalhadora. Você é assim como ele, cheio de sonhos e de esperanças?
- Acho que por ser mais jovem tenho de ter ainda mais sonhos e esperanças do que ele, do que o meu pai. Se a gente não tiver grandes sonhos não pode fazer nada, não pode chegar a lugar nenhum. O negócio é que ando com os probleminhas que preciso resolver em minha vida, que estão atrapalhando muito fazer o que eu mesmo quero e o coração deseja – Para surpresa de Lucas, o menino falava de um jeito bonito, inteligente. Então foi logo interrompendo para perguntar:
- Mas que probleminhas são esses Faísca?
E com uma coragem impressionante, Derclei, o menino Faísca, começou a relatar tudinho o que tanto lhe afligia. E quando as palavras são verdadeiras os olhos reconhecem e falam. E os olhos falavam também, chorando...


continua...





Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: