SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FELIZ 2014!!!



OFERENDAS PARA UM ANO BOM


Rangel Alves da Costa*


A saúde, a paz e a felicidade, além da concretização das grandes esperanças, são as dádivas mais desejadas para o ano vindouro. As intenções se renovam a cada final de ano, e mesmo não sendo plenamente conseguidas ao longo do calendário, ainda assim merecem e precisam ser almejadas. Ora, o ser humano não vive sem arriscar as pedras no jogo da sorte.
Contudo, as conquistas exigem esforços, sacrifícios, ou mesmo um simples reconhecimento pelo que será permitido receber. Contudo, a simbologia ritual diz que deverá haver uma contrapartida ou agraciamento daquele que também deseja ser agraciado. Exige-se que se faça uma oferenda a Deus ou aos santos e anjos, ou mesmo aos deuses e entidades, segundo a crença religiosa ou mística de cada um.
As Escrituras falam em oblações, quando sacrifícios eram realizados para pedir ou agradecer um reconhecimento divino; a liturgia católica fala em ofertório na parte da missa durante a qual o padre oferece a Deus o pão e o vinho, antes de consagrá-los. São oferendas, porém com conotações estritamente religiosas.
As pessoas comuns também podem fazer oferendas, e tais práticas são mais comuns do que se imagina. De repente, mesmo sem que a atitude tenha a intencionalidade da oferta divina, alguém coloca um buquê de flores ao lado do oratório como reconhecimento por uma graça alcançada. O agradecimento afeiçoa-se à oferenda. Neste sentido, pagamento de promessa também não deixa de ser agradecimento por meio de uma oferta daquilo que foi prometido.
 Do mesmo modo, são muitas as oferendas para que a divindade reconheça a intenção de alguém para alcançar graças e objetivos.  Ofertando, o indivíduo busca agradar os olhos da divindade e conseguir forças e merecimento para obter algo que tanto deseja. A finalidade da oferenda acaba se resumindo a um tipo de negociação espiritual; ou seja, a pessoa oferta algo simbólico para ter em troca algo realista.
Muitos não gostam do termo oferenda, eis que o mesmo exige certo sacrifício. Preferem utilizar doação para significar algo que é dado graciosamente e sem desejar retribuição imediata. Contudo, dificilmente não há uma intencionalidade explícita naquele que homenageia por agradecimento ou que oferece esperando receber algo em troca. Em tudo há oferenda, ainda que não se exija qualquer tipo de sacrifício.
Oferenda para Iemanjá, lançando às águas barquinhos repletos de flores, perfumes e outros presentes. Agradece as graças alcançadas ou reafirma a fé que terá muito mais dali em diante. E a Rainha do Mar, na sua singeleza sincrética, vaidosa como uma deusa maior, recebe todas as ofertas como dádivas sublimes e lança de volta, na alvura das ondas, as graças tão desejadas pelos seus fiéis.
Cada ser humano deveria fazer um verdadeiro sacrifício como ofertório. Não matar ou sangrar animais, mas fazer algo que para muitos parecem ser ainda mais impensável. E consistirá simplesmente em afastar dos corações tantas vaidades, egoísmos, soberbas, preconceitos, discriminações, arrogâncias, autoritarismos, desrespeito para com o próximo. Talvez seja sacrifício demais para muitos, mas certamente colherão graças inesperadas.
Há uma oferta que além de ser remédio para a alma é verdadeiro presente para o espírito. A pessoa precisa reconhecer-se importante, sentir dentro de si um sopro de divindade e oferecer a si mesma aquilo que mais encanta seus olhos e alegra seu coração. Flores, canções, encontros, beijos, abraços, sabores, tudo como se num cesto enfeitado para o seu deleite.
E também uma cesta adornada e repleta de tudo aquilo que simbolicamente desejaria para si. Mas enfeitada para o outro. Gratidão, amizade, respeito, companheirismo, amor, união, ternura e afeto. E tudo com laços de fita e flores do campo de uma manhã orvalhada. Depois colocada na janela à espera do alvorecer do novo ano. E aí continuará como dádiva maior daqueles que realmente desejam a paz, a saúde e a felicidade.
E terá não apenas um 2014 cheio de graças, mas uma eternidade enquanto o coração agraciado estiver.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Poema do amor infinito


Poema do amor infinito


O poema de amor verdadeiro
é escrito com a tinta do tempo
com a lava do ferro derretido
por cima do diamante bruto
no eterno coração dos amantes
porque o poema de amor
tão fiel como amor verdadeiro
é escrito no corpo e na alma
fixado nas pedras da eternidade

impossível tentar reescrevê-lo
ou apagá-lo com a borracha do acaso
impossível transpô-lo para outra folha
sem que do coração a página se rasgue
e o amor existente se vá com a vida.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 479


Rangel Alves da Costa*


“Dia, depois da noite...”.
“Amanhecer, depois do sonho irrealizável...”.
“Abrir a janela, e logo a paisagem...”.
“Sentir a aragem, e logo o canto...”.
“Mirar o tempo, e logo o pensamento...”.
“Tanto imaginar, e logo decidir...”.
“Partir, partir, partir...”.
“Chegou o tempo de seguir adiante...”.
“Fechar a porta e seguir caminho...”.
“Escrever a vida nas curvas de terra...”.
“Reescrever a sina em cima do chão...”.
“Eis que o tempo foi de Eclesiastes...”.
“Houve um tempo de plantar...”.
“E tempo de colher...”.
“Um tempo de fartura...”.
“E de necessidade...”.
“Um tempo de felicidade...”.
“E tempo de tristeza...”.
“Tempo de amar...”.
“E de solidão...”.
“E agora outro tempo...”.
“Tempo de partir...”.
“Na mochila o pouco que tenho...”.
“O nome e sobrenome...”.
“O espelho quebrado...”.
“O retrato amarelado...”.
“O poema inacabado...”.
“A carta molhada de lágrima...”.
“Uma folha seca...”.
“Um outono na face...”.
“Brisa na garrafa...”.
“Lembrança da janela...”.
“E pouco mais tenho para levar comigo...”.
“Os sonhos seguem dentro de mim...”.
“As dores e sofrimentos no meu íntimo...”.
“As esperanças guardadas no coração...”.
“A força na sola dos pés...”.
“E um mapa imenso no olhar...”.
“Bem que eu poderia seguir navegando...”.
“Subir no barco que tenho comigo...”.
“Mas meus olhos estão áridos...”.
“Ressequidos demais de tanto chorar...”.
“Por isso seguirei caminhando...”.
“De pés descalços...”.
“Camisa ao ombro...”.
“Cabelo ao vento...”.
“Vento no rosto...”.
“E cantarei uma cantiga antiga...”.
“Canção de despedida e de adeus...”.
“Que um dia ouvi...”.
“Quando minha mãe...”.
“Não pôde mais cantar...”.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

