SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...
A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
OFERENDAS PARA UM ANO BOM
Rangel Alves da
Costa*
A saúde, a
paz e a felicidade, além da concretização das grandes esperanças, são as
dádivas mais desejadas para o ano vindouro. As intenções se renovam a cada
final de ano, e mesmo não sendo plenamente conseguidas ao longo do calendário,
ainda assim merecem e precisam ser almejadas. Ora, o ser humano não vive sem
arriscar as pedras no jogo da sorte.
Contudo,
as conquistas exigem esforços, sacrifícios, ou mesmo um simples reconhecimento
pelo que será permitido receber. Contudo, a simbologia ritual diz que deverá
haver uma contrapartida ou agraciamento daquele que também deseja ser
agraciado. Exige-se que se faça uma oferenda a Deus ou aos santos e anjos, ou
mesmo aos deuses e entidades, segundo a crença religiosa ou mística de cada um.
As
Escrituras falam em oblações, quando sacrifícios eram realizados para pedir ou
agradecer um reconhecimento divino; a liturgia católica fala em ofertório na
parte da missa durante a qual o padre oferece a Deus o pão e o vinho, antes de
consagrá-los. São oferendas, porém com conotações estritamente religiosas.
As pessoas
comuns também podem fazer oferendas, e tais práticas são mais comuns do que se
imagina. De repente, mesmo sem que a atitude tenha a intencionalidade da oferta
divina, alguém coloca um buquê de flores ao lado do oratório como
reconhecimento por uma graça alcançada. O agradecimento afeiçoa-se à oferenda.
Neste sentido, pagamento de promessa também não deixa de ser agradecimento por
meio de uma oferta daquilo que foi prometido.
Do mesmo modo, são muitas as oferendas para
que a divindade reconheça a intenção de alguém para alcançar graças e
objetivos. Ofertando, o indivíduo busca
agradar os olhos da divindade e conseguir forças e
merecimento para obter algo que tanto deseja. A finalidade da oferenda acaba se
resumindo a um tipo de negociação espiritual; ou seja, a pessoa oferta algo
simbólico para ter em troca algo realista.
Muitos não gostam do termo oferenda, eis que o mesmo exige
certo sacrifício. Preferem utilizar doação para significar algo que é dado
graciosamente e sem desejar retribuição imediata. Contudo, dificilmente não há
uma intencionalidade explícita naquele que homenageia por agradecimento ou que
oferece esperando receber algo em troca. Em tudo há oferenda, ainda que não se
exija qualquer tipo de sacrifício.
Oferenda para Iemanjá, lançando às águas barquinhos
repletos de flores, perfumes e outros presentes. Agradece as graças alcançadas
ou reafirma a fé que terá muito mais dali em diante. E a Rainha do Mar, na sua
singeleza sincrética, vaidosa como uma deusa maior, recebe todas as ofertas
como dádivas sublimes e lança de volta, na alvura das ondas, as graças tão
desejadas pelos seus fiéis.
Cada ser humano deveria fazer um verdadeiro sacrifício como
ofertório. Não matar ou sangrar animais, mas fazer algo que para muitos parecem
ser ainda mais impensável. E consistirá simplesmente em afastar dos corações
tantas vaidades, egoísmos, soberbas, preconceitos, discriminações, arrogâncias,
autoritarismos, desrespeito para com o próximo. Talvez seja sacrifício demais
para muitos, mas certamente colherão graças inesperadas.
Há uma oferta que além de ser remédio para a alma é
verdadeiro presente para o espírito. A pessoa precisa reconhecer-se importante,
sentir dentro de si um sopro de divindade e oferecer a si mesma aquilo que mais
encanta seus olhos e alegra seu coração. Flores, canções, encontros, beijos,
abraços, sabores, tudo como se num cesto enfeitado para o seu deleite.
E também uma cesta adornada e repleta de tudo aquilo que
simbolicamente desejaria para si. Mas enfeitada para o outro. Gratidão,
amizade, respeito, companheirismo, amor, união, ternura e afeto. E tudo com
laços de fita e flores do campo de uma manhã orvalhada. Depois colocada na
janela à espera do alvorecer do novo ano. E aí continuará como dádiva maior
daqueles que realmente desejam a paz, a saúde e a felicidade.
E terá não apenas um 2014 cheio de graças, mas uma
eternidade enquanto o coração agraciado estiver.
Poeta
e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Poema do amor infinito
Poema
do amor infinito
O poema de amor verdadeiro
é escrito com a tinta do tempo
com a lava do ferro derretido
por cima do diamante bruto
no eterno coração dos amantes
porque o poema de amor
tão fiel como amor verdadeiro
é escrito no corpo e na alma
fixado nas pedras da eternidade
impossível tentar reescrevê-lo
ou apagá-lo com a borracha do acaso
impossível transpô-lo para outra folha
sem que do coração a página se rasgue
e o amor existente se vá com a vida.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 479
Rangel Alves da
Costa*
“Dia,
depois da noite...”.
“Amanhecer,
depois do sonho irrealizável...”.
“Abrir a
janela, e logo a paisagem...”.
“Sentir a
aragem, e logo o canto...”.
“Mirar o
tempo, e logo o pensamento...”.
“Tanto imaginar,
e logo decidir...”.
“Partir,
partir, partir...”.
“Chegou o
tempo de seguir adiante...”.
“Fechar a
porta e seguir caminho...”.
“Escrever
a vida nas curvas de terra...”.
“Reescrever
a sina em cima do chão...”.
“Eis que o
tempo foi de Eclesiastes...”.
“Houve um
tempo de plantar...”.
“E tempo
de colher...”.
“Um tempo
de fartura...”.
“E de
necessidade...”.
“Um tempo
de felicidade...”.
“E tempo
de tristeza...”.
“Tempo de
amar...”.
“E de
solidão...”.
“E agora
outro tempo...”.
“Tempo de
partir...”.
“Na mochila
o pouco que tenho...”.
“O nome e
sobrenome...”.
“O espelho
quebrado...”.
“O retrato
amarelado...”.
“O poema
inacabado...”.
“A carta
molhada de lágrima...”.
“Uma folha
seca...”.
