SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 30 de setembro de 2012

CHUVA DE PRIMAVERA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Enquanto me debruço sobre esse texto, eis que ouço a chuvarada lá fora, pertinho de onde estou. Chove desde as três horas da manhã, pausando e voltando, ora mais forte ora mais amainada. Mas ouço o seu som, e que melodia sublime de ser ouvida.
Chuva tardia, fora de época, ou noutra época, como diriam os mais velhos. Chuvas assim, fortes, intensas, eram esperadas no inverno. Contudo, passou a estação e as tão esperadas trovoadas não chegaram a contento.
Aqui é capital, não há plantação que precise ser molhada com suficiência, se fartando da molhação. Mas um pouco mais afastado sim, e nas regiões mais distantes então. Sou sertanejo e sei muito bem o quanto o povo, a terra e os bichos tanto precisam de gota d’água.
As flores nos canteiros dos jardins residenciais, a flora espalhada pelas praças, arvoredos e pomares certamente que estarão sorrindo mais na manhã. Imagino a sensação da água caindo, tomando as folhagens, encharcando as pétalas, alagando as raízes, correndo pelos caminhos, alegrando a natureza.
O que ontem os olhos já se fascinavam pela beleza, pela cor e sensação prazerosa, amanhã certamente estará ainda mais radiantemente fortalecido. Numa junção de estação propícia ao florescimento com as chuvas caindo, então logo se terá a magia da infinita beleza em meio ao caos cotidiano da cidade grande. Acaso Aracaju possa ser assim considerada.
Seja em qualquer hora, situação ou estação, as chuvas sempre têm o dom de provocar sensações diferentes. Contudo, quando ela vem inesperada, logo na madrugada e vai se estendendo por toda manhã, as sensações são ainda mais atiçadas e logo se transformam numa explosão de sentimentos.
Não sei perante os outros, mas em mim é assim: basta chover que sorrio e entristeço, me encho de contentamento e de tristeza, me espalho e me escondo. E quando está chovendo assim que acordo – sempre na madrugada -, então os meus livros, os meus diários, meus cadernos de poesia e meus salmos, tudo passa a ser folheado no pensamento.
Sem medo de me encharcar, muitas vezes fico no quintal zanzando de canto a outro, abro os braços, deixo que os pingos desçam vorazes sobre meu corpo. Não é propriamente um banho de chuva, uma ducha premeditada embaixo de uma goteira, mas uma espécie de ritual de purificação, uma forma harmoniosa de acolher dentro de mim a força das águas.
Mas também é uma forma de expressar liberdade, de relacionamento com as forças da natureza, de despojamento espiritual num instante tão sublime, eis que ainda na madrugada, sem lua por cima, sem os barulhos próprios da noite, apenas os sons da chuvarada cantando a melodia do renascimento.
Ainda chovendo, de xícara com café fumegante à mão, sigo até o portão da frente, procuro avistar ao redor e passo a ter uma sensação diferente do que a vivenciada lá pelo quintal. Sentado na espreguiçadeira, recebendo por cima os vapores molhados, começo a olhar o asfalto molhado, a água escorrendo e as luzes ali refletidas em dança contorcida.
Já é quase manhã, logo cedinho, continuando ainda escurecido por causa do tempo fechado, e chego mesmo a pensar que bom se o restante do dia fosse daquele jeito, naquele silêncio, naquela paz, naquele clima de adormecimento. Mas logo ouço passos, barulhos, alguém vem caminhando debaixo de guarda-chuva, os pneus dos carros logo espalham a placidez do asfalto. As luzes apagam, o dia que vem, a chuva que talvez se vá.
Continua chovendo, mas em menor intensidade, quase apenas chuviscando. Esquento outro café e sento diante do computador. Porém antes de escrever qualquer coisa me chegam as imagens de instantes atrás, dos momentos lá no quintal e das águas escorrendo no asfalto iluminado. Tenho de escrever qualquer coisa sobre isso, digo a mim mesmo.
Então escrevo o título: Chuva de primavera. Esse texto é da manhã de ontem, mas hoje, domingo, 30 de setembro de 2012, quase uma hora da manhã, continua chovendo, e com as mesmas feições de ontem.
  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Relíquias da alma (Poesia)