DIAS CINZENTOS, CORAÇÕES SOMBRIOS


Rangel Alves da Costa*


As alegrias não costumam fazer festa ao final do ano. Neste e nos demais, sempre um tempo de tristeza e solidão. Os encontros e confraternizações não são suficientes para afastar a sensação angustiante que se apodera de mentes e corações.
Muitos encontram tristezas nas recordações. Não só o percurso do ano que se finda, mas todo um calendário de vida. As lembranças se acumulam e tomam a feição da saudade e da melancolia. Essa visão do passado acaba ofuscando o presente e sombreando o futuro.
Muitos simplesmente não conseguem mais esconder os sentimentalismos guardados dentro de si. Tudo fizeram para que as flores frágeis dos sentimentos não desabrochassem de vez e um outono de folhas mortas despontasse na janela e invadisse a alma. Mas o tempo do ser se aproveita desses instantes mais tristes e entristece a vida em flor.
Tantos outros tentam fingir alegrias, contentamentos e simpatias, porém acabam apenas disfarçando por fora o que não conseguem esconder por dentro. Não podem fugir do espelho, não podem arredar do pensamento, não conseguem ser outro quando o silêncio íntimo esbraveja mais que qualquer grito no mundo lá fora.
E ainda aqueles que se mostram apenas o que realmente são. Não escondem tristezas, angústias, aflições, tempestades íntimas. As lembranças e as saudades são as mesmas, apenas mais vorazes que em outros instantes, vez que os momentos presentes se mostram sempre mais férteis para os enternecimentos.
Dificilmente alguém poderá dizer que nada sente de diferente a cada final de ano. Será difícil se ouvir que tanto faz como tanto fez que seja dezembro ou não. Contudo não creio haver tamanha insensibilidade que possa petrificar o espírito diante de instantes tão delicados e reflexivos na vida do ser humano.
Não há indiferença que não sinta o espírito afetado, transformado a cada final do ano. Diários íntimos são reabertos, álbuns são revisitados, as lembranças empoeiradas ganham molduras com dolorosa nitidez. Não são instantes que signifiquem apenas sofrimentos, pois envoltos também no prazer dos reencontros, mas que acabam comovendo a alma.
Não há, pois, apatia sentimental que não abrande o ser nessa época. Por mais que o natal seja visto como insignificante, que a paisagem natalina nada represente, que a virada do ano seja visto como instante qualquer, ainda assim o coração baterá no compasso da nostalgia, do passado, do vivenciado. Para depois seguir o relógio e o calendário do novo tempo.
Mas tudo acontece de modo tão estranho que mais parece um tempo de abrigo para fugir de voraz tempestade. Na casa ou no quarto fechado apenas velas cintilam suas chamas tênues e frágeis; o vento vai entrando pela janela e parece trazer no seu passo uma música antiga, uma canção que desperta a saudade e a dor. Mas não, não existe abrigo escurecido nem tempestade, apenas um dezembro com suas cinzas e sombras.
Dezembro que bem poderia ser um outono. Tudo dessa estação pode ser avistado nesse mês de final de ano. A ventania murmurante que vai avançando sobre folhas secas, ocres, acinzentadas, frágeis, extasiadas. Vidas desnudas de braços esquálidos, entristecidos, tendo ao fundo um entardecer de brasa adormecida. E as folhas esvoaçando, sendo levadas, seguindo para bem distantes, sem saber que renascerão noutra estação. No novo ano, na estação que logo se iniciará.
Por isso mesmo que dezembro é sempre envolto em dias cinzentos, corações sombrios e olhos que miram sem saber o que desejam enxergar. Pouco encontrarão adiante, pois apenas moldura com faces e feições do passado. E ainda não houve tempo de tentar enxergar o futuro. E simplesmente porque impossível querer ir em frente quando o coração ainda dialoga com o que ainda não foi esquecido.
Mas é preciso viver o dezembro. E principalmente ultrapassá-lo, seguir adiante. E abrir janelas e portas para receber o sol e as esperanças de um novo dia no novo ano que se inicia.


Poeta e cronista
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Fogueira (Poesia)


Fogueira


Luzes de natal e copos vazios
vinho derramado na roupa antiga
sem melodia ou alegria na noite
apenas a solidão na janela aberta
e a memória viva tomada de chamas
a saudade em brasa a tudo consumir
coração ardente queimando voraz
e a ventania alimentando o fogo
da saudade e do desejo cortante
de ter sua face para a última palavra
e dizer num grito o que fere o silêncio
e dizer que amo como nunca amei
e repetir que amo como nunca me dei

eis ainda a fogueira impiedosa e cruel
um tempo de doçura transformado em fel
uma porta aberta e um olhar sobre ela
e o vento trazendo a solidão na janela
e até que as cinzas sem dispersem no ar
estarei sofrendo até seu amor retornar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 478