“Um outono
na face...”.
“Brisa na
garrafa...”.
“Lembrança
da janela...”.
“E pouco
mais tenho para levar comigo...”.
“Os sonhos
seguem dentro de mim...”.
“As dores
e sofrimentos no meu íntimo...”.
“As
esperanças guardadas no coração...”.
“A força
na sola dos pés...”.
“E um mapa
imenso no olhar...”.
“Bem que
eu poderia seguir navegando...”.
“Subir no
barco que tenho comigo...”.
“Mas meus
olhos estão áridos...”.
“Ressequidos
demais de tanto chorar...”.
“Por isso
seguirei caminhando...”.
“De pés
descalços...”.
“Camisa ao
ombro...”.
“Cabelo ao
vento...”.
“Vento no
rosto...”.
“E cantarei
uma cantiga antiga...”.
“Canção de
despedida e de adeus...”.
“Que um
dia ouvi...”.
“Quando
minha mãe...”.
“Não pôde
mais cantar...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
DIAS CINZENTOS, CORAÇÕES SOMBRIOS
Rangel Alves da
Costa*
As
alegrias não costumam fazer festa ao final do ano. Neste e nos demais, sempre
um tempo de tristeza e solidão. Os encontros e confraternizações não são
suficientes para afastar a sensação angustiante que se apodera de mentes e
corações.
Muitos
encontram tristezas nas recordações. Não só o percurso do ano que se finda, mas
todo um calendário de vida. As lembranças se acumulam e tomam a feição da
saudade e da melancolia. Essa visão do passado acaba ofuscando o presente e
sombreando o futuro.
Muitos
simplesmente não conseguem mais esconder os sentimentalismos guardados dentro
de si. Tudo fizeram para que as flores frágeis dos sentimentos não
desabrochassem de vez e um outono de folhas mortas despontasse na janela e
invadisse a alma. Mas o tempo do ser se aproveita desses instantes mais tristes
e entristece a vida em flor.
Tantos
outros tentam fingir alegrias, contentamentos e simpatias, porém acabam apenas
disfarçando por fora o que não conseguem esconder por dentro. Não podem fugir
do espelho, não podem arredar do pensamento, não conseguem ser outro quando o
silêncio íntimo esbraveja mais que qualquer grito no mundo lá fora.
E ainda
aqueles que se mostram apenas o que realmente são. Não escondem tristezas,
angústias, aflições, tempestades íntimas. As lembranças e as saudades são as
mesmas, apenas mais vorazes que em outros instantes, vez que os momentos
presentes se mostram sempre mais férteis para os enternecimentos.
Dificilmente
alguém poderá dizer que nada sente de diferente a cada final de ano. Será
difícil se ouvir que tanto faz como tanto fez que seja dezembro ou não. Contudo
não creio haver tamanha insensibilidade que possa petrificar o espírito diante
de instantes tão delicados e reflexivos na vida do ser humano.
Não há
indiferença que não sinta o espírito afetado, transformado a cada final do ano.
Diários íntimos são reabertos, álbuns são revisitados, as lembranças empoeiradas
ganham molduras com dolorosa nitidez. Não são instantes que signifiquem apenas
sofrimentos, pois envoltos também no prazer dos reencontros, mas que acabam comovendo
a alma.
Não há,
pois, apatia sentimental que não abrande o ser nessa época. Por mais que o
natal seja visto como insignificante, que a paisagem natalina nada represente,
que a virada do ano seja visto como instante qualquer, ainda assim o coração
baterá no compasso da nostalgia, do passado, do vivenciado. Para depois seguir
o relógio e o calendário do novo tempo.
Mas tudo
acontece de modo tão estranho que mais parece um tempo de abrigo para fugir de
voraz tempestade. Na casa ou no quarto fechado apenas velas cintilam suas
chamas tênues e frágeis; o vento vai entrando pela janela e parece trazer no
seu passo uma música antiga, uma canção que desperta a saudade e a dor. Mas
não, não existe abrigo escurecido nem tempestade, apenas um dezembro com suas
cinzas e sombras.
Dezembro
que bem poderia ser um outono. Tudo dessa estação pode ser avistado nesse mês
de final de ano. A ventania murmurante que vai avançando sobre folhas secas,
ocres, acinzentadas, frágeis, extasiadas. Vidas desnudas de braços esquálidos,
entristecidos, tendo ao fundo um entardecer de brasa adormecida. E as folhas
esvoaçando, sendo levadas, seguindo para bem distantes, sem saber que
renascerão noutra estação. No novo ano, na estação que logo se iniciará.
Por isso mesmo
que dezembro é sempre envolto em dias cinzentos, corações sombrios e olhos que
miram sem saber o que desejam enxergar. Pouco encontrarão adiante, pois apenas
moldura com faces e feições do passado. E ainda não houve tempo de tentar
enxergar o futuro. E simplesmente porque impossível querer ir em frente quando
o coração ainda dialoga com o que ainda não foi esquecido.
Mas é
preciso viver o dezembro. E principalmente ultrapassá-lo, seguir adiante. E
abrir janelas e portas para receber o sol e as esperanças de um novo dia no
novo ano que se inicia.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Fogueira (Poesia)
Fogueira
Luzes de natal e copos vazios
vinho derramado na roupa antiga
sem melodia ou alegria na noite
apenas a solidão na janela aberta
e a memória viva tomada de chamas
a saudade em brasa a tudo consumir
coração ardente queimando voraz
e a ventania alimentando o fogo
da saudade e do desejo cortante
de ter sua face para a última palavra
e dizer num grito o que fere o silêncio
e dizer que amo como nunca amei
e repetir que amo como nunca me dei
eis ainda a fogueira impiedosa e cruel
um tempo de doçura transformado em fel
uma porta aberta e um olhar sobre ela
e o vento trazendo a solidão na janela
e até que as cinzas sem dispersem no ar
estarei sofrendo até seu amor retornar.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 478
Rangel Alves da
Costa*
“Não, não
me tome por louco...”.
“Deixe-me
chorar um rio...”.
“Deixe-me
chorar um mar...”.
“Chorar a
lágrima dos injustiçados...”.
