Rangel Alves da Costa*
Nos tempos do cangaço reinando pelos sertões nordestinos, coiteiro era a denominação recebida pelo matuto que servia de ponte para o abastecimento e comunicação do bando de cangaceiros. Não houve reconhecimento maior por parte da história, mas dele muitas vezes dependia a vida e a sorte dos cangaceiros que se amoitavam nos esconderijos mais impensáveis.
Decorrente da expressão coito ou couto, significando lugar de abrigo, local de refúgio, o coiteiro passou a significar aquele que guardava o abrigo, que vigiava o refúgio, que tinha o coito ou esconderijo sob sua responsabilidade. No mesmo sentido, numa versão mais populesca, coiteiro é aquele que dá abrigo a bandidos e os protege.
Mas perante o cangaço não era sempre assim, pois o coiteiro geralmente era um humilde sertanejo que, vivendo nas proximidades do abrigo, procurava ajudar os cangaceiros nas suas necessidades e ser vigilante perante o mundo exterior, mais adiante. Assim, nem sempre era dono do lugar onde o bando buscava refúgio, mas simples mateiro, caçador ou alguém que convivia no seu cotidiano com aquelas paisagens.
Verdade é que o bando de cangaceiros também se escondeu em terreno da família do próprio coiteiro, como ocorreu na Gruta do Angico, às margens do São Francisco, no atual município de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Como se sabe, a gruta estava localizada dentro de uma propriedade da família de Pedro de Cândido e seu irmão Durval, sendo aquele tido como o delator da localização do bando à volante comandada pelo Capitão João Bezerra.
Ademais, se a expressão coiteiro se voltasse apenas para designar aquele que dá refúgio e proteção a cangaceiro ou bandido – pois insisto que cangaceiro jamais foi bandido, ainda que a expressão bando de cangaceiros dê essa conotação, mas tão-somente rebelde contra as injustiças do seu tempo, sofrendo constante perseguição -, muitos coronéis nordestinos poderiam ser considerados coiteiros.
E coiteiros porque davam abrigo e proteção ao bando nas suas propriedades, bem como abasteciam do que necessitassem. Mesmo que os cangaceiros não ficassem na casa-grande ou seus arredores, e sim em lugares mais afastados dentro do reduto coronelista, ainda assim nenhuma volante se atrevia a botar os pés ali ou perseguir quem estivesse sob os auspícios do poderio político e econômico. E de lá saíam munidos de um tudo, desde armas a munição até vestuário e adornos de ouro.
Desse modo, delimitaram-se quem era simples coiteiro e quem era grande protetor. Aquele o homem da mata, o amigo do bando, o farejador, o que tinha olhos e ouvidos para sentir a presença do inimigo, o que não deixava faltar a carne de bode, o pano para a vestimenta, a agulha, a tesoura, a máquina de costurar. E este outro, o coronel, a quem cabia fornecer armas, proteção e dinheiro, se preciso fosse.
O verdadeiro coiteiro não só servia como elemento estratégico para o abastecimento do bando como exercia outras funções essenciais. Levava recados e bilhetes, trazia respostas e encomendas; procurava sentir a presença de inimigos na região e repassava para o chefe o pressentimento; tomava par de tudo que estava acontecendo ao redor para não permitir que o pior pudesse acontecer a qualquer momento.
Não era do bando, mas era como se fizesse parte como um tipo de correspondente de determinada região. Morando ali, conhecendo todos os caminhos, grutas e veredas, tornava-se essencial tanto para a subsistência como para sobrevivência dos cangaceiros. Daí também ser caracterizado como pessoa de extrema confiança. Seria impensável que um coiteiro revelasse a estranhos o local do esconderijo ou que falasse qualquer coisa que indicasse a presença dos cangaceiros nas redondezas.
Mas ainda assim houve traições. Quando Lampião e seu bando, no mês de julho de 1938, escolheram a Gruta do Angico para descansar um pouco das pegadas sangrentas deixadas pra trás desde o Raso da Catarina, ali se refugiaram com plena convicção de que estariam em segurança.
Ora, a gruta ficava na beira do rio mas dentro da propriedade de gente conhecida, cujos filhos Pedro de Cândido e Durval serviam como hábeis coiteiros e amigos do bando. Por isso jamais passaria pela cabeça de Lampião que Pedro de Cândido delataria, num dia de feira no outro lado do rio, em Piranhas, a sua presença ali.
Uns dizem que o jovem coiteiro foi torturado para dizer onde o bando estava. Hipótese frágil, porém, vez que se houve tortura para o conhecimento do local foi porque a volante já sabia de alguma coisa. Para outros, apenas a fraqueza de um jovem sertanejo que nem de longe imaginaria que estaria selando o destino do grande rei do cangaço, sua Maria Bonita e mais nove cangaceiros. E também o fim do cangaço.
Poeta e cronista
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