Rangel Alves da Costa*


“Não, não me tome por louco...”.
“Deixe-me chorar um rio...”.
“Deixe-me chorar um mar...”.
“Chorar a lágrima dos injustiçados...”.
“Chorar a dor dos enfermos...”.
“Chorar o sofrimento dos desvalidos...”.
“Chorar o grito dos desesperançados...”.
“Chorar o pranto dos solitários...”.
“Loucura é fingir...”.
“Insanidade é não se mover diante dos absurdos...”.
“Doidice é quedar-se ante os abismos...”.
“Por isso choro e quero chorar...”.
“Chorar rio e chorar mar...”.
“Rebentar a vazante do peito...”.
“Transbordar as correntezas da alma...”.
“Soltar as torneiras escondidas no ser...”.
“Eis que o choro...”.
“Lava a alma e fortalece o espírito...”.
“Habilitando o sujeito a chorar ainda mais...”.
“Sim, e porque os motivos existem...”.
“Os motivos são muitos...”.
“E estão presentes em todo lugar...”.
“Ou será que tenho de sorrir...”.
“Diante da atrocidade da guerra...”.
“Diante da degradação da natureza...”.
“Diante do pecado semeado e colhido...”.
“Diante da fome e do sofrimento...”.
“Diante da sede e do tormento...”.
“Diante da dor e da agonia...”.
“Diante da miséria e da desesperança...”.
“De pedra fui...”.
“E pedra ainda sou...”.
“E tão petrificado e frágil...”.
“Tomado de mármore e de sentimento...”.
“Que me desfaço aos poucos...”.
“Com a água leve que em mim acaricia...”.
“E pedra transformada em grão...”.
“A correr na correnteza dos dias...”.
“E até chegar à margem da vida...”.
“E nela perceber quantos têm sede...”.
“De compreensão da realidade...”.
“Eis que nem todos enxergam...”.
“Nem o grito lancinante nem o sangue jorrando...”.
“Nem a pele dilacerada nem o olhar sem luz...”.
“Pois se tivessem o dom da percepção...”.
“Também seriam rio e mar...”.
“Transbordando da fonte dos olhos...”.
“Ou da bacia da alma...”.
“Que jamais seca diante do que se tem adiante...”.
“Um mundo transformado em medo...”.
“Uma vida transformada em labirinto...”.
“E com viventes que nem choram mais...”.
“Eis que arrebatadas sua preciosa fonte...”.
“Do viver para se indignar...”.
“E corajosamente chorar...”.


Poeta e cronista
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domingo, 29 de dezembro de 2013

TUDO TALVEZ NO ANO NOVO


Rangel Alves da Costa*


Tudo talvez em 2014. Desejar sim, lutar para acontecer, tudo fazer para dar certo, mas sem fazer disso um compromisso inarredável. Como precisamos de liberdade, tudo na vida também possui sua liberdade de acontecer ou não. Por mais que o inesperado aconteça, ainda assim temos que ter consciência da possibilidade de tudo.
Ninguém possui o dom de firmar uma agenda segura para o futuro; ninguém tem o destino ou os passos da vida a seu dispor; ninguém pode antecipar as possibilidades e reverter aquilo que não lhe aproveite; ninguém pode afirmar que apenas o que deseja acontecerá. Futuro é incerteza, dúvida, desconhecimento, cabendo a cada um apenas lutar para que os acontecimentos não se distanciem dos seus objetivos.
Por isso tudo talvez. Talvez a realização de um grande sonho, uma conquista desde muito esperada, o alcance daquilo que por muito tempo se fez impossível; mas talvez também a surpresa desagradável, o acontecimento indesejado, a luta que não foi suficiente para alcançar determinado objetivo. Porque a vida é assim mesmo, cheia de mais e de menos, de positividades e negatividades, daquilo que desejamos e também do que não podemos fugir.
Dessa certeza que tudo é talvez, nada resta a fazer senão estar preparado para todos os tipos de situações que possam surgir. A consciência de que jamais teremos tudo que desejamos, e também a certeza de que poderemos ser surpreendidos pelo que jamais desejaríamos, já servem como preparo espiritual para o enfrentamento das realidades sem grandes ilusões.
Daí não haver lugar para promessas e mais promessas a cada final de ano, mas sim a criação de expectativas boas para o novo ano. Creio não haver cabimento pensar apenas em perder tantos quilos, em arranjar um novo amor, em comprar um carro. Nada disso será possível se a pessoa não fizer um pacto consigo mesma: vou lutar para conseguir o que tanto desejo.
Pode parecer generalizado demais apenas lutar para conseguir objetivos, quando as diretrizes da luta exigem que se apontem quais objetivos devem ser alcançados. Ora, quem deseja o mais já estará englobando o menos; quem pensa grande já envolveu pensamentos menores. Assim, será a vontade de lutar e a disposição para a luta que possibilitará desde ter força própria para perder peso a alcançar o mais alto degrau na profissão.
Por tais razões é que realmente não gosto dessas promessas sempre feitas ao final do ano e para serem cumpridas ao longo do ano novo. Creio ser mais justo e menos comprometedor que a pessoa afirme que vai apenas tentar. Apenas tentando a pessoa não se sente numa redoma impositiva. E tudo é mais fácil de ser conseguido sem ser sob pressão.
O próprio termo tentar se mostra com mais liberdade do que prometer. Tentar é pretender, ter a intenção de algo, usar os meios possíveis para a consecução de objetivos. Por seu lado, prometer é garantir uma realização, é jurar que vai praticar, é afirmar um compromisso perante algo.
Ademais, a tentativa não cumprida não provoca as mesmas consequências que a promessa não levada a efeito. Assim, no ano que se inicia apenas tentarei realizar algumas coisas que todo ser humano deveria perseguir como compromisso próprio, existencial, e perante o meio em que convive. E os reflexos disso poderão ter alcances muito maiores.
Desde já coloco, pois, meus objetivos numa agenda. Mas nada escrito ou datado, apenas mentalizado e já guardado na consciência. E tudo tão fácil de ser realizado que impossível seria ao ser humano viver sem perseguir tais ações. Apenas a ação diante da responsabilidade humana com sua existência e diante da vida.
Sim, desejo paz, saúde, felicidade, noites sem sobressaltos e manhãs sorridentes aos olhos. Não fugirei das tempestades nem dos vendavais, pois certamente virão. Mas a tudo vencerei porque tenho objetivos maiores: paz, saúde, felicidade, noites sem sobressaltos e manhãs sorridentes aos olhos.


