SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 8 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 39

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 39

Rangel Alves da Costa*


Mas que safado é esse prefeito, um verdadeiro salafrário. Chegar aqui, tentar me conquistar para fazer parte de sua quadrilha, do seu bando de ladrões e ainda querer intimidar. Um verdadeiro bandido é esse homem que se diz administrador municipal. E o pior que não forçou as portas da prefeitura para entrar, pois só está ali porque a maioria do povo quis. Talvez o candidato fosse um lobo vestido em pele de cordeiro, e que depois de eleito está mostrando todas suas garras. Mas que homem nojento e abjeto é esse... Lucas ficou imaginando um montão de coisas desse tipo por um bom tempo, pensando até que bem poderia ter dado uns tapas no safado. Mas foi melhor, pensou e se acalmou mais.
Entrou em casa, revirou gavetas e foi encontrar o que queria num pequeno baú fechado dentro do guarda-roupa. Seus pais eram organizados, guardando todos os papéis referentes a pagamentos em local apropriado e que pudessem ser encontrados numa hora de precisão. Assim, Lucas encontrou muito mais coisas interessantes e que remexiam por dentro, mas procurou não reviver o passado naquele instante e obter somente o que queria. Retirou recibos de pagamentos de financiamentos sobre a terra, comprovantes sobre o pagamento de todos os impostos que diziam respeito à propriedade. Estava tudo em dia, como se dizia por lá.
Após organizar tudo numa pasta decente e guardar a documentação noutro local, traquinou aqui e ali, cuidou de pequenas coisas, tomou um banho e resolveu ir até à cidade deixar aquela situação a limpo de uma vez por todas. Verdade é que tinha muitos afazeres no barracão, como organizar uma agenda para aulas e muito mais. Contudo, tinha que devolver na mesma medida as afrontas proferidas pelo prefeito.
Chegando à prefeitura, e como da outra vez, teve acesso rápido a quem queria falar. Entrou na sala e disse em pé mesmo:
- O senhor prefeito agiu muito errado em ter ido até nossa propriedade fazer aquela proposta descabida e por fim fazer ameaças. Vivo sozinho é verdade, mas nunca estou sozinho se pode compreender, e não tenho e nunca terei medo de suas ameaças. Não poderia aceitar jamais me vender como fazem muitos dos seus apadrinhados. Se existe uma coisa que meus pais me ensinaram foi ter honra e a honra que trago e tenho não será maculada nem por tostão nem por milhão. Com isso quero dizer que jamais aceitaria o que foi proposto. Se gostasse de política pediria votos contra o senhor e o que mais desejo é que Deus o proteja nas muitas encruzilhadas sem saída aonde certamente chegará. Deus é bondoso e perdoará parte dos seus pecados, mas o homem não. A ação do homem agredido chama-se reação, e esta sempre será legítima em defesa da honra e da dignidade. E digo mais senhor prefeito: se pensas em continuar com essas propostas e ameaças aviso logo que recorrei à justiça em dois sentidos. Primeiro para preservar meus direitos; e segundo para resguardar os direitos do município contra suas nefastas ações. Pois é, primeiro o Ministério Público saberá de tudo, depois a imprensa noticiará tudo, e mais tarde o poder judiciário aplicará contra você tudo quem tem direito. E é somente isso, senhor prefeito, e muito obrigado – Disse tudo isso num fôlego só e saiu sem olhar pra trás.
Ouvindo tudo, parecendo engasgado e demonstrando um nervosismo em demasia, o prefeito ficou agitado de tal modo que suas reações ficaram retidas. Assim que saiu, Lucas deixou o homem querendo fazer tudo, mas sem ação para nada, tendente a explodir. O que veio depois somente os funcionários da prefeitura sabem e tiveram de suportar, pois o rapaz já estava no caminho de volta.
Agora sim, estava com a alma mais aliviada, mais calmo e satisfeito. Tinha certeza que aquilo teria as reações mais adversas, mas era mais fácil suportar sabendo do que receber a pancada sem saber de onde veio. Ainda de longe enxergou o carro do Padre Josefo parado diante do barracão. Aproximou-se e viu quando o homem da igreja saía de dentro da construção com a cruz rústica na mão e a ergueu perante os raios do sol por algum instante. Essa ação despertou curiosidade, fazendo com que, antes mesmo de cumprimentar o amigo, perguntasse:
- Está benzendo esta velha cruz, Padre Josefo?
- Quisera eu ter mais força que essa cruz, mas verdade é que estou simplesmente encantado e surpreendido, pois esta não é somente uma cruz, mas sim a cruz da promessa, a cruz transformadora, a cruz que guarda na sua madeira rústica o selo do destino. Onde arranjaste esta cruz que nem a igreja consegue ter?


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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