“Chorar a
dor dos enfermos...”.
“Chorar o
sofrimento dos desvalidos...”.
“Chorar o
grito dos desesperançados...”.
“Chorar o
pranto dos solitários...”.
“Loucura é
fingir...”.
“Insanidade
é não se mover diante dos absurdos...”.
“Doidice é
quedar-se ante os abismos...”.
“Por isso
choro e quero chorar...”.
“Chorar rio
e chorar mar...”.
“Rebentar
a vazante do peito...”.
“Transbordar
as correntezas da alma...”.
“Soltar as
torneiras escondidas no ser...”.
“Eis que o
choro...”.
“Lava a
alma e fortalece o espírito...”.
“Habilitando
o sujeito a chorar ainda mais...”.
“Sim, e
porque os motivos existem...”.
“Os
motivos são muitos...”.
“E estão
presentes em todo lugar...”.
“Ou será
que tenho de sorrir...”.
“Diante da
atrocidade da guerra...”.
“Diante da
degradação da natureza...”.
“Diante do
pecado semeado e colhido...”.
“Diante da
fome e do sofrimento...”.
“Diante da
sede e do tormento...”.
“Diante da
dor e da agonia...”.
“Diante da
miséria e da desesperança...”.
“De pedra
fui...”.
“E pedra
ainda sou...”.
“E tão
petrificado e frágil...”.
“Tomado de
mármore e de sentimento...”.
“Que me
desfaço aos poucos...”.
“Com a
água leve que em mim acaricia...”.
“E pedra
transformada em grão...”.
“A correr
na correnteza dos dias...”.
“E até
chegar à margem da vida...”.
“E nela
perceber quantos têm sede...”.
“De
compreensão da realidade...”.
“Eis que
nem todos enxergam...”.
“Nem o
grito lancinante nem o sangue jorrando...”.
“Nem a
pele dilacerada nem o olhar sem luz...”.
“Pois se
tivessem o dom da percepção...”.
“Também
seriam rio e mar...”.
“Transbordando
da fonte dos olhos...”.
“Ou da bacia
da alma...”.
“Que
jamais seca diante do que se tem adiante...”.
“Um mundo
transformado em medo...”.
“Uma vida
transformada em labirinto...”.
“E com
viventes que nem choram mais...”.
“Eis que
arrebatadas sua preciosa fonte...”.
“Do viver
para se indignar...”.
“E
corajosamente chorar...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
domingo, 29 de dezembro de 2013
TUDO TALVEZ NO ANO NOVO
Rangel Alves da
Costa*
Tudo
talvez em 2014. Desejar sim, lutar para acontecer, tudo fazer para dar certo,
mas sem fazer disso um compromisso inarredável. Como precisamos de liberdade,
tudo na vida também possui sua liberdade de acontecer ou não. Por mais que o
inesperado aconteça, ainda assim temos que ter consciência da possibilidade de
tudo.
Ninguém
possui o dom de firmar uma agenda segura para o futuro; ninguém tem o destino
ou os passos da vida a seu dispor; ninguém pode antecipar as possibilidades e
reverter aquilo que não lhe aproveite; ninguém pode afirmar que apenas o que
deseja acontecerá. Futuro é incerteza, dúvida, desconhecimento, cabendo a cada
um apenas lutar para que os acontecimentos não se distanciem dos seus objetivos.
Por isso
tudo talvez. Talvez a realização de um grande sonho, uma conquista desde muito
esperada, o alcance daquilo que por muito tempo se fez impossível; mas talvez
também a surpresa desagradável, o acontecimento indesejado, a luta que não foi
suficiente para alcançar determinado objetivo. Porque a vida é assim mesmo,
cheia de mais e de menos, de positividades e negatividades, daquilo que
desejamos e também do que não podemos fugir.
Dessa
certeza que tudo é talvez, nada resta a fazer senão estar preparado para todos
os tipos de situações que possam surgir. A consciência de que jamais teremos
tudo que desejamos, e também a certeza de que poderemos ser surpreendidos pelo
que jamais desejaríamos, já servem como preparo espiritual para o enfrentamento
das realidades sem grandes ilusões.
Daí não
haver lugar para promessas e mais promessas a cada final de ano, mas sim a
criação de expectativas boas para o novo ano. Creio não haver cabimento pensar
apenas em perder tantos quilos, em arranjar um novo amor, em comprar um carro.
Nada disso será possível se a pessoa não fizer um pacto consigo mesma: vou
lutar para conseguir o que tanto desejo.
Pode
parecer generalizado demais apenas lutar para conseguir objetivos, quando as
diretrizes da luta exigem que se apontem quais objetivos devem ser alcançados.
Ora, quem deseja o mais já estará englobando o menos; quem pensa grande já
envolveu pensamentos menores. Assim, será a vontade de lutar e a disposição
para a luta que possibilitará desde ter força própria para perder peso a
alcançar o mais alto degrau na profissão.
Por tais
razões é que realmente não gosto dessas promessas sempre feitas ao final do ano
e para serem cumpridas ao longo do ano novo. Creio ser mais justo e menos
comprometedor que a pessoa afirme que vai apenas tentar. Apenas tentando a
pessoa não se sente numa redoma impositiva. E tudo é mais fácil de ser
conseguido sem ser sob pressão.
O próprio
termo tentar se mostra com mais liberdade do que prometer. Tentar é pretender,
ter a intenção de algo, usar os meios possíveis para a consecução de objetivos.
Por seu lado, prometer é garantir uma realização, é jurar que vai praticar, é
afirmar um compromisso perante algo.
Ademais, a
tentativa não cumprida não provoca as mesmas consequências que a promessa não levada
a efeito. Assim, no ano que se inicia apenas tentarei realizar algumas coisas
que todo ser humano deveria perseguir como compromisso próprio, existencial, e
perante o meio em que convive. E os reflexos disso poderão ter alcances muito
maiores.
Desde já
coloco, pois, meus objetivos numa agenda. Mas nada escrito ou datado, apenas
mentalizado e já guardado na consciência. E tudo tão fácil de ser realizado que
impossível seria ao ser humano viver sem perseguir tais ações. Apenas a ação
diante da responsabilidade humana com sua existência e diante da vida.
