SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 26 de janeiro de 2021

LAMPIÃO E A VIOLÊNCIA DO CANGAÇO


*Rangel Alves da Costa



Não há como negar que o cangaço foi um antro de perpetração de todos os tipos de violências e perversidades. Também não há como negar que suas ações violentas não se voltaram apenas para o revide, para a defesa perante as agressões, para atacar e se defender contra as forças volantes. Tais ações seriam justificadas no campo da guerra, dos combates ferozes, no custo para salvação de vidas e na superação dos desafetos. Outras ações violentas, contudo, jamais poderão ser justificadas, principalmente quando praticadas contra indefesos ou inocentes nordestinos.

Muito se fala da exacerbada violência das forças volantes, e fato incontestável. Igualmente ao cangaço, as forças de perseguição mataram inocentes, estupraram, extorquiram, amedrontaram e espalharam o terror pelos sertões. A mera aproximação dos “macacos” já era motivo suficiente para que o medo tomasse conta de todos. E não sem razão o temor, vez que a volante tinha o homem da terra na mesma conta do cangaceiro. Ou pela suposição de ser coiteiro ou protetor de bandoleiro.

Esta suposição de que todo homem da terra era coiteiro, amigo dos cangaceiros ou conivente com suas práticas, gestou dolorosas consequências. Muitos sertanejos foram retirados de seus casebres para serem forçados a dizer - mesmo sem saber - onde o bando estava acoitado. Sangrados, chicoteados, apunhalados, pendurados de cabeça pra baixo em pés de pau, levados amarrados para a morte certa. E assim a feroz covardia das volantes foi fazendo o festim do medo e do sangue pelos confins nordestinos.

Há de se observar, porém, que as volantes não tinham compromisso algum com o homem da terra, não defendiam seus interesses e sequer o protegia contra as investidas cangaceiras. Diferentemente ocorria com o cangaço, cuja bandeira justificando a luta sempre foi o enfrentamento das injustiças, da opressão e da violência dos poderes contra os desvalidos.

Quer dizer, o cangaço passou a violar a dignidade, a honradez e a integridade física de seu igual: o homem da terra, o pobre, o injustiçado. O cangaço investiu e espalhou violência dentro de seu próprio berço de gestação e contra o seu irmão de sofrimento. Ora, não raro que cangaceiros nascidos em determinada povoação, quando lá retornavam praticavam verdadeiras atrocidades. E nem sempre porque seus conterrâneos haviam se tornado delatores ou como ajustes de contas pelas intrigas passadas, mas tão somente pela força impulsiva da violência.

Em tal contexto de violência cangaceira, urge indagar: Qual o papel, a culpa ou a responsabilidade de Lampião? Antes de possíveis respostas, necessário a observância de alguns aspectos. Na seara do cangaço, e mesmo sob seu comando, Lampião era apenas mais um cangaceiro. No contexto de liderança sobre os demais, Lampião era o seu comandante. Já no contexto do cangaço como um todo, Lampião possuía reinado, era o governante, o mandatário maior. E sendo rei e governante, qual seria sua responsabilidade sobre as violências praticadas por seus comandados?

A resposta poderia chegar pela responsabilidade administrativa e criminal modernas. No mundo jurídico de hoje, o detentor de poder pode responder pelas condutas ilícitas de seus agentes, principalmente pelo poder de vigilância que detém. Já na seara criminal, o mandante também será responsabilizado pelo crime praticado pelo executor. Sob tais perspectivas, certamente que Lampião teria que carregar nas costas infindas responsabilidades pelas condutas de seus cangaceiros. Mas também pelas próprias condutas.

Há de se observar, contudo, que as responsabilidades de Lampião teriam que recair somente enquanto líder de grupo, daquela parte do bando sob seu comando, e não pelas ações violentas perpetradas pelos subgrupos, vez que estes possuíam suas próprias lideranças, a exemplo de Corisco e Zé Sereno. Na visão geral, a parte do bando que permanecia com Lampião não deixava de ser também um subgrupo no contexto maior do cangaço. E sobre seu subgrupo sua responsabilização recaía.

Mas também a responsabilização lhe seria imputada quando cangaceiros de outros subgrupos estavam sob sua liderança ou perante sua presença, enquanto comandante maior. Quando, por exemplo, em 32, Zé Baiano colocou ferro em brasa nas faces das mocinhas de Canindé, Lampião estava presente. Foi conivente, permitiu que acontecesse a barbaridade. A sua culpa foi inegável no episódio. Deveria impedir e não impediu. Foi igualmente violento e criminoso.

E mais ainda, quando, também em 32, ordenou que o cangaceiro Gato - acompanhado de Azulão, Medalha, Suspeita e Cajueiro - matasse quem encontrasse pela frente desde o Couro ao Santo Antônio, e a cangaceirama matou sete inocentes num só dia, e desde o Couro ao São Clemente, em Poço Redondo, restou induvidosa a culpa do mandante Lampião sobre as mortes. Gato havia recebido ordens para matar. Havia um mandante.

