Rangel Alves da Costa*
Enquanto me debruço sobre esse texto, eis que ouço a chuvarada lá fora, pertinho de onde estou. Chove desde as três horas da manhã, pausando e voltando, ora mais forte ora mais amainada. Mas ouço o seu som, e que melodia sublime de ser ouvida.
Chuva tardia, fora de época, ou noutra época, como diriam os mais velhos. Chuvas assim, fortes, intensas, eram esperadas no inverno. Contudo, passou a estação e as tão esperadas trovoadas não chegaram a contento.
Aqui é capital, não há plantação que precise ser molhada com suficiência, se fartando da molhação. Mas um pouco mais afastado sim, e nas regiões mais distantes então. Sou sertanejo e sei muito bem o quanto o povo, a terra e os bichos tanto precisam de gota d’água.
As flores nos canteiros dos jardins residenciais, a flora espalhada pelas praças, arvoredos e pomares certamente que estarão sorrindo mais na manhã. Imagino a sensação da água caindo, tomando as folhagens, encharcando as pétalas, alagando as raízes, correndo pelos caminhos, alegrando a natureza.
O que ontem os olhos já se fascinavam pela beleza, pela cor e sensação prazerosa, amanhã certamente estará ainda mais radiantemente fortalecido. Numa junção de estação propícia ao florescimento com as chuvas caindo, então logo se terá a magia da infinita beleza em meio ao caos cotidiano da cidade grande. Acaso Aracaju possa ser assim considerada.
Seja em qualquer hora, situação ou estação, as chuvas sempre têm o dom de provocar sensações diferentes. Contudo, quando ela vem inesperada, logo na madrugada e vai se estendendo por toda manhã, as sensações são ainda mais atiçadas e logo se transformam numa explosão de sentimentos.
Não sei perante os outros, mas em mim é assim: basta chover que sorrio e entristeço, me encho de contentamento e de tristeza, me espalho e me escondo. E quando está chovendo assim que acordo – sempre na madrugada -, então os meus livros, os meus diários, meus cadernos de poesia e meus salmos, tudo passa a ser folheado no pensamento.
Sem medo de me encharcar, muitas vezes fico no quintal zanzando de canto a outro, abro os braços, deixo que os pingos desçam vorazes sobre meu corpo. Não é propriamente um banho de chuva, uma ducha premeditada embaixo de uma goteira, mas uma espécie de ritual de purificação, uma forma harmoniosa de acolher dentro de mim a força das águas.
Mas também é uma forma de expressar liberdade, de relacionamento com as forças da natureza, de despojamento espiritual num instante tão sublime, eis que ainda na madrugada, sem lua por cima, sem os barulhos próprios da noite, apenas os sons da chuvarada cantando a melodia do renascimento.
Ainda chovendo, de xícara com café fumegante à mão, sigo até o portão da frente, procuro avistar ao redor e passo a ter uma sensação diferente do que a vivenciada lá pelo quintal. Sentado na espreguiçadeira, recebendo por cima os vapores molhados, começo a olhar o asfalto molhado, a água escorrendo e as luzes ali refletidas em dança contorcida.
Já é quase manhã, logo cedinho, continuando ainda escurecido por causa do tempo fechado, e chego mesmo a pensar que bom se o restante do dia fosse daquele jeito, naquele silêncio, naquela paz, naquele clima de adormecimento. Mas logo ouço passos, barulhos, alguém vem caminhando debaixo de guarda-chuva, os pneus dos carros logo espalham a placidez do asfalto. As luzes apagam, o dia que vem, a chuva que talvez se vá.
Continua chovendo, mas em menor intensidade, quase apenas chuviscando. Esquento outro café e sento diante do computador. Porém antes de escrever qualquer coisa me chegam as imagens de instantes atrás, dos momentos lá no quintal e das águas escorrendo no asfalto iluminado. Tenho de escrever qualquer coisa sobre isso, digo a mim mesmo.
Então escrevo o título: Chuva de primavera. Esse texto é da manhã de ontem, mas hoje, domingo, 30 de setembro de 2012, quase uma hora da manhã, continua chovendo, e com as mesmas feições de ontem.
Poeta e cronista
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