Relíquias da alma


O espírito persiste
na busca da luz da vida
o ser se conserva
na integridade da alma
as tempestades passam
os vendavais dissipam
as tormentas cessam
avista-se um horizonte
um sol com seu brilho
uma noite com sua lua
a vida e sua esperança
e um coração bondoso
cheio de afeto e amor

por que és o meu amor
e tudo há de ser assim...

os sinos dobram ainda
a fé guia os sentimentos
um Deus está no seu templo
e o seu templo é repleto
de sorrisos e venturas
a igreja no seu coração
possui melodia de anjos
cheiro de incenso bom
um maravilhoso altar
onde repousam seus olhos
seus passos e suas ações
e feito milagre da vida
a sua presença em tudo

por que és o meu amor
e tudo será sempre assim...

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS - 29


Rangel Alves da Costa*


“Impossível fugir. Elas sempre chegam...”.
“O que?”.
“As recordações...”.
“Nossa mente tem portas e janelas abertas...”.
“Para visitantes inesperados...”.
“O passado retornando...”.
“Prova maior de que temos uma história...”.
“Mas a história dos outros também...”.
“Sim, e geralmente a história de quem amamos e que sentimos falta...”.
“Menos angustiante seria relembrar coisas da infância, da adolescência, percursos agradáveis da vida...”.
“Mas lembramos isso também...”.
“Mas tudo muito rápido, tão passageiro...”.
“Porque nos conhecemos, e basta tal fato para não darmos muita importância ao que fizemos, ao nosso passado...”.
“Mas por que se pensamos noutras coisas ficamos martirizados?”.
“Para entender melhor o que passou, a pessoa, o momento, a situação vivida...”.
“Seria tão bom que recordássemos os nossos de um jeito feliz, agradável...”.
“Mas pensamos assim...”.
“Então não deveria doer tanto...”.
“Mas dói porque nunca acostumamos com a perda, com a ausência, com a distância...”.
“E na mente chega a fotografia, a face, a feição, a lembrança de um dia...”.
“E sempre de um modo bonito, cativante, não é mesmo?”.
“Sim...”.
“Mais uma prova de que buscamos aquilo que nos faz falta...”.
“Nunca pensei que a morte causasse tanta presença...”.
“Talvez de ambos os lados...”.
“Partiram, mas estamos retomando sempre suas presenças...”.
“E talvez do outro lado também...”.
“Acredita que vêm também à nossa presença?”.
“É uma questão intrigante. Há os que acreditam na morte como o fim de tudo, já outros apenas como a ausência do corpo e a continuidade do espírito...”.
“No seu ponto de vista...”.
“Fico com o velho Shakespeare: Há muito mais coisa entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia”.
“Se há a alma é imortal, o espírito é sopro divino que não se apaga, então não seria difícil a presença entre nós”.
“O problema é saber como se manifesta...”.
“Há de ser presença de luz...”.
“Sem a expressão de sentimentos...”.
“De modo contrário seria apenas a continuidade da vida, e de forma ainda mais sofrida...”.
“E isto nos cabe abraçar...”.
“Daí porque sofremos tanto com as perdas...”.
“Sofrimento por amor, por saudade...”.
“O sorriso...”.
“A palavra...”.
“O gesto...”.
“O que gostava de fazer...”.
“Como gostava de viver...”.
“Para enfim...”.
“Ser apenas saudade...”.
“Mais que isso: uma amorosa saudade...”.
“Por isso não deveria doer assim...”.
“Mas talvez essa tristeza sentida seja apenas recordar...”.
“Por quê?”
“Por que quando se torna presença tudo se torna afetuoso e sublime...”.
“O contentamento pelo reencontro...”.
“Sim. Presença e ausência que se aproximam pelo amor sentido!”.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
 

sábado, 29 de setembro de 2012

BAÚ DE TUDO (Crônica)