Apenas alguns exemplos da violência do cangaço e da culpa de Lampião por inúmeras atrocidades praticadas sertões adentro. Os cangaceiros eram violentos sim, mas muitos exacerbaram suas perversidades pela conivência, senão pelo mando, do líder maior. 

 
Escritor
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Lá no meu sertão...


Menina do Rio - Poesia do Velho Chico







Por amor (Poesia)


Por amor


Por amor
já matei
matei a flor
que colhi
por amor
 
por amor
já morri
morri como flor
que na tristeza
murchou
 
por amor
já renasci
renasci o que sou
um jardim que ama
sua única flor.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - tristes caminhos


*Rangel Alves da Costa



A fotografia existe, mas não está aqui. Por cima da terra estão pedras, pedaços de pau, ex-votos, tocos de velas, restos de santos. Mas embaixo da terra estão restos de vidas, ossadas que no passado testemunharam a dor e o sofrimento da perversidade do cangaço nos sertões de Poço Redondo. Túmulos sertanejos, sepulturas já sem cruzes no meio do tempo, debaixo das sombras entristecidas do tempo. Aqui jazem João de Clemente e Zé Bonitinho, inocentemente mortos pelos cangaceiros Gato, Medalha, Suspeita, Azulão e Cajueiro, pelos idos de 32. Logo adiante está a capela de São Clemente, na comunidade de mesmo nome. E eu lendo neste livro doloroso da vida, e eu testemunhando neste passado tão aflitivo da existência, a história que jamais se apagará: a crueldade da morte na inocência da vida! 

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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

CANTO DAS ÁGUAS


*Rangel Alves da Costa

 

Não há povo sofrido que cale de vez sua voz e de sua plangência não ecoe o canto da vida, da luta, da existência e da conquista. Não há gente tão sofrida que não desperte ao prazer das coisas belas e faça fluir desde a alma a voz de seus sentimentos. Não há pessoa que viva somente para o desalento, para a angústia e o sofrimento. Certamente que as dores e as aflições não se apagam de instante para o outro nem a existência é transformada por um instante de paz e alegria. Mas do que surge na alma e ecoa nos ares em forma de canto, muito dirá do quanto o íntimo do ser procura se libertar das duras amarras. Cantar, assim, é expressar a vivacidade interior, mostrar que o coração também tem voz e o próprio ser diferente é daquilo que mais aparenta.

O povo, mesmo oprimido, precisa cantar. E com o povo ribeirinho não é diferente. Ribeirinho porque vivente às margens do rio, nas ribeiras das águas, cardumes humanos fora d’água que que sempre insistem em ficar. Um povo nascido e crescido ante a paisagem do rio, perante a curva do rio, diante do caminhar remansoso do rio. Uma gente acostumada com as águas, com a pesca e o pescado sobre a mesa, com a canoa e o nego d’água, com saudade da carranca e nostalgias de outros tempos. A vida desse povo é a vida do rio. A existência desse povo muito depende do que o rio lhe agracie. Uma convivência tão unida que o ribeirinho sofre a mesma dor das águas quando estão poucas, e o rio se lamenta por dentro quando seu povo está ressentido de tempos difíceis. Um povo e o seu rio, um rio e o seu povo. Veia e sangue de um mesmo corpo, laço enlaçado desde os tempos mais distantes.

Por isso mesmo que o rio canta a mesma cantiga do povo. Quando o povo está alegre e cantante, o rio também festeja com alegria. O visitante apenas imagina o silêncio nas águas que passam e nos espelhos que chegam e que passam, mas nada disso acontece. Contudo, somente o povo do rio pode ouvir o seu canto e também cantar o mesmo canto. E o ribeirinho conhece muito bem quanto o seu leito molhado está borbulhando canções ou ofegando em versos de amor. O ribeirinho sabe que além do barulho do barco que passa ou da chuva caindo sobre as águas, há uma voz como de sereia. E que bela e doce voz. Certa feita, mesmo não sendo ribeirinho, o compositor Dori Caymmi ouviu e traduziu, na canção Porto, essa magistral voz do rio: “iá iê, iá iê, oní onã, iá iê, oní onã, nê onã. Iá iê, lê lê ô, iê oní onã iá lê onâ, ê ô, oní onã, onã nã nã naiê, ê ô...”. O rio cantarolando ao som da flauta de vento num acorde de brisa.

