Rangel Alves da
Costa*
Eis que
agora me surgem relembranças boas, daquelas que somente de vez em quando alçam
voo do jardim florido da memória. Coisas passadas, de tempos de criancice e
adolescência, mas que devem ser relembradas para o fortalecimento do espírito e
o arejamento do coração.
Menino
querendo ser rapaz, ou rapazote ainda envolto em criancice, eis que me
apaixonava de passo a passo. Era um verdadeiro Don Juan das pretensões
amorosas. Não podia ver uma garota bonitinha e logo começava a lançar minhas
armas de conquistador. Mas o verso antes de qualquer palavra.
Também
metido a poeta, rabiscava idílios rimados e fazia-os chegar às mãos da
pretendida. Versos de poucas rimas, curtos, porém festivos ao coração. Nada de
rimar amor com flor nem paixão com coração. Preferia versos brancos a rimas
adocicadas demais. Temia ser visto como um apaixonado qualquer.
Logicamente
que não esperava versos de volta, respostas poéticas. Os ensaios poéticos
serviam apenas como chaves para abrir a porta da presença. Após o recebimento
seria mais fácil a aproximação da menina. E nem precisava perguntar se havia
lido e gostado ou não. As respostas chegavam nos olhos, na feição mais rubra,
no leve sorriso no lábio. A ternura encontrada era sinal de conquista.
Outras
vezes não acontecia como o planejado. O meu mensageiro de vez em quando chegava
dizendo que os versinhos tomaram outra direção, vez que a menina resolveu
entregar o bilhete ao pai. E que eu me cuidasse. Certa feita uma chegou toda
sorridente e aproveitou meu sorriso de satisfação para enfiar o papel boca
adentro. E só não deu um tapa na cara porque desviei a tempo.
De vez em
quando recebia os bilhetinhos de volta, arremessados com pedras. Mas certa
feita ocorreu algo totalmente inesperado, vez que sem enviar qualquer verso
acabei recebendo um papelzinho selado com um beijo de batom vermelho, e
cheirando a alfazema. A coisa mais linda do mundo. Foi o que acabei me
confessando naquele inusitado momento.
Atinando
pela vida, distantes de preocupações outras que não as do momento, eis que uma
amiga me chega com um papel devidamente dobrado à mão. Primeiro disse que eu
nem me metesse a besta achando que aquele escrito era da parte dela, pois
estava apenas prestando favor a uma grande amiga que não podia faltar. E
colocou a cartinha cheirosa no bolso da minha camisa volta-ao-mundo. Lembro-me
como se tivesse acontecido ontem.
Surpreendido,
espantado, mas principalmente curioso, catei o papel e abri cuidadosamente. E
lá, com letra miúda e quase desenhada, estava escrito: Batatinha quando nasce
esparrama pelo chão, Delzinho quando se deita bota a mão no coração. Muitos me
chamavam e ainda chamam de Del, então era dirigido a mim mesmo, não havia do
que duvidar. Contudo, o que realmente impressionou foram os versos utilizados
para demonstrar aquela afinidade amorosa.
Com as
maiores variações possíveis, os versinhos da batatinha se esparramando pelo
chão são mais antigos que qualquer coisa que se possa imaginar. Conhecidos por
todos, mas deixaram de ser usados como expressão amorosa exatamente pela
simplicidade, falta de criatividade e até mesmo inocência de quem deles lança
mão.
Mas eis
que de repente me vi deitado botando a mão no coração, pois assim, através dos
versos da batatinha, aquela menina me queria dizer muito mais. Falar de um amor
muito mais sério e profundo, mais contagiante e abrasador, mas que só conseguiu
esparramando a batatinha pelo chão. E que gesto meigo, modesto e encantador. E
talvez por isso decidi responder com outros versos.
Mas poesia
verbal. Dita perante a face, próxima à boca, quase tocando o lábio. E beijando.
Poeta e cronista
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