                       
                                      Rangel Alves da Costa*


Na vida, seja passado ou presente, procuro as relíquias existentes para guardar no baú. Que não se imagine, porém, que o depósito de minhas raridades seja um caixote antigo de madeira, uma mala grande encourada ou um porão empoeirado.
Tenho também um baú assim, herança familiar, passado de geração a geração, mas conservo tudo que aprecio e tenho orgulho numa arca muito maior, com muito mais dimensão, e que se estende deste os vãos de minha casa até onde eu estiver.
Por dentro das paredes de minha casa estão espalhadas velharias, objetos antigos e mais recentes, presentes doados a outros, móveis que um dia fizeram a feição das salas e varandas, coisas simples inscritas na história, pedaços de uma realidade que não pode ser esquecida. O que talvez não signifique nada aos olhos de muitos, para mim é raiz do meu caminho.
E se estende até onde eu estiver porque no meu corpo, especialmente no coração e na memória, existe um amplo espaço para que muito também seja guardado. Não são objetos, quadros, partituras, imagens sacras, lustres ou gramofones, mas relíquias assemelhadas: as lembranças, as recordações, o conhecimento dos fatos e o seu reviver para preservar.
Mas abro a porta de casa e me deparo com séculos, com outras vidas, outros hábitos, costumes e tradições. Em confronto com as tecnologias presentes, constatam-se ainda mais a utilidade e a razão de ser daquilo tudo em tempos idos. Porque o novo também se tornará velho, e relíquia se tiver algum valor, então vejo tudo como história, a do passado e a do presente.
Contudo, vou dizendo logo o que não tenho e que me faz tanta falta. Ainda não consegui o velho e precioso oratório de minha avó paterna. Antigo, belíssimo, de madeira cuidadosamente trabalhada, de verniz escurecido, anda meio maltratado, mas justifica-se. Minha avó ainda está entre a gente, embora não enxergue mais nem dê mais um passo sozinha. E não seria justo que o neto tentasse agora trazer para junto de si aquilo que, mais que tudo, pertence à sua fé.
Também não tenho alguns objetos que enchiam de contentamento meu saudoso avô, também paterno. Ainda rapazinho, toda vez que eu chegava perto dele perguntava a hora só para vê-lo puxando do bolso um maravilhoso relógio. E ficava pensando em como conseguir um igualzinho aquele. Quando do seu falecimento, no descuido com que tratam as relíquias, o relógio acabou sumindo. Ainda pergunto a um e a outro, porém o suspeitoso silêncio sempre prevalece.
Era um sertanejo iletrado, matuto de gostar de coisas simples, mas na sua simplicidade sabia muito bem apreciar a autêntica cultura nordestina. Fervoroso devoto do Padim Ciço, todas as vezes que seguia em romaria junto com minha avó até Juazeiro, de lá retornava com discos e mais discos, de autêntico vinil, de repentistas, cordelistas e violeiros. Os repentes lhe caíam tão bem na alma que de vez em quando recebia duplas de trovadores na sua moradia sertaneja.
Os meus outros avôs, os maternos, deixaram mais história do que propriamente relíquias materiais a serem preservadas. Hoje fazem parte dos livros de História, dos opúsculos cuidando da saga cangaceira, mas não porque tivessem participado do bando do Capitão Virgulino, o Lampião. Sua relação com a vida cangaceira foi de acolhimento e amizade, confiança e companheirismo.
Todas as vezes que Lampião e o seu bando chegavam às terras sergipanas de Nossa Senhora do Poço Redondo, era na casa dos meus avôs China e Marieta que recebiam acolhida, que se fartavam de buchada de bode e sarapatel apimentado. Na residência é que se deu o célebre encontro entre a arma e a cruz, entre o cangaço e a religião, entre Lampião e Padre Arthur Passos. Saindo da casa, seguiram até a igrejinha para a missa da padroeira. Nesse dia, o vigário acolheu os cangaceiros no seu templo sob a condição que deixassem as armas do lado de fora. E assim foi feito.
Mas voltando ao meu baú, à minha moradia e à arca na minha mente, digo que ainda é muito pouco, um quase nada, o que guardo pelos cantos. São apenas coisas, objetos, pensamentos e recordações. Quem dera, ao menos, que num tempo mais distante, alguém escrevesse uma crônica para dizer o que deixei como herança e que precisa ser preservado.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Ninho cantinho (Poesia)



