SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 22 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 53

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 53

Rangel Alves da Costa*


Quando se mata um animal de quem tem pouco bicho no criatório, e ainda apaga no ato uma lembrança familiar, não se diminui a riqueza já inexistente de quem não tem, mas afeta profundamente os seus valores íntimos e tende a neutralizar suas forças de reação.
O inimigo esperto e astucioso começa agindo assim, buscando diminuir as forças do outro a partir da desvalorização ou destruição do que este mais preza. Como se diz, vai chegando e se apossando e depois quer ser dono da vida e de tudo, vez que o indivíduo afetado pela perda daquilo que gosta é pessoa de corpo aberto e desarmado, fragilizado e agora refém do uso das armas que o outro queira usar. O inimigo sempre começa agindo assim, porém Lucas já sabia disso e conhecia nome e sobrenome dos inimigos. Ao menos isto, por enquanto, eles não conseguiriam, dizia firmemente a si mesmo.
Na tristeza de um a alegria de outros, pois foi como objeto de salvação que algumas famílias das mais empobrecidas dos arredores receberam seus dois quilinhos de carne do animal morto por arma branca pelo invasor. Lucas primeiro explicou a situação e as circunstâncias da morte do animal para ter a certeza se aceitariam ou não tirar o couro, fazê-lo em cortes e reparti-lo. Nenhuma objeção, nada; pelo contrário, não deu pra quem queria. E ao menos durante dois dias, quem sabe, o feijão com farinha, se houvesse, seria saboreado com um tiquinho de carne. Tiquinho de carne é luxo, é festa no olhar e na barriga desacostumada.
Estas mesmas pessoas voltariam no dia seguinte ao terreno de Lucas para tentar conseguir mais um pedaço de carne, pois quem derrubou violentamente as portas e matou o animal, resolveu voltar na madrugada e matar o segundo bicho, desta vez dentro do pequeno cercado que chamava de curral. Não se dirigiram até a casa nem a ao barracão para destruir qualquer coisa, mas foram diretamente esfaquear uma vaquinha.
Ao amanhecer bem cedinho, ouvindo incessantemente o mugir da vaquinha que ainda restava com vida, ele foi ver o que era e avistou o sangue misturado ao estrumo e o outro animal morto mais num canto. Haviam estado ali novamente, haviam destruído novamente, já estavam testando demais, já estavam dizendo o que verdadeiramente queriam, era o que podia concluir no embaralhar das ideias raivosas. Em tudo há um limite; ah! isso há, pois a frase que se quer dizer não acaba com o ponto final, mas antes disso quando a tinta acaba primeiro.
Assim que as pessoas iam saindo do local onde a vaca havia sido cuidada para ser repartida, Sr. Genésio, um velho que morava próximo e era muito amigo de seus pais, se aproximou, perguntou se podia falar um proseado de minuto e começou a dizer:
- Conhecia muito seus pais e conheço também você, menino Luca, poi vi se mijando pela casa, acumpanhei seu crescer e vejo agora um homi feito, desse que a gente pobre tem o prazer de ver, poi vingou do nosso lado e hoje é menino de estudo, sério e honrado. Purisso memo, menino Luca é qui num consigo atiná pruque tão fezeno isso, distruino o que já tem pouco. Ontem foi uma e agora outra e desse jeito num tem quem aguente. E quando os bicho acabá, menino Luca, o que quererão de fazer? Num sei quem faz isso não, mai já tem dia que venho vendo umas coisa estranha aconteceno por aqui. É gente que finge que passa e fica oiando demai pa sua casa e po barracão, é gente que vai ver se as porta tá trancada e fica forçando cuma se pá ver se tá faci de entrá. E tem outos que se escondem pelas moita e ficam zanzando de um lado a outro isperano num sei o que. E eu só veno de lá longe, poi o que num me fartou foi as vista, poi vejo tudim e bem longe. Só num sei dizê cuma é a cara de cada um, já qui num é nem doi nem treis, mai muito mai. É tudo um povo estranho, novo, rapazote, mai muito isquisito, dá pá se notar. Mai num sei pruque, mai na maioria das veiz que aparece e quere fazê argum marfeito aparece uma coisa bonita em frente da casa e do barracão e eles deixam de fazer e vão indo imbora...
- Como é essa coisa bonita que aparece seu Genésio? Por favor, me explique – Perguntou um Lucas bastante interessado na narrativa do velho amigo.
- Num sei dizer direito não, mai é mai ou meno assim: memo durante o dia, com o sol clariando e doeno nas vista, memo assim aparece uma luz e sai de dentro dela uma coisa qui a gente num sabe nem dizer o que é, poi nem é gente nem é luz, mai cuma um facho um bonito qui cumeça a soltar uns raios e adespoi vai sumino enquanto sobe pra riba. Dá inté medo, mai é a coisa mai bonita de se ver. E depoi que essa coisa vai imbora vem um vento bom e chega os bicho e as pranta parece que tão brincano. Poi é assim menino Luca...
E o Sr. Genésio seguiu com seus dois quilinhos de carne enquanto Lucas olhava para o local indicado pelo amigo e via a mesma luz há pouco descrita.


continua...





Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: