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sábado, 3 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 34

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 34

Rangel Alves da Costa*


A pergunta de Paulinho não veio feito baque, feito surpresa ou choque. Há dias que ele mesmo procurava respostas. Verdade é que sem trabalhar recebendo remuneração os planos de vida estariam emperrados, vez que tinha de sobreviver e contas a pagar. Mas quanto a isso, a situação não era desesperadora. Contudo, mesmo um emprego não afastaria uma série de problemas, pois tinha de estar comandando as atividades no barracão e outros afazeres envolvendo as muitas pessoas que certamente receberia ali para ensinar as primeiras letras, discutir assuntos da escola e tirar todo tipo de dúvidas. O ideal seria um emprego que não impossibilitasse de realizar essas outras atividades. Mas seria muito difícil, sabia.
Contudo, como teria de satisfazer às inquietações do amigo, procurou responder com outras palavras:
- É verdade Paulinho, o desemprego é sempre um grande problema. Fico imaginando como muitos e muitos brasileiros nunca tiveram um emprego fixo, sempre viveram fazendo bicos ou estão desempregados. É uma situação lamentável e muito difícil para todos. Contudo, o alívio é que essas pessoas, mesmo passando as maiores dificuldades, vivem no alento da esperança que Deus dá por dias melhores. Por isso mesmo que não vivem completamente desesperados. Pelo contrário, muitos deles, mesmo com família numerosa para criar, são felizes e muito felizes. E digo que muito mais felizes do que muitos que vivem nos seus castelos, com grandes somas nos bancos e num luxo desenfreado. Estes possuem somente coisas materiais, dinheiro e bens que não compram a felicidade barata de um coração alegre e firme nos propósitos da vida, um coração feliz. De repente, chega uma doença que não tem dinheiro no mundo que compre remédio, que pague aos melhores hospitais e médicos, que traga a cura. Muitos desses ricaços, no desespero e cheios de vergonha, vão esmolar uma erva medicinal no quintal do pobre, vão implorar pelos préstimos de uma rezadeira, vão buscar na sabedoria dos mais velhos qualquer tipo de solução para aquilo que não tem mais jeito. É a lei da vida, Paulinho, lei esta que nenhum legislador ou juiz pode modificar. É aquilo que está escrito porque traçado por Deus: Aqueles que pensam que têm tudo, na verdade não passam do mais fino grão de areia no deserto, sem saber que a ventania chegará a qualquer instante; e aqueles que vivem em dificuldades, de tão despercebidos que são, vivem escondidos neste deserto, e quando a ventania passar eles se erguerão majestosamente feito rochedo... – Falava um mais que empolgado Lucas, até ser interrompido pelo amiguinho:
- Mas Lucas, eu perguntei foi sobre você, foi sobre sua situação agora que está desempregado...
- Mas eu ia chegar lá pequeno estraga discurso – Disse sorrindo -. Estava apenas mostrando um pouco como vejo as coisas desse mundo. Quer dizer, parte dela, pois já disseram que existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia. Mas isto eu explico depois com mais calma a você. Sim, quanto à minha pessoa, não pense que vivo desatento sobre tal problema, pois se trata da minha sobrevivência. Tenho ainda algumas economias guardadas dos trabalhos que sempre realizei desde novinho e como não sou de vícios, até que deu pra juntar um pé-de-meia, mas lógico que não vou confiar nisso, não vou viver tirando de pouquinho a pouquinho até se acabar tudo, até mesmo porque o que tenho economizado não dá nem pra construir um barracão daquele de alvenaria, com porta segura e móveis. Existem ainda os bens que meus pais deixaram quando faleceram, que são somente aquela casa, o terreno onde está construída e animais de quintal e de se contar numa olhada. Mas isto faz parte da herança e não podemos mexer nem vender nada até que tudo seja partilhado, dividido entre eu e Lúcia minha irmã. Ontem mesmo recebi uma carta dela dizendo que já tinha resolvido passar a parte que cabe a ela pra mim. Mesmo assim não pretendo vender nada do acervo da família e se pudesse acrescia muito mais, mas somente o tempo dirá. Por isso mesmo, seu Paulinho, por enquanto fique despreocupado que até arrumar um novo emprego o seu amigo viverá com dignidade. Satisfeito? – Pensou haver concluído, depois dessa exposição toda.
Apressaram o passo. Contudo, Paulinho que parecia inspirado naquela tarde, fez outra pergunta instigante:
- E quando você vai casar. Os meninos descobriram que você é apaixonado por uma mocinha aqui mesmo do lugar, é verdade?
Por essa Lucas não esperava de jeito nenhum. O jeito que teve foi perguntar:
- Mas que negócio é esse rapaz, agora deram para invenções, para bisbilhotar a vida dos outros e arrumar namorada, que negócio é esse? – Falava sorridente, tentando dar um basta logo naquela conversa – E como é o nome dessa mocinha, eles não inventaram também não?
- Ester. O nome dela é esse, Ester, foi isso que me disseram. Conhece essa Ester?
E Lucas parecia que havia sido arrebatado de onde estava. Calou, entristeceu, quase some.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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