Ninho cantinho


Cato fiapo no céu
cato fiapo no chão
apanho a folha da relva
apanho graveto na selva
procuro pena perdida
procuro flor de algodão
busco a ponta de pau
busco com satisfação
lugar pra fazer um ninho
morada do coração
para chamar meu amor
colher minha bela flor
segurá-la com a mão
subir bem devagarzinho
pro ninho imensidão
e ser tão feliz assim
dia e noite a namorar
abrir a porta na tarde
dar as mãos para voar.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS - 28

                           
                                             Rangel Alves da Costa*


“Chove lá fora...”.
“E aqui faz tanto frio, como diria Lobão...”
“Mas não me dá vontade de saber onde está você...”.
“O que se tem à mão não se procura ao desvão...”.
“Me dê você pra mim!...”.
“Me toma, me leva, nesse friozinho gostoso, nessa chuva lá fora...”.
“Acolher no meu cobertor...”.
“Prefiro que no lençol do corpo...”.
“Então serei tempestade, trovoada...”.
“E eu o medo, o pavor, procurando ainda mais abrigo...”.
“E o que pensa fazer do meu clima?”.
“Quero a enxurrada, quero ser levado...”.
“Mas sou leito de águas mansas...”.
“Mas no teu corpo não sei nadar...”.
“Depois da tempestade...”.
“A paz ao teu lado...”.
“A mansidão...”.
“A paz...”.
“Depois da chuva me farei relva verdejante...”.
“Assim com as folhas de relva...”.
“A poesia de Whitman, aquele cuja barba parece levada ao vento...”.
“Lembro alguns versos dele...”.
“Então deite na minha relva e declame...”.
“Casas e quartos se enchem de perfumes .... as estantes estão entulhadas de perfumes/ Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço/ Sua destilação poderia me intoxicar também, mas não deixo/ A atmosfera não é nenhum perfume .... não tem gosto de destilação .... é inodoro/ É pra minha boca apenas e pra sempre .... estou apaixonado por ela/ Vou até a margem junto à mata sem disfarces e pelado/ Louco pra que ela faça contato comigo...”.
“Maravilhoso. lembra mais alguma coisa da poesia de Whitman?”
“Diz o poeta, ainda em Folhas de Relva: Uma criança disse/ O que é a relva? trazendo um tufo em suas mãos/ O que dizer a ela?.... sei tanto quanto ela o que é a relva/ Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito, tecida de uma substância de esperança verde/ Vai ver é o lenço do Senhor/ Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer/ Com o nome do dono bordado num canto, pra que possamos ver e examinar, e dizer/ É seu?”.
“Na relva a poesia, o contentamento, nós dois sonhando de olhos abertos. E quando o sono chegar?”.
“Quero continuar sonhando...”.
“O sonho de agora, com a chuva caindo?”
“Não há coisa melhor do que deitar e ficar ouvindo o barulho cadenciado da chuva caindo...”.
“Também gosto, mas me deixa angustiada...”.
“Não sei por que, mas ouvir a chuva traz uma certa melancolia...”.
“O pensamento viaja, voa...”.
“E de repente chega a lugares que nem queríamos...”.
“Chegam as saudades, as recordações, as muitas lembranças...”.
“Mas não só por causa da chuva caindo. A noite, o silêncio, o zunido do vento...”.
“Tudo chama à reflexão...”.
“Deveríamos aproveitar mais esse momento...”.
“Fazer da noite a voz, o espelho, o diálogo...”.
“Sim, fazer da noite um encontro...”.
“E nesse encontro o reencontro...”.
“Porque não podemos fugir de certas lembranças...”.
“Dói, mas elas precisam chegar assim...”.
“E vejo uma face distante...”.
“Vejo o semblante de minha mãe...”.
“Vejo os meus que já partiram...”.
“E neles também me vejo...”.
“Porque também somos eles...”.
“Ainda que continuemos nós!...”.