Poeta e cronista
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A festa dos olhos (Poesia)


A festa dos olhos

Meus olhos fazem festa
e cantam e sorriem
e brilham e resplandecem
todas as vezes que avistam
a festa da beleza da vida
na beleza do corpo em festa
e o coração sorri e brinca
cantarola e começa a pular
querendo fazer toda festa
na festa da beleza que há

e me vejo menino assanhado
correndo descalço em busca de flor
escrevendo seu nome na nuvem
trazendo a maçã de doce sabor
e olhando com olhos em festa
aquele brinquedo de tanto amor.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 477


Rangel Alves da Costa*


“Dezembro...”.
“Antigos dezembros...”.
“Agora somente dezembro...”.
“E só...”.
“Natal não existe mais...”.
“Ou apenas a data no calendário...”.
“Espírito natalino não existe mais...”.
“Apenas compras, presentes...”.
“O sentimentalismo natalino...”.
“Desde muito que deixou de existir...”.
“Apenas as confraternizações...”.
“Não há mais árvore de natal...”.
“Apenas a soma de quanto ganhou...”.
“Não há mais cartão de natal...”.
“Apenas a riqueza da ceia...”.
“Não há mais melodia natalina...”.
“Apenas o shopping enfeitado para vendas...”.
“Não há mais presépio...”.
“Apenas a roupa nova...”.
“Não há mais luzes piscando...”.
“Apenas os dias comuns...”.
“Não há mais manjedouras...”.
“Apenas os planos para o futuro...”.
“Não há mais simbologias de fraternidade...”.
“Apenas a existência em cada um...”.
“Então, onde estará o natal?”.
“O que significa o natal?”.
“Qual a sua razão de ser?”.
“Por que o natal ainda?”.
“Ora, todo mundo sabe...”.
“Mas ninguém quer saber...”.
“A Missa do Galo mudou de horário...”.
“Tudo mudou na religião...”.
“E no homem não poderia ser diferente...”.
“Infelizmente...”.
“Natal agora é apenas...”.
“Uma data no calendário...”.
“Dezembro é apenas um mês...”.
“Não há mais lugar para nada...”.
“Nem árvores de natal nem enfeites...”.
“Nem Papai Noel nem presépio...”.
“Nem a harpa melodiosa...”.
“Nem sapatinhos na janela...”.
“Nem sentimentos solidários...”.
“Nem fraternidades...”.
“Mas nem tudo foi esquecido...”.
“Continuam os presentes...”.
“As ceias grandiosas...”.
“Os luxos e encantamentos...”.
“As trocas de presentes...”.
“E a espera que o novo ano...”.
“Traga conforto material...”.
“Pois ninguém lembra mais do espírito...”.
“Muito menos do espírito do natal...”.


Poeta e cronista
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sábado, 28 de dezembro de 2013

E O QUE FAZER AGORA COM AS FOLHAS SECAS DE 2013?


Rangel Alves da Costa*


O mês de dezembro já se apressa para o seu final, muito foi plantado e muito foi colhido, e na cesta de recolhimento aquilo que foi tão almejado e conseguido e também as sombras ainda presentes daquilo que não deveria ter acontecido. Mas aconteceu. E o que fazer agora com os restos dessa estação que se finda, o que fazer com as folhas secas de 2013?
O ano é como uma estação que vai ressecando suas folhas até que elas desvaneçam em dezembro. De tanto serem afetadas pelos mais inusitados acontecimentos, acabam perdendo a força e, fragilizadas, caem ou são levadas pelo vento. Ao findar o ano, a árvore já deverá estar totalmente despedida daquilo que tanto floresceu. Contudo, nem sempre assim acontece, eis que folhas secas insistem em permanecer. E cabe ao sujeito cuidar de soprar seu destino.
O florescimento, contudo, não mostra apenas folhagens verdejantes, vistosas, cheias de seiva e vitalidade. Os aspectos positivos semeados e colhidos no ano são muitos, porém sem conseguir afastar as indesejadas e sempre perturbadoras derrotas e desilusões. É, pois, como um arvoredo entremeado de folhas alegres e tristes que o ano vai se findando para o surgimento de novos frutos.
Como as conquistas nem sempre chegam a contento e as desilusões entrecortam o caminho das perspectivas, é normal que o ser humano jogue todas as suas esperanças no tempo vindouro. E o final de ano serve para refletir sobre as realizações, as conquistas e perdas, bem como estabelecer metas que serão perseguidas. Mas antes de tudo há que se desfazer das folhas secas do ano que ainda persistem nos galhos esturricados do já vivido.
E haverá de ser assim porque impossível construir o novo, esperar que a árvore do amanhã frutifique, persistindo ainda a velha feição. A estação do outono exemplifica todo o esse processo. A natureza verdejante, após muito frutificar e farfalhar, de repente vai se transformando para o renascimento, para a nova vitalidade. Mas tudo passando por um melancólico processo de enfraquecimentos, fragilidades, perdas e adeuses. As folhas secas do outono são os fiéis retratos dessa perda para a transformação.
Considerando que as realizações humanas não se prolongam eternamente com a mesma vitalidade, tanto o positivo como negativo tende à instabilidade ou ao exaurimento com o passar do tempo. E essa feição de tempo ido, de esgotamento, estará presente a cada final de ano como uma folha que perdeu a seiva, secou, acinzentou e tende a cair. Mas nem todos se desfazem das cinzas. Alguns gostam de fazer poesia do sofrimento e permanecem guarnecendo o peito com folhas mortas.
Permanecem atrelados ao passado, doloroso ou não, porque os fatos da vida não somem apenas com um sopro. Nem toda realização humana tem período de validade nem se pode repentinamente apagar suas consequências, eis que perduram além do próprio desejo do agente. E quanto mais angustiante e tromentoso for o vivenciado mais difícil será afastar as suas sombras. Ressecam como as folhas, fraquejam como as folhas, mas ainda assim permanecem penduradas na árvore do pensamento.
E eis uma dolorosa indagação humana: o que fazer com as folhas que não possuem mais serventia, que estão aparentemente mortas, mas continuam tão vivas e presentes no indivíduo? Ou ainda: Será possível esperar novas folhagens e frutos na árvore da vida em meio à presença daquilo que já deveria ter sido levado pela ventania da transformação?
Tudo depende daquilo que o homem quer para si. Muita gente insiste em se acostumar com a mesmice e até devotado ao que nenhum proveito lhe trouxe. Nesta situação, difícil a busca da transformação. Mas também muita gente renova até mesmo a vitória. Com a persistência dos conquistadores, vão afastando do caminho os empecilhos e dificuldades, e semeando objetivos onde houver pedras e espinhos. Neste caso, não haverá lugar para uma só folha seca na árvore desejada para o amanhã.
Eis que o amanhã se constrói a partir do hoje e das experiências passadas. Os erros e os acertos entram na mesma receita da construção de um novo tempo. O grande segredo está em saber se deverá repetir aquilo que deu errado no passado. Insistir no exagero é tornar o hidromel em veneno, persistir na imprecaução é procurar amargor nos melhores sabores da vida. Em tudo a sua medida, o seu limite.
Mas tudo depende da força de vontade e das experiências vivenciadas. Quem reconhece o outono certamente sabe muito bem o significado de suas folhas, até mesmo quando já levadas pelos ares. Mas quem imagina que tudo é primavera, muito haverá de aprender a lidar com as folhas secas ao final de cada estação. E chegar à virada de ano sem ter se deixado também perecer.