Sim,
desejo paz, saúde, felicidade, noites sem sobressaltos e manhãs sorridentes aos
olhos. Não fugirei das tempestades nem dos vendavais, pois certamente virão.
Mas a tudo vencerei porque tenho objetivos maiores: paz, saúde, felicidade,
noites sem sobressaltos e manhãs sorridentes aos olhos.
Poeta e cronista
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A festa dos olhos (Poesia)
A
festa dos olhos
Meus olhos fazem festa
e cantam e sorriem
e brilham e resplandecem
todas as vezes que avistam
a festa da beleza da vida
na beleza do corpo em festa
e o coração sorri e brinca
cantarola e começa a pular
querendo fazer toda festa
na festa da beleza que há
e me vejo menino assanhado
correndo descalço em busca de flor
escrevendo seu nome na nuvem
trazendo a maçã de doce sabor
e olhando com olhos em festa
aquele brinquedo de tanto amor.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 477
Rangel Alves da
Costa*
“Dezembro...”.
“Antigos
dezembros...”.
“Agora
somente dezembro...”.
“E só...”.
“Natal não
existe mais...”.
“Ou apenas
a data no calendário...”.
“Espírito
natalino não existe mais...”.
“Apenas
compras, presentes...”.
“O
sentimentalismo natalino...”.
“Desde
muito que deixou de existir...”.
“Apenas as
confraternizações...”.
“Não há
mais árvore de natal...”.
“Apenas a
soma de quanto ganhou...”.
“Não há
mais cartão de natal...”.
“Apenas a
riqueza da ceia...”.
“Não há
mais melodia natalina...”.
“Apenas o
shopping enfeitado para vendas...”.
“Não há
mais presépio...”.
“Apenas a
roupa nova...”.
“Não há
mais luzes piscando...”.
“Apenas os
dias comuns...”.
“Não há
mais manjedouras...”.
“Apenas os
planos para o futuro...”.
“Não há
mais simbologias de fraternidade...”.
“Apenas a
existência em cada um...”.
“Então,
onde estará o natal?”.
“O que
significa o natal?”.
“Qual a
sua razão de ser?”.
“Por que o
natal ainda?”.
“Ora, todo
mundo sabe...”.
“Mas
ninguém quer saber...”.
“A Missa
do Galo mudou de horário...”.
“Tudo
mudou na religião...”.
“E no
homem não poderia ser diferente...”.
“Infelizmente...”.
“Natal
agora é apenas...”.
“Uma data
no calendário...”.
“Dezembro
é apenas um mês...”.
“Não há
mais lugar para nada...”.
“Nem
árvores de natal nem enfeites...”.
“Nem Papai
Noel nem presépio...”.
“Nem a
harpa melodiosa...”.
“Nem
sapatinhos na janela...”.
“Nem
sentimentos solidários...”.
“Nem
fraternidades...”.
“Mas nem
tudo foi esquecido...”.
“Continuam
os presentes...”.
“As ceias
grandiosas...”.
“Os luxos
e encantamentos...”.
“As trocas
de presentes...”.
“E a
espera que o novo ano...”.
“Traga
conforto material...”.
“Pois
ninguém lembra mais do espírito...”.
“Muito
menos do espírito do natal...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
sábado, 28 de dezembro de 2013
E O QUE FAZER AGORA COM AS FOLHAS SECAS DE 2013?
Rangel Alves da
Costa*
O mês de
dezembro já se apressa para o seu final, muito foi plantado e muito foi
colhido, e na cesta de recolhimento aquilo que foi tão almejado e conseguido e
também as sombras ainda presentes daquilo que não deveria ter acontecido. Mas
aconteceu. E o que fazer agora com os restos dessa estação que se finda, o que
fazer com as folhas secas de 2013?
O ano é
como uma estação que vai ressecando suas folhas até que elas desvaneçam em
dezembro. De tanto serem afetadas pelos mais inusitados acontecimentos, acabam
perdendo a força e, fragilizadas, caem ou são levadas pelo vento. Ao findar o
ano, a árvore já deverá estar totalmente despedida daquilo que tanto floresceu.
Contudo, nem sempre assim acontece, eis que folhas secas insistem em
permanecer. E cabe ao sujeito cuidar de soprar seu destino.
O
florescimento, contudo, não mostra apenas folhagens verdejantes, vistosas,
cheias de seiva e vitalidade. Os aspectos positivos semeados e colhidos no ano
são muitos, porém sem conseguir afastar as indesejadas e sempre perturbadoras
derrotas e desilusões. É, pois, como um arvoredo entremeado de folhas alegres e
tristes que o ano vai se findando para o surgimento de novos frutos.
Como as
conquistas nem sempre chegam a contento e as desilusões entrecortam o caminho
das perspectivas, é normal que o ser humano jogue todas as suas esperanças no
tempo vindouro. E o final de ano serve para refletir sobre as realizações, as
conquistas e perdas, bem como estabelecer metas que serão perseguidas. Mas
antes de tudo há que se desfazer das folhas secas do ano que ainda persistem
nos galhos esturricados do já vivido.
E haverá
de ser assim porque impossível construir o novo, esperar que a árvore do amanhã
frutifique, persistindo ainda a velha feição. A estação do outono exemplifica
todo o esse processo. A natureza verdejante, após muito frutificar e farfalhar,
de repente vai se transformando para o renascimento, para a nova vitalidade.
Mas tudo passando por um melancólico processo de enfraquecimentos,
fragilidades, perdas e adeuses. As folhas secas do outono são os fiéis retratos
dessa perda para a transformação.
Considerando
que as realizações humanas não se prolongam eternamente com a mesma vitalidade,
tanto o positivo como negativo tende à instabilidade ou ao exaurimento com o
passar do tempo. E essa feição de tempo ido, de esgotamento, estará presente a
cada final de ano como uma folha que perdeu a seiva, secou, acinzentou e tende
a cair. Mas nem todos se desfazem das cinzas. Alguns gostam de fazer poesia do
sofrimento e permanecem guarnecendo o peito com folhas mortas.