  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

EU QUERIA RIR (E DEPOIS SORRIR) (Crônica)


                                    Rangel Alves da Costa*


Sorrir deve ser muito melhor, muito mais gostoso, do que simplesmente rir. Por isso mesmo eu queria rir e depois sorrir.
Podem até imaginar que as duas ações são iguais. Mas verdade é que são diferentes, ainda que tanto uma como outra estejam inseridas no contexto do sorriso. E este entendido como expressão de alegria, satisfação, contentamento.
Mas será que o rir, ou o riso, é sempre manifestado esbanjando alegria, aflorando plena satisfação? Será que o ato do sorrir, ou sorriso, espelha fielmente a satisfação íntima, o momento contagiante do espírito?
Explico logo porque há diferença entre rir e sorrir. São sutilezas sensoriais, dos sentimentos e das expressões internas, pequenas e quase imperceptíveis, mas que possuem causas e consequências bastante diferentes.
O rir é apenas uma ligeira, rápida, acanhada manifestação de aceitação ou contentamento. Denota a aceitação de algo ou como confirmação positiva. Manifesta-se através de uma contração agradável nos lábios, e expressa um sorriso apenas terno, apenas gestual, sem ruído ou estardalhaço.
Já o sorrir é mais visível, constatável e até audível. Neste, os lábios acompanham o tamanho da alegria, da satisfação, do prazer. No sorrir, a alegria irrompe a mera satisfação para se transformar em graça, em ruído, em contentamento aflorado, cujo brilho é também manifestado no olhar. O passo seguinte pode ser a gargalhada, a risada barulhenta e prolongada.
Perceberam as diferenças? Monalisa está levemente rindo, o palhaço está sorrindo; a pessoa vai apenas rir quando olha para outra com carinho e afeição, e vai sorrir quando recebe um buquê perfumado de presente; alguém está rindo por dentro e quase imperceptivelmente por fora quando embala o bebê para dormir, e estará sorrindo ao ouvi-la tentando pronunciar seu nome.
Por isso mesmo que eu queria primeiro rir para depois sorrir. Rindo demonstro verdadeira satisfação, mostro que estou contente, expresso minha alegria íntima diante do que vejo e sinto. Rindo cultivo o campo para a felicidade maior, para alcançar motivos que expressem a satisfação de uma maneira mais contundente, para sorrir.
E quero primeiro rir para não fingir o tamanho do sentimento, para não exagerar naquilo que mereça apenas o prazer da leve contração labial. Ademais, é fácil demais perceber a veracidade do sorriso, a autêntica felicidade, o gesto que não seja forjado. Quando assim acontece, o passo seguinte é a angústia por dentro.
Quero anteceder o sorrir com o rir, porque quando aquele chegar será tão verdadeiro como o motivo que me faz contente. Quando o sorrir aflorar tomará toda a face, trará aperto e brilho nos olhos, fortuna ao coração, uma vontade imensa de prolongar a melodia sensorial. E preciso sorrir assim porque a grandeza da felicidade não se contentará apenas com o rir.
Contudo, que não me venha nem o rir nem o sorrir se não forem acompanhados da graciosidade do coração, do júbilo da alma, do regozijo do espírito. Como desejo a verdade em tudo que aconteça, também preciso expressar veracidade na reação positiva. Seria martírio fingir o riso, seria doloroso demais mover os lábios apenas mecanicamente; seria cruel demais revelar um sorriso que mais pareça um grito de dor.
Eu quero rir vendo você chegar, quero rir ao te dar um abraço, quero rir seguindo seu passo, quero rir junto com todo o meu eu que ansiosamente espera os motivos para sorrir; e depois quero sorrir correndo pelos campos, dançando a valsa debaixo da chuva, quando você esquecer o meu nome e chamar meu amor. E juro que será tanta a felicidade que meu coração experimentará a risada incontida da graça maior em viver.
  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com    

Ciranda (Poesia)



Ciranda


Dê-me a mão
e mais tarde o coração
vamos cirandar
a criança quer brincar

na noite enluarada
a roda está formada
sei cantiga cirandeira
além dessa brincadeira

uma cantiga singela
levando flor pra donzela
uma trova apaixonada
para minha namorada

aperte a minha mão
corra o passo pelo chão
vamos fugir nessa noite
num alazão de açoite

ciranda cirandinha
bela mulher só minha
e nós dois a cirandar
criança só quer amar.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS - 27


