E SE ELA NÃO PERDOAR?
Rangel Alves da Costa*
Queria de vez esquecer o passado. Aquilo que aconteceu pode acontecer com todo mundo. Eu não estava bem e você também não estava num dos melhores dias. Mas você rasgou o meu Neruda primeiro. Joguei sua fotografia pela janela, mas foi sem pensar, eu juro.
Você bateu a porta na minha cara e dou razão. Quando a gente está com raiva faz assim mesmo, e o motivo é o que menos importa, vez que a fúria sempre fala mais alto. Talvez você não estivesse enraivecida apenas pelo momento, mas por uma junção de pequenas coisas que repente aparecem por cima do tapete.
Eu tenho plena consciência que errei e errei demais. O meu erro maior foi não tentar fazer o que sempre fiz, que foi chamar à palavra, ao instante do necessário desabafo e o pedido de perdão quando possível. E por isso mesmo nunca saímos com danos maiores após nossas brigas.
Mas naquele dia foi demais. E digo demais porque nunca passamos dois ou três dias sem um procurar o outro, jogando pães pela estrada para ver se quem encontra o caminho do reencontro. Mas já se passaram dois meses e o nosso silêncio continua numa mudez de solidão. O que houve com a gente para uma separação assim tão verdadeiramente distante?
Não troquei o número do telefone, ainda moro no mesmo lugar e nem assim recebo nenhuma mensagem ou recado. Na última vez ela sabia que eu ia ao entardecer desenhar na praça e apareceu por lá, fazendo de conta que nem esperava me encontrar. Acabei fazendo o retrato dela e embaixo ainda escrevi algumas palavras:
“Apenas o esboço da mulher que amo, apenas o traço da mulher que quero, apenas a sombra da mulher que sonho, apenas a ideia da mulher que é minha. Mais tarde e sempre, nem fotografia nem desenho, mas o corpo nu da mulher que tenho...”.
Mas dessa vez ela sumiu de verdade. Talvez esteja pensando e sentindo o mesmo que penso agora, mas duvido que seja com tanta saudade, com tanta vontade de abraçar e beijar infinitamente. Quem dera se o telefone tocasse, se ela passasse, se ela viesse...
Verdade é que não suporto mais tanto sofrimento e solidão. Martírio de amor não tem razão de ser se quem você ama existe, pode ser encontrada. Vou abrir exceção ao coração que sangra e tentar curá-lo com o único remédio eficaz, fazer revelar a minha existência, de modo que sinta que existo e preciso reencontrá-la.
Talvez uma flor baste, talvez um grito embaixo de sua janela. Não. Melhor seria uma faixa estendida na rua ou uma serenata embaixo da sua janela. Chama muita atenção para algo que só diz respeito a nós dois. Mas talvez nada disso funcione.
Vou telefonar pra sua melhor amiga e pedir que lhe fale sobre esse meu sofrimento, sobre minha saudade, sobre o perdão que quero pedir frente a frente. Não sei se errei, mas perdão funciona tanto que dificilmente alguém deixa de perdoar, ainda que nem saiba do que se trata ou foi ofendida.
É isso, vou dizer à sua melhor amiga que estou louco para pedir perdão. Não somente um perdão, mas mil perdões, todos os perdões do mundo pelo que já fiz e acaso farei pela estrada. E se ela aceitar e quiser me rever vou esperá-la aqui mesmo onde estou, sentado no pé do sofá sobre o tapete da sala.
A música está baixinha, a luz está semiescurecida, há dois incensos queimando e uma atmosfera de alegre solidão. Deixarei do mesmo jeito se o meu amor chegar. Ela ainda tem a chave da porta, por isso talvez nem toque a campainha. Seria melhor que não, que venha caminhando como sempre fez, bela e descalça ao meu encontro.
Mas se ela não vier, se ela não quiser aceitar o perdão por qualquer coisa que tenha de ser perdoado? E se o meu amor não mais quiser me ver, me reencontrar, me escutar? E se o meu amor me abandonar?
Tem nada não. Um dia eu não a conhecia, ainda assim o meu olhar reconheceu o amor assim que a encontrou. Eu era tão jovem e ela também, e fomos nos conhecendo até um dia acontecer o primeiro beijo.
E acho que não é nada demais eu andar pela sua rua, passar por aquelas esquinas, esperando de novo encontrar aquele olhar. E quem sabe, crianças que ainda somos, nos olhamos e começamos tudo novamente.
Poeta e cronista
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