Permanecem
atrelados ao passado, doloroso ou não, porque os fatos da vida não somem apenas
com um sopro. Nem toda realização humana tem período de validade nem se pode
repentinamente apagar suas consequências, eis que perduram além do próprio
desejo do agente. E quanto mais angustiante e tromentoso for o vivenciado mais
difícil será afastar as suas sombras. Ressecam como as folhas, fraquejam como
as folhas, mas ainda assim permanecem penduradas na árvore do pensamento.
E eis uma
dolorosa indagação humana: o que fazer com as folhas que não possuem mais
serventia, que estão aparentemente mortas, mas continuam tão vivas e presentes
no indivíduo? Ou ainda: Será possível esperar novas folhagens e frutos na
árvore da vida em meio à presença daquilo que já deveria ter sido levado pela
ventania da transformação?
Tudo
depende daquilo que o homem quer para si. Muita gente insiste em se acostumar
com a mesmice e até devotado ao que nenhum proveito lhe trouxe. Nesta situação,
difícil a busca da transformação. Mas também muita gente renova até mesmo a
vitória. Com a persistência dos conquistadores, vão afastando do caminho os
empecilhos e dificuldades, e semeando objetivos onde houver pedras e espinhos.
Neste caso, não haverá lugar para uma só folha seca na árvore desejada para o
amanhã.
Eis que o
amanhã se constrói a partir do hoje e das experiências passadas. Os erros e os
acertos entram na mesma receita da construção de um novo tempo. O grande
segredo está em saber se deverá repetir aquilo que deu errado no passado.
Insistir no exagero é tornar o hidromel em veneno, persistir na imprecaução é
procurar amargor nos melhores sabores da vida. Em tudo a sua medida, o seu
limite.
Mas tudo
depende da força de vontade e das experiências vivenciadas. Quem reconhece o
outono certamente sabe muito bem o significado de suas folhas, até mesmo quando
já levadas pelos ares. Mas quem imagina que tudo é primavera, muito haverá de aprender
a lidar com as folhas secas ao final de cada estação. E chegar à virada de ano
sem ter se deixado também perecer.
Poeta e cronista
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Confissão (Poesia)
Confissão
Ah quanto faço pela memória
dos tempos de felicidade
a quanto esforço me entrego
para desempoeirar a saudade
abaixado para recolher a fotografia
fiando linha nos retalhos do passado
envernizando o baú da existência
relendo suas cartas e bilhetes
amando novamente o que foi amor
reencontrando tua face na poesia
repetindo sempre que ainda te amo
porque tanto amo o jamais esquecido
porque amo ainda o que não foi perdido
ai tanto e quanto e mais ainda farei
para manter viva a chama do amor
e ainda que o tempo seja ventania
na morte levarei tudo o que restou.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 476
Rangel Alves da
Costa*
“A fé...”.
“O que
será a fé?”.
“Será
religiosidade?”.
“Será
devoção?”.
“Será
beatismo?”.
“Será
pregação?”.
“Será
piedade?”.
“Será
crença?”.
“Será
acreditar?”.
“Ora,
tendo fé...”.
“Tudo isso
será fé...”.
“E
qualquer coisa será fé...”.
“A fé em
Deus...”.
“A fé nos
preceitos religiosos...”.
“A fé nos
santos e anjos...”.
“A fé nas
divindades...”.
“A fé como
poder de realização...”.
“A fé como
meio de conquista...”.
“A fé como
estrada para objetivos...”.
“A fé como
ponte para vitórias...”.
“Eis que a
fé está em tudo...”.
“Move e
fortalece o homem...”.
“Condiciona
o ser às possibilidades...”.
“Proporciona
segurança...”.
“Faz o
indivíduo acreditar...”.
“E a fé
também nos momentos extremos...”.
“Nos
perigos rondando...”.
“Nas
sufocantes enfermidades...”.
“Dividindo
a boca com o grito...”.
“Mesmo o
impossível...”.
“Será
reprimido pela fé...”.
“Mesmo o
inevitável...”.
“Será
adiado pela fé...”.
“Mesmo o
confirmado...”.
“Haverá
esperança outra pela fé...”.
“Esperança,
talvez seja outro nome da fé...”.
“A
esperança permite transformar...”.
“Querer
realizar diferente...”.
“Conseguir
vencer obstáculos...”.
“Afastar
as dificuldades...”.
“E porque
a esperança não morre...”.
“A fé
jamais morrerá...”.
“Naquele
que tem fé...”.
“É mão que
toca à mão de Deus...”.
“É a
palavra sendo ouvida...”.
“É o rogo
sendo atendido...”.
“É a luz
na escuridão...”.
“É o poder
de mover montanhas...”.
“Eis a
fé...”.
“Ir além
de acreditar...”.
“Para
saber que tudo é impossível...”.
“Diante da
fé...”.
“E mais
quando a fé repousa no poder de Deus...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
AS TRÊS FACES (DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO)
Rangel Alves da
Costa*
Tudo que
vem à mente humana possui uma face, uma feição, uma imagem pronta que lhe dê
reconhecimento. Desse modo, se em tudo há uma fisionomia que se expressa no
pensamento, então urge indagar como sentir e visualizar aquilo que se sabe
existente, porém com sua face ainda envolta em mistérios?
Por
consequência, surge a pergunta mais importante e sobre a qual tentaremos
refletir: Qual a face do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Por outras
palavras, como surge na mente as imagens da Santíssima Trindade: Deus, Jesus
Cristo e Força Vital? Tem-se o Espírito Santo também o amor do Pai e do Filho
intercedendo no homem?
E urge
indagar também: Serão verdadeiras, ou aproximadas, aquelas feições continuamente
retratadas em imagens e esculturas? Por que, em tais imagens, o Pai é mostrado
com a feição Filho, e vice-versa? Por que se concebeu e disseminou a imagem
divina com aquela conhecida feição?
Em
primeiro lugar, qualquer que seja a face, sacra ou de pessoa comum, sempre será
possível ser avistada de modo diferente de como está retratada. Os olhos captam
a imagem, a mente a transforma naquilo que quer enxergar, e o coração dá o
retoque final. Daí que, muitas vezes, a percepção do coração é muito diferente
daquilo que foi exposto.