Poeta e cronista
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Confissão (Poesia)


Confissão


Ah quanto faço pela memória
dos tempos de felicidade
a quanto esforço me entrego
para desempoeirar a saudade

abaixado para recolher a fotografia
fiando linha nos retalhos do passado
envernizando o baú da existência
relendo suas cartas e bilhetes
amando novamente o que foi amor
reencontrando tua face na poesia
repetindo sempre que ainda te amo
porque tanto amo o jamais esquecido
porque amo ainda o que não foi perdido

ai tanto e quanto e mais ainda farei
para manter viva a chama do amor
e ainda que o tempo seja ventania
na morte levarei tudo o que restou.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 476


Rangel Alves da Costa*


“A fé...”.
“O que será a fé?”.
“Será religiosidade?”.
“Será devoção?”.
“Será beatismo?”.
“Será pregação?”.
“Será piedade?”.
“Será crença?”.
“Será acreditar?”.
“Ora, tendo fé...”.
“Tudo isso será fé...”.
“E qualquer coisa será fé...”.
“A fé em Deus...”.
“A fé nos preceitos religiosos...”.
“A fé nos santos e anjos...”.
“A fé nas divindades...”.
“A fé como poder de realização...”.
“A fé como meio de conquista...”.
“A fé como estrada para objetivos...”.
“A fé como ponte para vitórias...”.
“Eis que a fé está em tudo...”.
“Move e fortalece o homem...”.
“Condiciona o ser às possibilidades...”.
“Proporciona segurança...”.
“Faz o indivíduo acreditar...”.
“E a fé também nos momentos extremos...”.
“Nos perigos rondando...”.
“Nas sufocantes enfermidades...”.
“Dividindo a boca com o grito...”.
“Mesmo o impossível...”.
“Será reprimido pela fé...”.
“Mesmo o inevitável...”.
“Será adiado pela fé...”.
“Mesmo o confirmado...”.
“Haverá esperança outra pela fé...”.
“Esperança, talvez seja outro nome da fé...”.
“A esperança permite transformar...”.
“Querer realizar diferente...”.
“Conseguir vencer obstáculos...”.
“Afastar as dificuldades...”.
“E porque a esperança não morre...”.
“A fé jamais morrerá...”.
“Naquele que tem fé...”.
“É mão que toca à mão de Deus...”.
“É a palavra sendo ouvida...”.
“É o rogo sendo atendido...”.
“É a luz na escuridão...”.
“É o poder de mover montanhas...”.
“Eis a fé...”.
“Ir além de acreditar...”.
“Para saber que tudo é impossível...”.
“Diante da fé...”.
“E mais quando a fé repousa no poder de Deus...”.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

AS TRÊS FACES (DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO)


