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sábado, 31 de julho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 62

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 62

Rangel Alves da Costa*


Seguindo em direção à igreja, sua cabeça martelava diante de tantas dúvidas, interrogações e conclusões. Estava totalmente indignado diante da possibilidade de que a droga, seja ela de qual tipo fosse, conseguisse dominar e submeter governos, sociedade, famílias e indivíduos. Estes já vitimados há muito tempo. O que já estava ocorrendo era o prenúncio disso tudo, pois não haveria de se admitir que essa maldição não fosse combatida com muito mais violência do que ela age.
Ora, pensava Lucas, porque o álcool é chamado de droga social, permitida, pode se alastrar como quiser e produzir os seus resultados como quiser. Atuando dubiamente, o governo abraça os impostos oriundos das bebidas e depois diz que o alcoolismo é um grave problema de saúde e que deve ser combatido por isso e aquilo e tudo o mais.
Mas não passa disso, pois o álcool continua alcoolizando, destruindo famílias e pessoas, produzindo consequencias nefastas cotidianamente noticiadas, e é como se não tivesse ocorrendo nada. Não poderia ser diferente, pois para o governo tanto faz que o povo morra ou não, bastando somente que muito mais de 50% de impostos cobrados em cada dose, em cada garrafa, vá para os cofres públicos, que de tão públicos às vezes têm donos.
Assim, o álcool que inegavelmente é uma droga incentivada pelo governo, e precisamente porque sua venda gera os famigerados impostos, passa a se tornar o patamar, a base ou alicerce de onde frutificarão e crescerão o uso de outras drogas. Da mesa da bebida ou do balcão da cachaça vai surgindo o vício do cigarro, amizades duvidosas vão aparecendo, os sorrisos largos e os tapinhas nas costas são frequentes, consumos de outras drogas vão sendo incentivados.
E de repente, aquele que se apresentou como amigo no balcão vai oferecer um traguinho de maconha, vai oferecer um baseado de graça, por amizade, vai levar o indivíduo para conhecer outros ambientes, vai tentar mostrar que a vida com droga é uma beleza, é uma maravilha, e se mais tarde tiver a sorte de se tornar traficante será a plena realização. No mundo da droga, o traficante é o verdadeiro dono de pessoas e de vidas.
A mente de Lucas parecia vibrar enquanto imaginava sobre tais fatos. Era como se estivesse vendo tudo isso à sua frente: jovens sendo conduzidos com o maior cuidado do mundo para os caminhos da perdição. E via crianças de sete, oito, nove anos, já experimentando, já servindo de entregadores de drogas, militando nos exércitos do submundo.
E via garotos esconderem suas mochilas de livros e cadernos e seguirem pelos becos, fazendo curvas, subindo morros, voltando eufóricos e com olhos brilhantes. Ali mesmo acendia mais um ou cheirava alguma coisa, que era para continuar acelerados. E via esses mesmos garotos, pouco tempo depois, já sem mochilas, sem livros, sem nada, agora malcheirosos e com roupas estragadas, subindo pelas vielas e se demorando por lá.
E via que tudo aquilo não se resumia a três ou quatro pessoas, mas chegavam cada vez mais e com perfis diferentes, o que demonstrava que as drogas estavam enfim socializando a comunidade: gente de todas as classes sociais, indistintamente, caminhando em união para a morte a cada dia. No vício, todos são verdadeiramente iguais em tudo e verdadeiramente nada.
E a mente de Lucas começava a mostrar cenas dantescas, dramáticas. As drogas descendo os morros e se instalando por todos os lugares da cidade, derrubando as fronteiras da periferia e alcançando o edifício gigantesco e o condomínio de luxo; carros possantes parando nas esquinas a qualquer hora do dia e motoristas recebendo a encomenda das mãos de garotos, ali mesmo, a quantidade de drogas que quisessem; moças, jovens, pessoas de peito nu e engravatadas, condutores de bicicletas, pessoas caminhando, magnatas por trás dos vidros fumê, madames de lulu no colo, todos procurando os pontos de comercialização da maldita.
Mas não precisavam caminhar ou procurar muito não, pois os pontos de venda estavam em cada esquina, na porta das escolas, no carro de pipoca ou no vendedor de cachorro quente, nas lojas comerciais, nas entranhas das repartições públicas, nas igrejas, nos confessionários, dentro dos hospitais e nos centros de reabilitação de drogados. Onde a pessoa pudesse imaginar, a droga podia ser encontrada.
Quando chegou diante da igreja, Lucas parou um instante e se perguntou se não estava enlouquecendo. Chegar a todas aquelas conclusões sobra as drogas só poderia ter enlouquecido. Mas não, pois tinha certeza que não tinha pensado nada além do que realmente ocorre na realidade. Contudo, chegou a outra conclusão sinistra, e esta de enlouquecer qualquer um: tudo aquilo que havia imaginado era apenas a ponta visível do iceberg!...


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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