Desse
modo, mesmo que se diga da impossibilidade de se falar numa imagem ou face de
Deus, eis que um doce mistério de luz, um semblante sempre envolto em brilho
indecifrável ao olho humano, ainda assim será possível enxergar sua feição.
Esta, a feição, representa aquilo imaginado e transformado em imagem pelo
pensamento, e não o conhecimento da face em si.
Por
consequência, mesmo sendo impossível captar a face de Deus, será sempre
possível retratá-lo com aquela feição que se espera que Ele tenha. Como
afirmado, tal processo foge ao olhar para ser revelado intimamente, pelo
espírito e pelo coração. Assim, a face de Deus será aquela desejada pelo
coração, desenhada no ânimo do espírito, tendo sempre por base a fé.
Sem fé não
haveria como fazer surgir a face de Deus no coração. É através da lealdade aos
ensinamentos divinos; da crença dos poderes divinos; da convicção de sua
existência e da certeza de sua onipotência, onipresença e onisciência, que o
ser humano se aproxima cada vez de sua face. Com a alma e o espírito tomados de
sua presença, então ele surgirá com a face que a pessoa deseje.
Com
relação a seu filho Nosso Senhor Jesus Cristo, a questão da face ganha outros
contornos. E isto porque se costumou representá-lo como um homem de meia idade,
moreno claro, rosto de contornos afinados, olhos azuis, cabelos compridos e
barba longa. Porém, estudos científicos com base na sua origem judaica,
apontaram que o mesmo seria de pele mais escurecida, de rosto mais cheio e
cabelos negros e encaracolados.
Os estudos
científicos, contudo, não dizem que Jesus Cristo deveria ser representado de
outro jeito, com outra face. Logicamente porque dificilmente as pessoas
aceitariam avistá-lo no quadro na parede ou pregado na cruz com outro semblante.
E é aí que novamente entra a questão da aceitação muito mais pelo que se deseja
do que pela possível realidade.
Contudo, a
aceitação da representação que é feita de Jesus Cristo nos moldes ocidentais,
não significa que muitas pessoas o tenham na mente e no coração com aquela
face. E não porque a fisionomia surge em cada um segundo sua propensão para
aceitar e devotar. Daí é que, muitas vezes, apenas a luz surge para
expressá-lo, uma força indescritível para mostrar sua presença, ou uma junção
de significados grandiosos para dizer que ali está Jesus Cristo.
Por sua
vez, com relação ao Espírito Santo, geralmente tem-se que é o próprio Pai e o
Filho em ação, ou seja, as forças divinas se exteriorizam através do Espírito
Santo. Seria o ânimo, a força, a ação do poder divino na consecução dos
objetivos cristãos. Ele é a emanação da força divina, o sopro que a tudo anima
e transforma.
Mas qual
seria a sua face, a face do Espírito Santo? A face do Pai e do Filho, mas não
como feição, e sim como poderosa luz que se irradia sobre os homens. Talvez
ainda a feição observável em tudo que reconhecidamente há o poder da criação de
Deus. Muitos o representam como uma pomba, como água, fogo ou sopro. Mas não
deixa de ser a luz maior iluminando o espírito com os poderes do Pai e do
Filho.
Poeta e cronista
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Espinhos sem flores (Poesia)
Espinhos
sem flores
Menino terra
menino chão
menino sol
daquele sertão
moleque danado
moleque arretado
moleque levado
no sertão jogado
minha lua bonita
ficou esquisita
meu sol abrasado
ficou apagado
o menino sertão
pisou outro chão
na terra insensível
sem ter coração
caminhos distantes
asfalto nos pés
a buzina e o clarão
quero minha terra
quero meu sertão
espinhos sem flores
manhãs de cimento
a mesma estação
não é vida é sina
vou voltar pro sertão.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 475
Rangel Alves da
Costa*
“O fogo
irrompe...”.
“A chama
flameja...”.
“A
ardência crepita...”.
“E tudo
incendeia...”.
“Na voraz
labareda...”.
“Assim no
amor...”.
“Assim no
sexo...”.
“A sim na
paixão...”.
“Assim no
desejo...”.
“Assim na
posse...”.
“A
fogueira persiste...”.
“O calor
intensifica...”.
“As
fagulhas se espalham...”.
“A brasa
avermelha...”.
“Tudo tão
quente e abrasador...”.
“Assim na
raiva...”.
“Assim no
ódio...”.
“Assim na
ira...”.
“Assim no
estupor...”.
“Assim na
irracionalidade...”.
“Assim na
sangria...”.
“Do
abrupto instante...”.
“Chama de
vulcão...”.
“Rio de
lava...”.
“Ardência
escoando...”.
“Caminhos
de fogo...”.
“Estrada
do medo...”.
“Passo
causticante...”.
“Destruição...”.
“Assim as
relações humanas...”.
“Assim nos
conflitos humanos...”.
“Assim na
violência...”.
“Assim na
barbárie...”.
“Assim na
ignorância...”.
“Assim no
ataque...”.
“Assim na
estupidez...”.
“Ou talvez
apenas uma chama...”.
“Um
flamejar inocente...”.
“Um
cintilar avermelhado...”.
“Um pedaço
de luz...”.
“Acendendo
o instante...”.
“Cortando
a escuridão...”.
“E assim
também nas mudanças...”.
“Nas
transformações...”.
“Nos
estágios adormecidos...”.
“Nos
silêncios escondidos...”.
“No apenas
aparente...”.
“Mas que
de repente se eleva...”.
“Enraivece
e faísca a ira...”.
“Para
novamente...”.
“Ser o
fogo, a chama...”.
“A
fornalha, o vulcão...”.
“A lava
que escorre do ser...”.
Poeta e cronista
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
APÓS O NATAL
Rangel Alves da
Costa*
Como
sempre acontece na vida que vive de vésperas, o dia 25 nem parecia ser mais o
de natal. Quase tudo foi comemorado no dia 24 e o dia seguinte se transformou
apenas num feriado, num descanso das comilanças e bebedeiras da noite anterior.
E o verdadeiro dia de natal acaba sendo somente o dia anterior.