Rangel Alves da Costa*


Tudo que vem à mente humana possui uma face, uma feição, uma imagem pronta que lhe dê reconhecimento. Desse modo, se em tudo há uma fisionomia que se expressa no pensamento, então urge indagar como sentir e visualizar aquilo que se sabe existente, porém com sua face ainda envolta em mistérios?
Por consequência, surge a pergunta mais importante e sobre a qual tentaremos refletir: Qual a face do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Por outras palavras, como surge na mente as imagens da Santíssima Trindade: Deus, Jesus Cristo e Força Vital? Tem-se o Espírito Santo também o amor do Pai e do Filho intercedendo no homem?
E urge indagar também: Serão verdadeiras, ou aproximadas, aquelas feições continuamente retratadas em imagens e esculturas? Por que, em tais imagens, o Pai é mostrado com a feição Filho, e vice-versa? Por que se concebeu e disseminou a imagem divina com aquela conhecida feição?
Em primeiro lugar, qualquer que seja a face, sacra ou de pessoa comum, sempre será possível ser avistada de modo diferente de como está retratada. Os olhos captam a imagem, a mente a transforma naquilo que quer enxergar, e o coração dá o retoque final. Daí que, muitas vezes, a percepção do coração é muito diferente daquilo que foi exposto.
Desse modo, mesmo que se diga da impossibilidade de se falar numa imagem ou face de Deus, eis que um doce mistério de luz, um semblante sempre envolto em brilho indecifrável ao olho humano, ainda assim será possível enxergar sua feição. Esta, a feição, representa aquilo imaginado e transformado em imagem pelo pensamento, e não o conhecimento da face em si.
Por consequência, mesmo sendo impossível captar a face de Deus, será sempre possível retratá-lo com aquela feição que se espera que Ele tenha. Como afirmado, tal processo foge ao olhar para ser revelado intimamente, pelo espírito e pelo coração. Assim, a face de Deus será aquela desejada pelo coração, desenhada no ânimo do espírito, tendo sempre por base a fé.
Sem fé não haveria como fazer surgir a face de Deus no coração. É através da lealdade aos ensinamentos divinos; da crença dos poderes divinos; da convicção de sua existência e da certeza de sua onipotência, onipresença e onisciência, que o ser humano se aproxima cada vez de sua face. Com a alma e o espírito tomados de sua presença, então ele surgirá com a face que a pessoa deseje.
Com relação a seu filho Nosso Senhor Jesus Cristo, a questão da face ganha outros contornos. E isto porque se costumou representá-lo como um homem de meia idade, moreno claro, rosto de contornos afinados, olhos azuis, cabelos compridos e barba longa. Porém, estudos científicos com base na sua origem judaica, apontaram que o mesmo seria de pele mais escurecida, de rosto mais cheio e cabelos negros e encaracolados.
Os estudos científicos, contudo, não dizem que Jesus Cristo deveria ser representado de outro jeito, com outra face. Logicamente porque dificilmente as pessoas aceitariam avistá-lo no quadro na parede ou pregado na cruz com outro semblante. E é aí que novamente entra a questão da aceitação muito mais pelo que se deseja do que pela possível realidade.
Contudo, a aceitação da representação que é feita de Jesus Cristo nos moldes ocidentais, não significa que muitas pessoas o tenham na mente e no coração com aquela face. E não porque a fisionomia surge em cada um segundo sua propensão para aceitar e devotar. Daí é que, muitas vezes, apenas a luz surge para expressá-lo, uma força indescritível para mostrar sua presença, ou uma junção de significados grandiosos para dizer que ali está Jesus Cristo.
Por sua vez, com relação ao Espírito Santo, geralmente tem-se que é o próprio Pai e o Filho em ação, ou seja, as forças divinas se exteriorizam através do Espírito Santo. Seria o ânimo, a força, a ação do poder divino na consecução dos objetivos cristãos. Ele é a emanação da força divina, o sopro que a tudo anima e transforma.
Mas qual seria a sua face, a face do Espírito Santo? A face do Pai e do Filho, mas não como feição, e sim como poderosa luz que se irradia sobre os homens. Talvez ainda a feição observável em tudo que reconhecidamente há o poder da criação de Deus. Muitos o representam como uma pomba, como água, fogo ou sopro. Mas não deixa de ser a luz maior iluminando o espírito com os poderes do Pai e do Filho.


Poeta e cronista
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Espinhos sem flores (Poesia)


Espinhos sem flores


Menino terra
menino chão
menino sol
daquele sertão

moleque danado
moleque arretado
moleque levado
no sertão jogado

minha lua bonita
ficou esquisita
meu sol abrasado
ficou apagado
o menino sertão
pisou outro chão
na terra insensível
sem ter coração

caminhos distantes
asfalto nos pés
a buzina e o clarão
quero minha terra
quero meu sertão

espinhos sem flores
manhãs de cimento
a mesma estação
não é vida é sina
vou voltar pro sertão.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 475


Rangel Alves da Costa*


“O fogo irrompe...”.
“A chama flameja...”.
“A ardência crepita...”.
“E tudo incendeia...”.
“Na voraz labareda...”.
“Assim no amor...”.
“Assim no sexo...”.
“A sim na paixão...”.
“Assim no desejo...”.
“Assim na posse...”.
“A fogueira persiste...”.
“O calor intensifica...”.
“As fagulhas se espalham...”.
“A brasa avermelha...”.
“Tudo tão quente e abrasador...”.
“Assim na raiva...”.
“Assim no ódio...”.
“Assim na ira...”.
“Assim no estupor...”.
“Assim na irracionalidade...”.
“Assim na sangria...”.
“Do abrupto instante...”.
“Chama de vulcão...”.
“Rio de lava...”.
“Ardência escoando...”.
“Caminhos de fogo...”.
“Estrada do medo...”.
“Passo causticante...”.
“Destruição...”.
“Assim as relações humanas...”.
“Assim nos conflitos humanos...”.
“Assim na violência...”.
“Assim na barbárie...”.
“Assim na ignorância...”.
“Assim no ataque...”.
“Assim na estupidez...”.
“Ou talvez apenas uma chama...”.
“Um flamejar inocente...”.
“Um cintilar avermelhado...”.
“Um pedaço de luz...”.
“Acendendo o instante...”.
“Cortando a escuridão...”.
“E assim também nas mudanças...”.
“Nas transformações...”.
“Nos estágios adormecidos...”.
“Nos silêncios escondidos...”.
“No apenas aparente...”.
“Mas que de repente se eleva...”.
“Enraivece e faísca a ira...”.
“Para novamente...”.
“Ser o fogo, a chama...”.
“A fornalha, o vulcão...”.
“A lava que escorre do ser...”.