                                            Rangel Alves da Costa*


“Os bichos um dia haverão de ser gente...”.
“Gente bicho já há demais...”.
“Não sei como ficaria o homem...”.
“Apenas como bicho...”.
“Impossível...”.
“Por quê?”.
“Sendo bicho talvez tentasse acertar e aí seria um desastre ainda maior”.
“Acha que a racionalidade humana é de pouca serventia?”.
“Como dizem, contra fatos não há argumentos...”.
“E por que seria um desastre ainda maior?”.
“Mesmo com o uso da razão que tem, o ser humano insiste em ir pelo caminho inverso...”.
“E sendo bicho, agindo irracionalmente, poderia fazer pior...”.
“O problema é que está demonstrado que a irracionalidade dá melhores frutos que a dita razão humana...”.
“Tornando-se irracional, será que o homem não teria também desses bons frutos?”.
“Creio que não, pois o problema do homem parece não ser problema em ter, ou não, a razão como instrumento de ação, mas...”.
“Mas um elemento destrutivo, negativo arraigado no próprio ser...”.
“Não há que pensar diferente não. Só pode ser assim mesmo...”.
“Então é um mal da espécie”.
“Vejamos. O bicho, o dito irracional, não nega seus sentimentos...”.
“O homem joga, falseia...”.
“O animal não é vingativo se não é incomodado...”.
“O homem procurar inimigos para justificar vinganças...”.
“O animal geralmente ataca para se defender...”.
“O homem não quer nem saber, vai logo partindo com unhas e dentes...”.
“O animal colhe, acolhe, recolhe os seus contra os inimigos e as ameaças”.
“O homem abre a porta e entrega à sorte os seus...”.
“O bicho é carinhoso, afável, amável...”.
“E o homem é destratável...”.
“O bicho tem compromisso com sua toca, seu ninho, seu esconderijo...”.
“Ao homem tanto faz deixar a parede caindo...”.
“O bicho jamais abandona os seus antes que estes já estejam prontos para enfrentar a natureza sozinhos”.
“O dito irracional primeiro pensa no seu, na fragilidade da cria, para depois pensar em si mesmo...”.
“E o homem no seu egoísmo...”.
“O bicho não nega a ninguém sua condição de bicho...”.
“Enquanto o homem traveste-se sempre do que não é...”.
“O bicho tem hora para sair e hora pra voltar...”.
“E o homem ao deus-dará...”.
“O bicho quer ser amigo do homem...”.
“E o homem maltratá-lo, encarcerá-lo, simplesmente usá-lo...”.
“O bicho vive em harmonia com o seu meio”.
“Como o homem trata o ambiente onde vive?”.
“O bicho sofre com a destruição da natureza, chora pela devastação do seu ambiente...”.
“Enquanto o homem ajuda a degradar...”.
“O bicho tem humildade, vai catando folhagem, recolhendo pedaços, procurando qualquer coisa para fazer seu ninho, sua moradia...”.
“E o homem só faz isso como se fosse punição...”
“O bicho canta, voa, solta sua cor e o seu brilho, dança na mataria, corre na natureza, festeja sua liberdade...”.
“E o homem no seu silêncio revoltado com tudo e todos”.
“Depois destas reflexões, e pensando bem, não queria que o bicho se tornasse ser racional não...”.
“Nem o homem bicho?”.
“O homem sim, deveria aprender com a irracionalidade o valor da razão...”.
“E o bicho?”.
“Deveria tomar o lugar do homem para mostrar que a irracionalidade não tem o poder tão grande de subverter a ordem das coisas em seu próprio detrimento”.