Até mesmo
a igreja católica está antecipando as festividades natalinas. Com exceção do
Vaticano, a Missa do Galo não é mais celebrada a partir da meia-noite, mas
ainda na noite da véspera. E é também nesse dia anterior que tudo ocorre em
nome do natal. Paradoxalmente, esvazia-se completamente o grande dia da
natividade católica.
Mas talvez
seja melhor assim. A memória do nascimento do menino Jesus é silenciosa e
distante do barulho das ruas ainda infestadas de consumidores, das algazarras
das confraternizações, do som dos champanhes sendo abertas e dos falsos
cumprimentos de feliz natal. E quantos abraços frios e palavras fingidas são
espalhados nos quatro cantos, até mesmo entre familiares.
Noite de
invejosos presentes, de fofocas sobre vestimentas e comportamentos, de
exasperação no álcool para ter coragem de dizer verdades que permaneciam
escondidas, de desrespeitar toda regra e todo regime. E, ao receber uma
lembrança que só tem de qualidade o embrulho enfeitado, aquela pronúncia
automática de que não precisava se preocupar com isso não. E após aberto, a
outra pronúncia íntima: mas que porcaria!
E assim é
a noite de natal, eminentemente profana para a maioria da população. Em meio
aos festins e comilanças, troca de presentes e exageros, dificilmente alguém
comenta sobre o nascimento do menino ou qualquer outra coisa de cunho
religioso. Todas as palavras e cochichos se voltam apenas para as realizações
pessoais e as esperanças para o ano novo. Ninguém fala da queda ou do tropeço,
do que fez mal feito ou do que não deveria ter feito.
Despedem-se
já no dia 25, já perto da madrugada, procuram a todo custo sentir se ainda
resta qualquer espaço no estômago para mais comida, e depois vão repousar da
correria do dia e da festança da noite. Quase ninguém se lembra da missa das
sete; são poucos o que relembram a data no calendário; dificilmente alguém se
situa para saber que aquele é o verdadeiro dia de natal. Ainda que se lembre
nenhum efeito surtirá, pois o natal foi na véspera.
E hoje,
dia 26, apenas um dia após o natal, e a data da comemoração natalícia já parece
tão distante. Os tempos já são outros, de preparação para as comemorações
vindouras, as novas festanças de despedida do ano e recebimento do ano novo. E
não tenho dúvidas que se pudessem encontrar uma brecha, certamente antecipariam
os festejos de passagem de ano para o dia 30 de dezembro. O dia seguinte seria
apenas para tomar e comer o restante da mesa farta da noite anterior.
Assim, a
maioria se despede do natal como de uma festa qualquer. Contudo, muitas pessoas
continuam com o véu tristonho e melancólico desse período pairando sobre suas
cabeças. E estas certamente não sentiram nenhum prazer nas comemorações. Ainda
que tenham participado de um ou outro evento, a presença foi mais exterior, na
aparência e fisicamente, do que desejou o seu íntimo, a sua feição espiritual.
Eis que
muitas pessoas amargam e continuam sentindo a tristeza e a solidão desse
período de final de ano. Como uma melancólica estação espiritual ou um outono
que invariavelmente chega ao final do ano, não há festa que os faça alegres e
risonhos, não há presente que mude sua consternação interior. E mesmo que não
se atenham tanto ao dia específico de
natal, ainda assim são aqueles que sentem os seus reflexos por muito mais
tempo, pois sempre hibernam nos seus aflitivos íntimos a cada final de ano.
Enquanto
os outros já pensam e fazem planos para as festas da passagem do ano, estes
esperam somente que essa tempestade vá logo se dissipando nos seus horizontes.
E esperam que o novo ano abra suas asas para, enfim, alçar o voo ao encontro da
felicidade tão merecida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Cultivando os campos do coração
Cultivando
os campos do coração
Porque ainda não desumanizei
porque ainda não embruteci
e cultivo jardins e hortas
e colho flores e esperanças
e procuro avidamente o amor
como o coração que tem de amar
para não sufocar na desesperança
por isso ainda tanto amo
ainda faço serestas e serenatas
escrevo versos e bilhetes
desenho corações pelo ar
e imagino feições nas nuvens
e beijos na brisa que passa
e sonho o amor dos amantes
mas nada acontecido ao acaso
eis que cultivo os campos do coração
eis que persigo o desejo semeado
e espero um dia a grande colheita
do amor o seu grão alentado.
Rangel Alves da Costa
PALAVRAS SILENCIOSAS – 474
Rangel Alves da
Costa*
“Incompreensíveis
são os motivos humanos...”.
“Sabem das
mortes e fazem as guerras...”.
“Tem as
drogas e se apegam...”.
“Não sabem
nadar e experimentam as profundezas...”.
“Não sabem
amar e destroem outros corações...”.
“Nãos são
pacientes e exigem a pressa...”.
“Não tem
alimento e usa roupa de grife...”.
“Não toma
cuidado e reclama de tudo...”.
“Não
acende uma vela e diz que tem fé...”.
“Não dá
uma esmola e se diz humanista...”.
“Nunca leu
um livro e quer contar o romance...”.
“Nunca
saiu de casa e prega conhecimento do mundo...”.
“Nunca
trabalhou e reclama cansaço...”.
“Jamais
semeou e exige a colheita...”.
“Jamais
estendeu a mão e quer ser levantado...”.
“Jamais
falou com a pedra e se diz sensível...”.
“Jamais
sorriu na manhã e se mostra amante do alvorecer...”.
“Não
confia em ninguém e quer se ter confiado...”.
“Não
escreve uma carta e espera o carteiro...”.
“Não enche
a moringa e quer o copo cheio...”.
“Não prega
a paz e ojeriza a guerra...”.
“Não sente
a lua e se reveste de romantismo...”.
“Não
inventa a pílula e faz surgir a máquina...”.
“Não
alivia a dor e quer conforto na alma...”.
“Jamais
leu um Salmo e fala Evangelho...”.
“É amigo
da mentira e se diz vítima da aleivosia...”.
“Olha a
vida do outro e se acha invulnerável...”.
“Semeia a
discórdia e se diz de união...”.
