*Rangel Alves da Costa
A estrada da vida é entremeada de chão
florido e terreno espinhento. Caminhar por ela significa vencer os obstáculos
para completar o ciclo da existência. Contudo, dependendo da situação de cada
pessoa, a estrada se torna menos difícil pelos acompanhantes que se juntam ao
passo, pela ajuda a cada necessidade, pelo que lhe é colocado à disposição para
que prossiga sem maiores problemas.
As pessoas ricas, influentes, poderosas e
possuidoras de status político e social, nunca estão sozinhas na estrada nem
caminham próximo aos buracos, espinhos e armadilhas. O sol não as aflige porque
sempre haverá alguém com um guarda-sol para proteger, e assim também com a
chuva. Não sentem sede nem fome, quando o cansaço chega logo surge um bom lugar
para descanso.
Tais pessoas, praticamente conduzidas por
outras pessoas, sempre estarão próximas à sombra e água fresca, ao que de menos
pesaroso possa existir na estrada. Muitas delas sequer caminham ou fazem
qualquer esforço, pois não faltarão aqueles que lhes arrastem nos ombros. Os
outros cansam, suam, sofrem e se estropiam para que os seus endeusados
prossigam sorridentes e cheios de felicidade.
A sorte da estrada é uma só: poder, dinheiro,
influência. Eis as chaves da caminhada. Quem conta com a dádiva econômica,
política ou de status, certamente nem perceberá se está caminhando sobre flores
ou pontas de pedras, pois praticamente flutua. Nada lhe aflige, nada lhe
ameaça, nada lhe causa perigo ou temor. O próprio poder é protetor, mas quem
lhe serve de escudo e proteção é sempre aquele que lhe deve submissão ou que
espera qualquer tipo de reconhecimento.
Mas nem sempre ocorre assim, nem sempre a
pessoa consegue trilhar toda a estrada da vida à sombra do que possui. O mundo
dá muitas voltas, e basta que o afortunado perca prestígio e poder, se veja sem
a riqueza de antes ou ameaçado de viver como um ser comum, então se torna muito
diferente. A estrada de flores dará lugar ao chão de terra batida, e mais
adiante os espinhos poderão surpreender a cada curva.
Sem poder, sem dinheiro, sem influência, sem
status, caminhando apenas como um ser comum, dificilmente chegará alguém para
lhe matar a sede, saciar sua fome ou oferecer uma cadeira para descansar. Na
lei dos comuns, cada um deverá vencer segundo suas próprias forças. E que não
se imagine que o prestígio de outrora possa servir para qualquer coisa, pois o
momento exige mostrar o que tem e não o que teve.
Então surge a imagem daquela pessoa poderosa
que sempre caminhou acompanhada por um verdadeiro séquito de aduladores. Quanto
mais poder mais pessoas ao redor, e todas servindo, acarinhando, numa bajulação
de envergonhar os outros caminhantes. Mas bastou que o poder fraquejasse, que
sua influência diminuísse e já não pudesse mais ser tido como mandachuva, para
que a procissão fosse ficando esvaziada cada vez mais. E com a dissipação total
do poder surge apenas a solidão como companhia.
Acaso continuasse poderoso, certamente que a
procissão de bajuladores pisaria em brasas e espinhos, seguiria aonde ele
fosse. Mas a situação agora é muito diferente. Não tem mais nada nem a ser
desejado nem a oferecer, não é senão uma pessoa que caminha sem olhar para trás
para não recordar o passado faustoso. E solitário vai seguindo porque ninguém
se arrisca a acompanhar quem nada tem a oferecer como reconhecimento.
Assim ocorre na vida inteira e em diversas
situações. A perda de prestígio e de poder tende a ser acompanhada de uma terrível
solidão. Todos parecem sumir de repente. E no instante mais difícil, quando
após a jornada chega o instante de pisar no deserto, então é que se sente quanto
dói a areia ardente do abandono. Noutros tempos, tudo um oásis, mas agora
somente a poeira, a tempestade, a solidão.
Quem quiser se manter no sombreado, sempre
acompanhado e bajulado, que cuide de se manter no poder, na riqueza, com
influência. É assim que funciona perante muitos. Não há solidão materialista,
não há desprezo capitalista. Tudo é uma questão de impor ao outro uma condição
de subserviência tal que nuvens sejam estendidas aos pés.
Do contrário, quando o tanto ter se
transforma em pouco ou nada ter, a voracidade da solidão e do desprezo se
revelará de forma assustadora. Mas não adianta relembrar os tempos de fartura
para que os amigos apareçam. Estes não existirão mais. Contudo, aqueles outros,
aqueles mesmos que sempre foram sinceros e fiéis a vida inteira, mas foram
relegados pela cegueira da bonança, jamais estarão distantes.
Estes, além de não deixar que o amigo pise
sozinho em espinhos, se manterão na postura de fiéis companheiros ainda que
mais tarde, acaso a ilusão da fartura ressurja, sejam novamente esquecidos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com