  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MEMÓRIA SENTIMENTAL DA JANELA (Crônica)


                                      Rangel Alves da Costa*


O que é uma simples janela na frente de uma casa numa ruazinha qualquer interiorana, senão uma abertura na parede para deixar passar a luz e o ar, com caixilho de madeira que permita sua movimentação, sua função primordial de abrir e fechar?
É. Ontem ou hoje, praticamente todas as janelas ainda continuam assim: uma abertura na parede, a certa altura do piso, que permite a iluminação e/ou o arejamento do ambiente e dá vista para o exterior. A mesma janela tão amiga das fofoqueiras, das mocinhas apaixonadas, das traições adulterinas, das fugas inesperadas.
Mas naquela janela não. Especialmente nesta aqui tratada, era totalmente diferente, vez que parecendo ter vida própria, ser possuidora de sentimentos, misteriosamente tomada de angústias e aflições. E tudo de dentro da casa e de fora, até mesmo quando estava fechada. E fechada era quando mais se expressava como janela, principalmente através de suas frestas.
A casa era pacata, humilde, com frente de tijolo rebocado, pintada de uma cor indecifrável com o passar do tempo, possuindo porta e janela. Duas caixas de madeira muito antiga, ainda não destruídas ou completamente retorcidas por causa da madeira de lei da região, mas já completamente envernizadas pela ação do tempo. E que verniz impregnado de uma cor férrea, terrosa.
Lugar residencial de única moradora. Desde muito que não citavam mais o nome da mulher, mas apenas a moça velha, a solteirona, a invicta, a titia, a encalhada, a desprezada, a noiva da morte. Coitada da pobre mulher. Era solteira sim, uma eterna apaixonada, louca para arrumar companhia, ter uma relação amorosa, namorar como moça virgem qualquer. Mas que nada, pois quanto mais recorria a Santo Antonio mais a solidão lhe afligia.
Da lindeza juvenil ainda mantinha muitos traços. Não era velha, apenas de meia idade, filha única e morando sozinha desde que seus pais faleceram. Vaidosa, não gastava das pequenas posses quase nada noutra coisa senão no luxo pessoal, no embelezamento, nas roupas, perfumes e bijuterias. Talvez por isso mesmo que a casa parecia tão abandonada e triste.
Os motivos para tanto vaidade e tanto zelo pessoal são mais que óbvios. Tudo para ver se algum moçoilo a olhava com olhos desejosos, se algum solteiro fazia um aceno e lançava um beijo soprado na palma da mão, se qualquer um passasse diante de sua janela e pronunciasse uma palavra mais ardente ou pinicasse levemente o olho direito. Ai quem dera arranjar um homem! Sonho, que sonho atormentando a esquecida da carne.
Arrumava-se toda, colocava água de flores e leite de colônia, e depois de passar dez minutos contados em frente ao espelho, seguia em direção à janela. Como esta era de duas bandas, primeiro abria levemente um lado e ainda um pouco distante lançava o olhar ao mundo lá fora, procurando enxergar homem, avistar rapaz. Depois abria as duas bandas e se posicionava feito uma pintura expressionista de mulher emoldurada pelos caixilhos.
Ano entrava e ano ia embora e aquela mesma rotina da mulher na busca enlouquecida para fugir de sua dolorosa solidão. Todos os dias, assim que o sol arrefecia no seu calor, ela era avistada de olhos dançantes de canto a outro, espalhando seus tantos perfumes pelos arredores e mais além. Só saía dali quando o por do sol se completava, mas se moço bonito passasse continuava até mais tarde esperando o seu retorno. Depois não restava fazer outra coisa senão fechar a janela e retornar à solidão.
Contudo, e fato que ninguém via, mas não somente naquele horário a solteirona fazia vigilância na sua janela. Pela manhã ou mesmo à noite, ficava por trás da madeira de olhos voltados para as brechas e olhando a movimentação da rua. E eram nesses momentos que a outra mulher se revelava. Sem pintura, sem maquiagem, sem perfume derramado, sem roupa enfeitada e bijuterias, sem cabelo arrumado, era apenas a mulher triste, desiludida, verdadeiramente solitária, numa angústia de fazer lágrima chorar.
Enxergando o movimento, a intensidade da vida e os seus transeuntes, as faces com seus motivos de vida, as sombras da noite e o romantismo da luz do luar caindo sobre as paisagens, não demorava muito e os olhos se enchiam de torturas, as lágrimas desciam pelo rosto real, a dor tomava o peito. O pranto silencioso transbordava na mulher.
Um dia a janela não foi aberta, ela não apareceu no umbral, o seu perfume não viajou pelo ar. No outro dia também. Nunca mais a janela se abriu. Mas se alguém se aproximasse e curiosamente olhasse pela brecha na madeira, certamente que encontraria lágrimas à sua frente, do outro lado, se derramando na solidão escondida.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