“Nega um
pão e se diz benfeitor...”.
“Guarda
dinheiro em colchão e pede esmolas...”.
“Quer para
o outro o que não deseja a si...”.
“Se diz
grande irmão que não reconhece irmandade...”.
“Caminha
na chuva e não quer se molhar...”.
“Atira a
pedra e esconde a mão...”.
“Navega
nos olhos e diz não chorar...”.
“Sofrendo
nos lençóis e se diz fortaleza...”.
“Precisa
dizer sim e pronuncia o não...”.
“Não quer
obedecer e exige obediência...”.
“Não
escute as lições e reclama dos erros...”.
“Conhece
as virtudes e pratica o mal...”.
“Tão doce
por dentro e tão amargo por fora...”.
“Quer voar
e não aprendeu a caminhar...”.
“Semeia
ventania e não quer colher tempestade...”.
“Causa
sofrimento e quer um futuro sem respostas...”.
“Sopra o
pó e não quer se sujar...”.
“Tem a
alma nua e reclama da nudez do próximo...”.
“Exige
sempre além do que possa merecer...”.
“Tem medo
do pássaro e é amigo da onça...”.
“Luta
desesperadamente para destruir quem não merece sofrer...”.
“Naufraga
por dentro e submerge por fora...”.
“Conhece a
verdade e jura a mentira...”.
“Sabe que
não é, porém assim se mostra...”.
“Por
orgulho, caminha de sapato apertado...”.
Poeta e cronista
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
O SUICÍDIO DO PERU DE NATAL
Rangel Alves da
Costa*
Os jornais
estamparam nas manchetes: “Na antevéspera do natal, e o suicídio do peru”; “Fez
o último gluglu e tirou a própria vida”; “Peru de Natal antecipa seu fim de
forma trágica”. Fiquei estupefato com a notícia. Mas como os relatos eram
contraditórios, logo procurei investigar o fato por conta própria.
A primeira
coisa que fiquei sabendo foi que não havia sido aberto qualquer inquérito
acerca do trágico incidente. A delegacia responsável adiou o início das
investigações e, segundo apurei, tudo porque nessa época do ano ocorrem muitos
casos similares, e numa sequência de fatos que o jargão policialesco denomina
Síndrome do Peru Desgostoso.
Também
fiquei sabendo que os registros acabam sendo arquivados, principalmente quando
constatado que não houve auxílio de terceiro na ocorrência do sinistro. E
também porque suicídio não é crime, e muito mais quando cometido por peru
desgostoso pela iminência de seu fim através de outras mãos.
Segundo
apurei, os registros de perus que tiram a própria vida às vésperas do natal são
em números alarmantes. Fiquei sabendo de um que deixou riscado no chão uma
mensagem bem explícita nesse sentido: Prefiro morrer de véspera, de forma
desatinada e pelas próprias mãos, a ser servido de pernas abertas numa bandeja
a pessoas que parecem nunca terem visto comida à sua frente.
Já outro
grugulejou a noite inteira até a primeira luz do alvorecer do dia que seria
abatido. E o seu canto, depois decifrado por um velho da região, era um longo e
doloroso lamento dizendo que as pessoas só se lembram da existência do peru, só
lhe dão alimento e comida, cuidam de sua engorda, quando desejam se fartar de
sua carne. E cuidam e mimam, alisam o pelo e sentem o peso, para depois,
traiçoeiramente, passar a lâmina afiada no seu pescoço.
E os
relatos não são muito diferentes com relação a este peru que mais recentemente
tomou a drástica e extrema decisão de cometer suicídio. Só que este, de modo
frio e estrategicamente concebido, fez todo um planejamento para praticar o
infortúnio. Parece mesmo que tinha plena consciência da ação e da trágica
consequência, mas ainda assim tudo fez para não dar nada errado.
Era um
peru normal, grande, vistoso, e até gorducho. Sempre alegre, ciscava de canto a
outro sem parar e, diferentemente dos demais, seu gluglu era compassado e com
som melódico. Desse modo, logo se vê que não se tratava de ave com qualquer
problema neurológico ou distúrbio psicológico. Mas se manteve assim só até a
primeira metade de dezembro. E após o dia vinte em diante já estava
completamente diferente.
E
irreconhecível, porém apenas intimamente, vez que ninguém percebia o verdadeiro
turbilhão que se escondia nas suas entranhas. Quanto mais percebia os
preparativos do natal, os comentários sobre as festanças e comilanças, mais se
mortificava por dentro. Parou de fazer gluglu, de ciscar, e daí em diante
começou a planejar como fugir daquele infortúnio que certamente se abateria
sobre seu pescoço.
Então
resolveu se matar. Tiraria a própria vida, mas não daria o gosto de ter alguém
segurando o seu pescoço com faca faminta por sangue. E também sabia dos
procedimentos desumanos utilizados quando antecedia a morte de qualquer ave
natalina. Com a desculpa de amaciamento da carne, ao invés de água colocavam
aguardente ou outra bebida destilada para que bebesse. Ou mesmo abriam o bico e
empurravam doses e mais doses goela adentro.
Quando viu
uma garrafa de vodka sendo colocada mais adiante, então fechou os olhos e
chorou por dentro. Fez o gluglu mais triste que poderia existir e se fingiu de adormecido.
Mas sabia que a bebida só lhe seria oferecida na manhã do dia seguinte, horas
antes de ser mortalmente ferida. Então esperou anoitecer e se esforçou o máximo
para fazer a garrafa cair dentro de uma lata.
A garrafa
quebrou e a vodka permaneceu no fundo da vasilha. E depois o peru fez a festa
de despedida. Sorveu a bebida toda em menos de meia hora. E já estava
completamente embriagado quando escolheu o pedaço mais pontiagudo de vidro para
engolir. Instantes depois e já podia ser avistado desfalecido, sufocado,
ferido, com a garganta tomada pelo vidro.
Ao
amanhecer já estava completamente roxo, imprestável para a suculência da mesa.
Mas um prato cheio para o jornalismo sensacionalista. E foi assim que eu soube
da desdita do peru de natal. História triste, porém verdadeira como a do Papai
Noel.
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