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sexta-feira, 23 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 54

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 54

Rangel Alves da Costa*


Todas as vezes que os mistérios surgem diante do meu olhar, não mais indago sobre a verdade de suas existências, apenas acredito no bem que trazem consigo. Tal era o pensamento de Lucas.
Mas a verdade é que um anjo surgiu em plena luz do dia, e até perguntaria ao Padre Josefo se isto é normal ou se por trás da aparição está algo sendo dito. Não restava nenhuma dúvida que eles estão por todos os lugares a todo instante, ao lado das pessoas protegidas e pairando no ar, em festas ou zelando cuidadosamente quando as coisas que têm de proteger estão ameaçadas. Contudo, a manifestação de um anjo embaixo do sol era coisa estranha.
Mas um anjo apareceu em plena luz do dia e Lucas viu e logo recordou das palavras bíblicas: "O anjo do Senhor apareceu-lhe numa chama (que saía) do meio a uma sarça. Moisés olhava: a sarça ardia, mas não se consumia";“Vou enviar um anjo adiante de ti para te proteger no caminho e para te conduzir ao lugar que te preparei"; "Meu Deus enviou seu anjo e fechou a boca dos leões; eles não me fizeram mal algum, porque a seus olhos eu era inocente e porque contra ti também, ó rei, não cometi falta alguma"; "O anjo do Senhor acampa em redor dos que o temem, e os salva."; "o anjo que me guardou de todo o mal, abençoe estes meninos! Seja perpetuado neles o meu nome"; "O anjo do Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: O Senhor está contigo, valente guerreiro!"; "Veio o anjo do Senhor uma segunda vez, tocou-o e disse: Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer"; "em todas as suas aflições. Não era um mensageiro nem um anjo, mas sua própria Face que os salvava. No seu amor e na sua ternura ele mesmo os livrava do perigo"; "Mas o anjo disse-lhes: A paz seja convosco: não temais"; "Sejam como a palha levada pelo vento, quando o anjo do Senhor vier acossá-los".
Protegido estava, mas até quando? Depois sentiu quanto desnecessária foi fazer tal indagação para si mesmo, pois tinha plena consciência que os anjos sempre estão ao lado e protegendo o homem, restando somente que este seja o anjo maior de si mesmo e saiba que não há armadura ou fortaleza que possa guardar aquele que se desnorteia dos seus caminhos porque assim deseja e deixa de cumprir o seu pacto com Deus sobre a terra, com base nos seus ensinamentos.
Estava ainda fazendo festa no pensamento quando um carro da prefeitura parou bem ao seu lado.
- Bom dia, o senhor chama-se Lucas não é mesmo? Somos da prefeitura e foram até lá dizer que aqui está havendo abate e comércio ilegal de carne de gado, é verdade? O senhor tem autorização da prefeitura? O local onde faz o abate é adequado, possui higiene, está livre de moscas e outros insetos? Está pagando as taxas de comercialização à prefeitura? Onde está o alvará ou a licença para abater e comercializar animais? Vamos até o abatedouro, onde fica?" – Lia o rapaz num questionário.
Perguntas e mais perguntas sem pé nem cabeça, pensava Lucas, com vontade de gargalhar daquela cena toda. O pior é que conhecia o dito fiscal desde criança, agora parecendo totalmente esquecido do passado por causa do cargo na prefeitura. Lembrava até o nome dele, e assim o tratou, para seu espanto e olhar envergonhado.
- Que bom revê-lo amigo Daniel, seja bem vindo ao nosso lugar. Mas não sei se poderei ajudar muito no que veio fazer aqui não, pois nada disso do que acabou de falar pode ser encontrado aqui. Em primeiro lugar porque aqui não há abatedouro clandestino nenhum e nem venda de carne de qualquer espécie. As duas reses que foram mortas aqui, ontem e hoje, não foram para o comércio, mas para o medo, pois alguém que está querendo me amedrontar simplesmente procurou atingir aquilo que era de mais inocente e sagrado, que eram os animais. Como os dois animais foram mortos de arma branca como vocês mesmo chamam, achei por bem perguntar se os moradores aqui da região queriam aproveitar a carne. E foi só isso – Relatou rapidamente.
Ainda de cabeça baixa, o fiscal tocou no ombro de Lucas e o arrastou para um local mais afastado, onde o motorista do carro não pudesse ouvir.
- Meu amigo, ganho uma miséria e sou forçado a fazer isso, tudo a mando daquele infame do prefeito, que sei muito bem que vem lhe perseguindo mas ninguém sabe bem os motivos. Tenho de me submeter a destratar até quem conheço há anos. Sei bem de quem se trata, mas tenho de fazer assim só porque ele manda o motorista vigiar se faço tudo certinho. Sei que não existe nada disso aqui, mas vou lhe pedir um favor e se puder pelo amor de Deus me ajude...
- Pode dizer rapaz, o que está precisando? – Lucas perguntou com viva curiosidade.
E de cabeça baixa, olhos lacrimejantes e com a voz já tremulando, o rapaz disse:
- Se sobrou algum pedacinho de carne, pelo amor do Senhor me ajude, guarde aí que depois venho buscar pra levar pra casa. Há dois dias prometi à mulher e o menino que levaria um pedacinho de carne pra casa e até hoje não pude...


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com.

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