Poeta e cronista
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

APÓS O NATAL


Rangel Alves da Costa*


Como sempre acontece na vida que vive de vésperas, o dia 25 nem parecia ser mais o de natal. Quase tudo foi comemorado no dia 24 e o dia seguinte se transformou apenas num feriado, num descanso das comilanças e bebedeiras da noite anterior. E o verdadeiro dia de natal acaba sendo somente o dia anterior.
Até mesmo a igreja católica está antecipando as festividades natalinas. Com exceção do Vaticano, a Missa do Galo não é mais celebrada a partir da meia-noite, mas ainda na noite da véspera. E é também nesse dia anterior que tudo ocorre em nome do natal. Paradoxalmente, esvazia-se completamente o grande dia da natividade católica.
Mas talvez seja melhor assim. A memória do nascimento do menino Jesus é silenciosa e distante do barulho das ruas ainda infestadas de consumidores, das algazarras das confraternizações, do som dos champanhes sendo abertas e dos falsos cumprimentos de feliz natal. E quantos abraços frios e palavras fingidas são espalhados nos quatro cantos, até mesmo entre familiares.
Noite de invejosos presentes, de fofocas sobre vestimentas e comportamentos, de exasperação no álcool para ter coragem de dizer verdades que permaneciam escondidas, de desrespeitar toda regra e todo regime. E, ao receber uma lembrança que só tem de qualidade o embrulho enfeitado, aquela pronúncia automática de que não precisava se preocupar com isso não. E após aberto, a outra pronúncia íntima: mas que porcaria!
E assim é a noite de natal, eminentemente profana para a maioria da população. Em meio aos festins e comilanças, troca de presentes e exageros, dificilmente alguém comenta sobre o nascimento do menino ou qualquer outra coisa de cunho religioso. Todas as palavras e cochichos se voltam apenas para as realizações pessoais e as esperanças para o ano novo. Ninguém fala da queda ou do tropeço, do que fez mal feito ou do que não deveria ter feito.
Despedem-se já no dia 25, já perto da madrugada, procuram a todo custo sentir se ainda resta qualquer espaço no estômago para mais comida, e depois vão repousar da correria do dia e da festança da noite. Quase ninguém se lembra da missa das sete; são poucos o que relembram a data no calendário; dificilmente alguém se situa para saber que aquele é o verdadeiro dia de natal. Ainda que se lembre nenhum efeito surtirá, pois o natal foi na véspera.
E hoje, dia 26, apenas um dia após o natal, e a data da comemoração natalícia já parece tão distante. Os tempos já são outros, de preparação para as comemorações vindouras, as novas festanças de despedida do ano e recebimento do ano novo. E não tenho dúvidas que se pudessem encontrar uma brecha, certamente antecipariam os festejos de passagem de ano para o dia 30 de dezembro. O dia seguinte seria apenas para tomar e comer o restante da mesa farta da noite anterior.
Assim, a maioria se despede do natal como de uma festa qualquer. Contudo, muitas pessoas continuam com o véu tristonho e melancólico desse período pairando sobre suas cabeças. E estas certamente não sentiram nenhum prazer nas comemorações. Ainda que tenham participado de um ou outro evento, a presença foi mais exterior, na aparência e fisicamente, do que desejou o seu íntimo, a sua feição espiritual.
Eis que muitas pessoas amargam e continuam sentindo a tristeza e a solidão desse período de final de ano. Como uma melancólica estação espiritual ou um outono que invariavelmente chega ao final do ano, não há festa que os faça alegres e risonhos, não há presente que mude sua consternação interior. E mesmo que não se atenham  tanto ao dia específico de natal, ainda assim são aqueles que sentem os seus reflexos por muito mais tempo, pois sempre hibernam nos seus aflitivos íntimos a cada final de ano.
Enquanto os outros já pensam e fazem planos para as festas da passagem do ano, estes esperam somente que essa tempestade vá logo se dissipando nos seus horizontes. E esperam que o novo ano abra suas asas para, enfim, alçar o voo ao encontro da felicidade tão merecida.


Poeta e cronista
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Cultivando os campos do coração


Cultivando os campos do coração


Porque ainda não desumanizei
porque ainda não embruteci
e cultivo jardins e hortas
e colho flores e esperanças
e procuro avidamente o amor
como o coração que tem de amar
para não sufocar na desesperança

por isso ainda tanto amo
ainda faço serestas e serenatas
escrevo versos e bilhetes
desenho corações pelo ar
e imagino feições nas nuvens
e beijos na brisa que passa
e sonho o amor dos amantes

mas nada acontecido ao acaso
eis que cultivo os campos do coração
eis que persigo o desejo semeado
e espero um dia a grande colheita
do amor o seu grão alentado.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 474


Rangel Alves da Costa*


“Incompreensíveis são os motivos humanos...”.
“Sabem das mortes e fazem as guerras...”.
“Tem as drogas e se apegam...”.
“Não sabem nadar e experimentam as profundezas...”.
“Não sabem amar e destroem outros corações...”.
“Nãos são pacientes e exigem a pressa...”.
“Não tem alimento e usa roupa de grife...”.
“Não toma cuidado e reclama de tudo...”.
“Não acende uma vela e diz que tem fé...”.
“Não dá uma esmola e se diz humanista...”.
“Nunca leu um livro e quer contar o romance...”.
“Nunca saiu de casa e prega conhecimento do mundo...”.
“Nunca trabalhou e reclama cansaço...”.
“Jamais semeou e exige a colheita...”.
“Jamais estendeu a mão e quer ser levantado...”.
“Jamais falou com a pedra e se diz sensível...”.
“Jamais sorriu na manhã e se mostra amante do alvorecer...”.
“Não confia em ninguém e quer se ter confiado...”.
“Não escreve uma carta e espera o carteiro...”.
“Não enche a moringa e quer o copo cheio...”.
“Não prega a paz e ojeriza a guerra...”.
“Não sente a lua e se reveste de romantismo...”.
“Não inventa a pílula e faz surgir a máquina...”.
“Não alivia a dor e quer conforto na alma...”.
“Jamais leu um Salmo e fala Evangelho...”.
“É amigo da mentira e se diz vítima da aleivosia...”.
“Olha a vida do outro e se acha invulnerável...”.
“Semeia a discórdia e se diz de união...”.
“Nega um pão e se diz benfeitor...”.
“Guarda dinheiro em colchão e pede esmolas...”.
“Quer para o outro o que não deseja a si...”.
“Se diz grande irmão que não reconhece irmandade...”.
“Caminha na chuva e não quer se molhar...”.
“Atira a pedra e esconde a mão...”.
“Navega nos olhos e diz não chorar...”.
“Sofrendo nos lençóis e se diz fortaleza...”.
“Precisa dizer sim e pronuncia o não...”.
“Não quer obedecer e exige obediência...”.
“Não escute as lições e reclama dos erros...”.
“Conhece as virtudes e pratica o mal...”.
“Tão doce por dentro e tão amargo por fora...”.
“Quer voar e não aprendeu a caminhar...”.
“Semeia ventania e não quer colher tempestade...”.
“Causa sofrimento e quer um futuro sem respostas...”.
“Sopra o pó e não quer se sujar...”.
“Tem a alma nua e reclama da nudez do próximo...”.
“Exige sempre além do que possa merecer...”.
“Tem medo do pássaro e é amigo da onça...”.
“Luta desesperadamente para destruir quem não merece sofrer...”.
“Naufraga por dentro e submerge por fora...”.
“Conhece a verdade e jura a mentira...”.
“Sabe que não é, porém assim se mostra...”.
“Por orgulho, caminha de sapato apertado...”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O SUICÍDIO DO PERU DE NATAL


