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sexta-feira, 23 de julho de 2010

SILÊNCIO COVARDE E PERIGOSO (Crônica)

SILÊNCIO COVARDE E PERIGOSO

Rangel Alves da Costa*


Mesmo estando próximo ou até ao lado, nem sempre o outro ouve os sons emitidos por alguém que sofre. As manifestações sensoriais que vão se transformando em sons até o alcançar o ápice no grito desesperado, sempre nasce do silêncio. É no silêncio, pois, que está a raiz de todo sofrimento.
O silêncio nunca foi tão inocente como sempre pretendeu demonstrar. Muito menos ele é a mudez absoluta, é a total ou relativa ausência de sons, é a palavra muda, a expressão labial que não deixa falar, a boca fechada ou a voz que preferiu se esconder para não dizer verdades. Que imparcialidade que nada, pois o silêncio é muito mais perigoso do que se imagina!
O silêncio é estrategista,vai calma e pausadamente planejando ações que mais tarde nem mesmo o silencioso, o que por enquanto não diz nada, poderá conter, vez que não sinaliza o que tenciona fazer nem diz quais as armas que utilizará para conseguir seus sinistros e abomináveis intentos.
Não é à toa que quem cala consente; que o silêncio é vulcão prestes a explodir; depõe ao seu modo covarde e frio contra todos aqueles que precisam que negue uma acusação. E por que o marginal tem o direito constitucional de ficar em silêncio? Porque nele estão adormecidas e bem guardadas as bestialidades e as desumanidades da vida. E por que a pessoa diz que vai falar senão vai explodir? Ora, porque o silêncio está enlouquecido para agir e dizer todos os absurdos a um só tempo.
É, pois, do silêncio que nasce o sofrimento. Ele escolhe o terreno, revira a terra, afofa o chão, espalha a semente e o adubo, revolve novamente a terra e rega, irriga ou faz chover, traz o sol no tempo e na quantidade certa, espanta os bichos e os insetos, arranca com os dentes as ervas daninhas, faz o vento soprar mais leve e faz surgir nas noites as temperaturas adequadas, e tudo para que o sofrimento vá tendo o seu ciclo de nascimento e crescimento na maior perfeição.
Assim, o silêncio planta e colhe o sofrimento para depois se manifestar na palavra, no gemido, nas dores expressadas e finalmente no grito. O grito é o êxtase, o orgasmo, a realização do silêncio. O grito é o contentamento maior e toda a finalidade do silêncio. Como a água que silenciosamente vai destruindo o rochedo, assim são as asas do silêncio até que alce o voo e o mundo inteiro e os céus ouçam que um lancinante grito de dor está presente em alguém.
O grito, essa coisa medonha, terrível e assustadora que todos temem, não é quase nada em comparação com o silêncio. Este sim, é perigoso e verdadeiramente cruel. Frases existem que dizem muito bem sobre isso: "Silencioso e quieto daquele jeito deve estar aprontado alguma"; "Está muito silêncio para estar tudo bem"; "Não confie no silêncio da noite"; "O furação permaneceu em silêncio por vinte anos, e de repente..."; "Chegou ao tribunal inocente, mas assim que saiu do silêncio se condenou"; "Todo mundo ouve quando o silêncio está gritando". E muitas outras situações serviriam para ilustrar essa coisa falsa e friamente abjeta que é o silêncio.
Como já foi dito, perto do silêncio o grito é criança, um pobre coitado, um penalizado sem culpa nenhuma, uma coisa que não faz mal a ninguém a não ser pelo barulho que faz. Para se ter uma ideia, basta um grito e tudo se cala e morre. Mas quando tempo dura o silêncio até se transformar em palavra e chegar ao grito propriamente dito? Isso pode levar uma eternidade, mas sempre com a expectativa de sofrimento e dor.
Numa síntese, o grito sempre foi e continua sendo vítima do silêncio, que arma todas as armadilhas e arapucas na vida para depois posar de bom moço nos gestos labiais de alguém que nem sabe com quem está lidando. O pior é que o grito é vítima que morre sem poder se defender, pois nem tem tempo para pensar naquele que vem tramando contra ele durante a vida inteira.
E então, o silêncio covarde vem, silenciosamente ataca e de repente só se ouve um grito. E tudo acabou. Morreu o grito e da morte renasce o silêncio para matar novamente.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Toninho disse...

Que perfeita reflexao sobre o silencio covarde.Uma coisa que nos incomoda,que nos irrita.É no silencio que as coisas acontecem e tecem suas armadilhas.Por que nao gritar quando as cosias nao estao fluindo. Se bom cabrito é aquele que berra. O direito ao silencio, que arma mais poderosa. Seu texto é muito profundo é para reler sempre. Abraço de luz. O sertão tem voz,Rangel.