*Rangel Alves da Costa
Muito se fala da exacerbada violência das
forças volantes, e fato incontestável. Igualmente ao cangaço, as forças de
perseguição mataram inocentes, estupraram, extorquiram, amedrontaram e
espalharam o terror pelos sertões. A mera aproximação dos “macacos” já era
motivo suficiente para que o medo tomasse conta de todos. E não sem razão o
temor, vez que a volante tinha o homem da terra na mesma conta do cangaceiro.
Ou pela suposição de ser coiteiro ou protetor de bandoleiro.
Esta suposição de que todo homem da terra era
coiteiro, amigo dos cangaceiros ou conivente com suas práticas, gestou
dolorosas consequências. Muitos sertanejos foram retirados de seus casebres para
serem forçados a dizer - mesmo sem saber - onde o bando estava acoitado.
Sangrados, chicoteados, apunhalados, pendurados de cabeça pra baixo em pés de
pau, levados amarrados para a morte certa. E assim a feroz covardia das
volantes foi fazendo o festim do medo e do sangue pelos confins nordestinos.
Há de se observar, porém, que as volantes não
tinham compromisso algum com o homem da terra, não defendiam seus interesses e
sequer o protegia contra as investidas cangaceiras. Diferentemente ocorria com
o cangaço, cuja bandeira justificando a luta sempre foi o enfrentamento das
injustiças, da opressão e da violência dos poderes contra os desvalidos.
Quer dizer, o cangaço passou a violar a
dignidade, a honradez e a integridade física de seu igual: o homem da terra, o
pobre, o injustiçado. O cangaço investiu e espalhou violência dentro de seu
próprio berço de gestação e contra o seu irmão de sofrimento. Ora, não raro que
cangaceiros nascidos em determinada povoação, quando lá retornavam praticavam
verdadeiras atrocidades. E nem sempre porque seus conterrâneos haviam se
tornado delatores ou como ajustes de contas pelas intrigas passadas, mas tão
somente pela força impulsiva da violência.
Em tal contexto de violência cangaceira, urge
indagar: Qual o papel, a culpa ou a responsabilidade de Lampião? Antes de
possíveis respostas, necessário a observância de alguns aspectos. Na seara do
cangaço, e mesmo sob seu comando, Lampião era apenas mais um cangaceiro. No
contexto de liderança sobre os demais, Lampião era o seu comandante. Já no
contexto do cangaço como um todo, Lampião possuía reinado, era o governante, o
mandatário maior. E sendo rei e governante, qual seria sua responsabilidade
sobre as violências praticadas por seus comandados?
A resposta poderia chegar pela
responsabilidade administrativa e criminal modernas. No mundo jurídico de hoje,
o detentor de poder pode responder pelas condutas ilícitas de seus agentes,
principalmente pelo poder de vigilância que detém. Já na seara criminal, o
mandante também será responsabilizado pelo crime praticado pelo executor. Sob
tais perspectivas, certamente que Lampião teria que carregar nas costas
infindas responsabilidades pelas condutas de seus cangaceiros. Mas também pelas
próprias condutas.
Há de se observar, contudo, que as
responsabilidades de Lampião teriam que recair somente enquanto líder de grupo,
daquela parte do bando sob seu comando, e não pelas ações violentas perpetradas
pelos subgrupos, vez que estes possuíam suas próprias lideranças, a exemplo de
Corisco e Zé Sereno. Na visão geral, a parte do bando que permanecia com Lampião
não deixava de ser também um subgrupo no contexto maior do cangaço. E sobre seu
subgrupo sua responsabilização recaía.
Mas também a responsabilização lhe seria
imputada quando cangaceiros de outros subgrupos estavam sob sua liderança ou
perante sua presença, enquanto comandante maior. Quando, por exemplo, em 32, Zé
Baiano colocou ferro em brasa nas faces das mocinhas de Canindé, Lampião estava
presente. Foi conivente, permitiu que acontecesse a barbaridade. A sua culpa
foi inegável no episódio. Deveria impedir e não impediu. Foi igualmente
violento e criminoso.
E mais ainda, quando, também em 32, ordenou
que o cangaceiro Gato - acompanhado de Azulão, Medalha, Suspeita e Cajueiro -
matasse quem encontrasse pela frente desde o Couro ao Santo Antônio, e a
cangaceirama matou sete inocentes num só dia, e desde o Couro ao São Clemente,
em Poço Redondo, restou induvidosa a culpa do mandante Lampião sobre as mortes.
Gato havia recebido ordens para matar. Havia um mandante.
Apenas alguns exemplos da violência do cangaço e da culpa de Lampião por inúmeras atrocidades praticadas sertões adentro. Os cangaceiros eram violentos sim, mas muitos exacerbaram suas perversidades pela conivência, senão pelo mando, do líder maior.