Rangel Alves da Costa*


Os jornais estamparam nas manchetes: “Na antevéspera do natal, e o suicídio do peru”; “Fez o último gluglu e tirou a própria vida”; “Peru de Natal antecipa seu fim de forma trágica”. Fiquei estupefato com a notícia. Mas como os relatos eram contraditórios, logo procurei investigar o fato por conta própria.
A primeira coisa que fiquei sabendo foi que não havia sido aberto qualquer inquérito acerca do trágico incidente. A delegacia responsável adiou o início das investigações e, segundo apurei, tudo porque nessa época do ano ocorrem muitos casos similares, e numa sequência de fatos que o jargão policialesco denomina Síndrome do Peru Desgostoso.
Também fiquei sabendo que os registros acabam sendo arquivados, principalmente quando constatado que não houve auxílio de terceiro na ocorrência do sinistro. E também porque suicídio não é crime, e muito mais quando cometido por peru desgostoso pela iminência de seu fim através de outras mãos.
Segundo apurei, os registros de perus que tiram a própria vida às vésperas do natal são em números alarmantes. Fiquei sabendo de um que deixou riscado no chão uma mensagem bem explícita nesse sentido: Prefiro morrer de véspera, de forma desatinada e pelas próprias mãos, a ser servido de pernas abertas numa bandeja a pessoas que parecem nunca terem visto comida à sua frente.
Já outro grugulejou a noite inteira até a primeira luz do alvorecer do dia que seria abatido. E o seu canto, depois decifrado por um velho da região, era um longo e doloroso lamento dizendo que as pessoas só se lembram da existência do peru, só lhe dão alimento e comida, cuidam de sua engorda, quando desejam se fartar de sua carne. E cuidam e mimam, alisam o pelo e sentem o peso, para depois, traiçoeiramente, passar a lâmina afiada no seu pescoço.
E os relatos não são muito diferentes com relação a este peru que mais recentemente tomou a drástica e extrema decisão de cometer suicídio. Só que este, de modo frio e estrategicamente concebido, fez todo um planejamento para praticar o infortúnio. Parece mesmo que tinha plena consciência da ação e da trágica consequência, mas ainda assim tudo fez para não dar nada errado.
Era um peru normal, grande, vistoso, e até gorducho. Sempre alegre, ciscava de canto a outro sem parar e, diferentemente dos demais, seu gluglu era compassado e com som melódico. Desse modo, logo se vê que não se tratava de ave com qualquer problema neurológico ou distúrbio psicológico. Mas se manteve assim só até a primeira metade de dezembro. E após o dia vinte em diante já estava completamente diferente.
E irreconhecível, porém apenas intimamente, vez que ninguém percebia o verdadeiro turbilhão que se escondia nas suas entranhas. Quanto mais percebia os preparativos do natal, os comentários sobre as festanças e comilanças, mais se mortificava por dentro. Parou de fazer gluglu, de ciscar, e daí em diante começou a planejar como fugir daquele infortúnio que certamente se abateria sobre seu pescoço.
Então resolveu se matar. Tiraria a própria vida, mas não daria o gosto de ter alguém segurando o seu pescoço com faca faminta por sangue. E também sabia dos procedimentos desumanos utilizados quando antecedia a morte de qualquer ave natalina. Com a desculpa de amaciamento da carne, ao invés de água colocavam aguardente ou outra bebida destilada para que bebesse. Ou mesmo abriam o bico e empurravam doses e mais doses goela adentro.
Quando viu uma garrafa de vodka sendo colocada mais adiante, então fechou os olhos e chorou por dentro. Fez o gluglu mais triste que poderia existir e se fingiu de adormecido. Mas sabia que a bebida só lhe seria oferecida na manhã do dia seguinte, horas antes de ser mortalmente ferida. Então esperou anoitecer e se esforçou o máximo para fazer a garrafa cair dentro de uma lata.
A garrafa quebrou e a vodka permaneceu no fundo da vasilha. E depois o peru fez a festa de despedida. Sorveu a bebida toda em menos de meia hora. E já estava completamente embriagado quando escolheu o pedaço mais pontiagudo de vidro para engolir. Instantes depois e já podia ser avistado desfalecido, sufocado, ferido, com a garganta tomada pelo vidro.
Ao amanhecer já estava completamente roxo, imprestável para a suculência da mesa. Mas um prato cheio para o jornalismo sensacionalista. E foi assim que eu soube da desdita do peru de natal. História triste, porém verdadeira como a do Papai Noel.

Poeta e cronista
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