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sexta-feira, 16 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 47

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 47

Rangel Alves da Costa*


A história de Faísca é a mesma história de uma infinidade de jovens que andam por aí sendo atentados pelas drogas e outros vícios que vão destruindo aos poucos. Alguns já cruzaram a fronteira do que buscaram, outros continuam correndo para as beiradas do precipício, e muitos outros nem precisam seguir, pois empurrados pelas mãos da maldade.
Poucos são aqueles que reconhecem a existência do problema e buscam apoio para fugir do adeus indesejado. Conhecer os próprios erros e as fragilidades a tempo significa a chance de continuar sobrevivendo em busca dessa coisa inebriante e translúcida que é a felicidade demais. Sempre na medida em que a felicidade do homem é ele mesmo que busca segundo a sua própria medida. Assim pensava Lucas, e assim teceu as considerações necessárias ao rapazinho que realmente parecia querer ser ajudado. E isso demorou mais de uma hora, com o outro silenciosamente ouvindo e só Deus sabe no que pensando...
Por fim, quando estavam levantando debaixo da umburana, o menino disse: "Sei que ouvi tudinho e tenho a certeza que é assim mesmo, se não for pior. O problema é que não sei se vou ter força para dizer não quando eles me chamarem para usar droga". E Lucas pediu para que ele olhasse aquilo tudo ao redor e depois falou:
- Está vendo isso aqui, parecendo que só tem uma casinha e um barracão, pois há muito o que fazer nesse lugar. E todas as vezes que você perceber que os seus inimigos se aproximam nem deixe que eles o vejam e se coloquem ao seu redor. Encontre sempre um caminho, uma saída e venha imediatamente pra cá. Aqui você encontrará muita coisa útil a fazer, expulsando os pensamentos ruins da cabeça, além de poder estudar quando quiser.
Após isso Faísca pediu a enxada para dar continuidade ao que ele estava fazendo antes que chegasse, ou seja, continuar limpando os matos rasteiros que cresciam e se espalhavam por ali. E não demorou muito quando Lucas enxergou mais dois rapazes que estavam os observando por trás de uma cerca. Não conhecia aqueles dois tipos de feições pouco amigáveis, de bonés e roupas folgadas. Os estranhos de vez em quando conversavam entre si.
Pelo canto do olho, ficava observando os estranhos. Trabalhando avidamente e de cabeça baixa, Faísca nem havia se dado conta da presença dos dois. E como parecia que eles falavam exatamente sobre o menino, é que Lucas tocou no ombro deste e pediu que olhasse com naquela direção para ver se conhecia as duas figuras. Assim que olhou, Lucas sentiu o menino como se estivesse estremecendo. Ficou totalmente transformado na hora. Os olhos brilharam de medo, suava em demasia e praticamente não sabia o que fazer.
- O que está acontecendo com você Faísca, conhece aqueles dois para ter ficado assim nervoso desse jeito? Se conhece me diga quem são eles que é pra ver o que a gente pode fazer. Hein, Faísca, conhece aqueles dois? – Perguntou.
- São dois rapazes lá do Morro do Anum, perto da caixa d'água. Só sei o nome de guerra, que é Azuretado e Cachimbo. Sei que eles estão me procurando porque faz dias que não apareço por lá e sei que eles vieram saber por que ainda não fui pagar um dinheiro que devo a eles. Pouca coisa, uma mixaria, mas eles não perdoam nada. Tem que pagar ou eles ficam assim no pé, quando não mandam outras pessoas para receber. Querem o dinheiro na tora. E se a gente não tiver dinheiro tem que dar roupa ou outras coisas. Às vezes dão até um prazo pra pessoa ir roubar e entregar a eles, que sempre estão por perto, vigiando. Uma vez tive que roubar até uma bicicleta velha do meu pai para entregar a eles. Ou faz isso ou corre o risco de morrer. Já deram sumiço a um num município vizinho e dizem que tem muita gente aqui, até importante e de família rica que está na mira deles. Dizem que tem um caderninho com o nome de todo mundo, quanto deve e quanto tempo não paga. Quando passa de um certo tempo eles furam o dedo com um alfinete e esfregam no papel. Fica sujo de sangue ao lado do nome e aí eles começam a planejar o que fazer dali por diante. Verdade é que quem entra nesse meio fica sem ter saída. E agora eles estão me esperando para ver se vou pagar o que devo hoje. O problema é que não quero pagar de jeito nenhum. Primeiro porque não tenho e depois porque não tenho medo deles, mesmo que andem em dupla. O ruim de tudo é que eles não param de perseguir e muitas vezes não é nem pelo dinheiro, mas simplesmente para que a pessoa não largue o vício. Chegam até a dar o crack de graça que é só pra manter a pessoa dependente deles e da droga. Vou lá falar com eles. Tenho que ir lá. É um problema meu e tenho de resolver. Espere aí que volto já...
Mas Lucas impediu que o menino saísse de onde estava. Disse que ele mesmo iria até lá conversar com os dois. E em seguida seguiu até onde estavam. Não se sabe o que falou, mas a verdade é que uns dez minutos após os dois tomavam o caminho de volta, retornavam sabe-se lá para onde.


continua...





Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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