Simpatias (Poesia)



Simpatias


Menina tenha cuidado
menino vá devagar
os mais velhos já faziam
o tempo pode mudar

tomar água de moringa
para tristeza passar
duas noites na janela
para o namoro chegar
beber só pela metade
para não se apaixonar
se tomar um copo cheio
certeza de logo casar

escrever o nome na fita
e amarrar na goiabeira
juntar três fios de cabelo
e pendurar na catingueira
embrulhar toda tristeza
e jogar na cumeeira
fazer promessa pra lua
tomar banho na ribeira

se em uma semana
não conseguir o que quiser
ou não fez nada direito
ou não é homem nem mulher.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS - 26

                          
                                          Rangel Alves da Costa*


“Do silêncio, a imaginação, a dúvida, a palavra...”.
“Em que está pensando?”
“No amor...”.
“Melhor pensamento não há...”.
“Pensando sobre os limites do amor...”.
“Até onde chegou?”.
“Na dúvida...”.
“Realmente é complicado tentar compreender os limites do amor...”.
“O amor verdadeiro pode aumentar?”.
“Aquele que já se expressa em plenitude, com grandiosidade?”.
“Sim...”.
“Também respondo sim. Creio que pode aumentar...”.
“Mas como se expressa esse crescimento?”.
“No percurso da convivência com o outro amado...”.
“No compartilhamento, no conhecimento mais profundo do outro?”.
“Sim. Mas como disse, tudo como num percurso...”.
“E qual seria?”.
“Como dizem, o amor envolve encanto, desejo, cegueira, permanência, reconhecimento, satisfação, felicidade e amor propriamente dito...”.
“Encanto ao conhecer...”.
“No olhar diferente, no querer conhecer...”.
“Desejo de ter...”.
“De namorar, beijar, abraçar, chamar de meu amor, ainda que tudo não passe de uma maravilhosa fantasia nesse momento...”.
“Cegueira das imperfeições...”.
“Porque o enamorado só enxerga o belo na pessoa amada. Algo que abominaria noutra pessoa, por enquanto nem procura perceber”.
“Permanência de relacionamento...”.
“Sem permanência não há como firmar o relacionamento e fazer surgir daí o reconhecimento, ou não, do amor”.
“Reconhecimento de que o outro merece realmente o seu amor...”.
“E também reconhecer que está amando, que está feliz, que se relaciona com a pessoa ideal para a sua vida”.
“Satisfação em cada momento vivido ao seu lado...”.
“É aquela sensação de anseio, de desejo, de contentamento, de querer estar ao seu lado, por isso lhe faz bem, faz bem ao seu coração, lhe traz felicidade”.
“E enfim o amor...”.
“Eis o momento mais complicado...”.
“Mas parecia um percurso com final tão feliz...”.
“Porque só há de se reconhecer existência de amor verdadeiro quando a relação atende a determinadas premissas”.
“E que são...”.
“A absoluta certeza de que o outro é a pessoa ideal para estar a seu lado, a confiança que possui, o respeito que tem, não temer planejar o futuro ao lado do outro, sonhar coisas boas para realizar conjuntamente, além de alguns aspectos intimistas que fortalecem o amor”.
“O sexo, por exemplo?”.
“Quem ama não tem o sexo como condição, mas como consequência do amadurecido relacionamento...”.
“Então, quais seriam os tais aspectos intimistas?”.
“Aqueles que envolvem o relacionamento pessoal entre os dois...”.
“E que são tantos...”.
“Sim, mas principalmente entender o outro para lhe agradar, procurar não confrontá-lo naquilo que admira, considerar pequenos gestos que fortalecem a união e torna o estar junto sempre num momento agradável...”.
“Mas voltando à pergunta inicial: o amor pode aumentar?”.
“Já respondi que sim e reafirmo”.
“Mas com outras palavras...”.
“Então que ouça: não há como o amor não aumentar naquele que, a cada dia, vê mais correspondido o amor sentido!...”.
“Assim como...”.
“Sim. Assim como o nosso amor!”.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com