O povo do rio ouve essa voz e a traduz em sentimentos profundos. Olhares que cantam, passos que cantam, e tudo canta e tudo festeja perante as ribeiras do rio. Um povo carente, sofrido, que sobrevive da luta intensa, mas que jamais deixa de ouvir e cantar a canção de seu rio, e é isso que o anima e alimenta para o passo seguinte. Muitas vezes, porém, o povo desce a ribeira, pisa nas margens, entra nas águas e também vai cantar junto ao rio. Assim acontecem com as mulheres lavadeiras e seus ofícios nas águas. Assim ao amanhecer ou entardecer ribeirinho, ou mesmo debaixo do sol franciscano, as mulheres de Curralinho, povoação ribeirinha em Poço Redondo, sertão sergipano, descem às margens do rio levando suas roupas tingidas e suadas da luta. Bacias, baldes, cuias, rodilhas, trouxas na cabeça, sabão em pedra, e canções para serem entoadas enquanto os panos são encharcados, esfregados, batidos, enxaguados e estendidos sobre as gramíneas que se alongam às margens de seu velho, tão Velho Chico.

As águas reconhecem suas chegadas, as águas gostam de suas presenças, as águas também cantam o canto das lavadeiras, pois sabem que aqueles versos são ao seu leito dedicados. Os horizontes de montes e serras, os azuis que passam espelhados, as canoas sonolentas ao redor, os animais que pastejam de lado a outro, todo aquele que vem e que passa, tudo se encanta com aqueles versos que se misturam às águas e sobem aos espaços, com a poesia do canto das lavadeiras. “Meu coração de canoa zarpou, florido e perfumado nas águas navegou, até chegar na ribeira do rio e encontrar meu amor. Me leva meu amor nas águas, a saudade tanta quer me encher de mágoas. Me leva meu amor assim, navegar nos seus braços em amor sem fim...”. 

E bate a camisa, enxagua a calça, e vai entoando: “São Francisco meu rio amado, de longe vem em passo remansado, vem tão velho e tão novo como se fosse um menino, vem abençoar seu povo e cumprir seu destino...”. E eu, eu apenas observando da margem do rio, logo me vejo molhado no olhar e maravilhado com tanta singeleza da vida ribeira.

 
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Lá no meu sertão...


A fé sertaneja...






A lição (Poesia)


A lição


Se eu entristecer e chorar
não quero lenço nem alento ao desvão
quero que a tristeza me faça navegar
nas águas indóceis deste meu coração
 
se cada lágrima não trouxer a lição
que não vale a pena sofrer por amor
melhor transbordar na fúria da paixão
e acostumar com o punhal e com a dor
 
se o sofrimento não trouxer remissão
fazendo erguer o que se prostra ao chão
melhor fugir das garras do amor
ou beber do fel que no cálice restou.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - vacina


*Rangel Alves da Costa



Burrices. Incoerências. Punhal contra o próprio peito. Ora, se pago caro um plano de saúde para o caso de adoecer, logicamente com medo de morrer, então por que diria não a uma vacina que vem como salvaguarda da vida? Se estou com dor de cabeça, procuro um remédio. E se nada encontro, logo procuro uma farmácia, e tudo isso para acabar com a dor passageira, e vou me negar a tomar uma vacina que pode a vida salvar? Se tudo faço para não adoecer, não saio na chuva para não gripar, não me exponho demasiadamente ao sol para evitar problemas, tenho medo de escorregar e cair, evito os perigos que as provocam, e então por que eu diria não que vem como escudo contra as ameaças de um vírus medonho? Pensar diferente é como imaginar que remédio presta, que a medicina salva, que a ciência traz na bula um viver melhor, menos a vacina. Negar a vacina, negar a sua necessidade, negar a sua urgência na vida de cada um, é também negar a si mesmo. Se na infância eu chorava por medo da vacina no postinho de saúde, agora eu até posso chorar porque não chega logo a minha vez de ser vacinado.

 
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

POÇO REDONDO DO CANGAÇO


*Rangel Alves da Costa


Desde o ano de 1929, quando Lampião e pequeno grupo de cangaceiros despontaram nas estradas empoeiradas do arruado, a pedra fundamental do cangaço foi fincada para a eternidade na história dos sertões sergipanos.

Daí em diante, Poço Redondo passou a escrever sua própria saga na história do banditismo nordestino, principalmente pela grande quantidade de filhos da terra que se bandearam para as hostes cangaceiras e pelos inúmeros coiteiros que passaram a arregimentar - com zelo e até devoção - as investidas do bando na região.

E daí em diante também a escrita induvidosa situando Poço Redondo no patamar da história do cangaço. Ora, somente a quantidade de filhos da terra que partiram nos passos de Lampião já é algo espantoso. Nada menos que trinta e quatro, segundo estudos publicados por Alcino Alves Costa.

Os seguintes homens: Sabiá (João Preto), Canário (Bernardino Rocha), Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel Marques da Silva), Delicado (João Mulatinho. irmão de Adília de Canário), Demudado (Zé Neco), Coidado (Augusto), Cajazeira (José Francisco do Nascimento - Zé de Julião), Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro (Du, Gumercindo e Antônio, irmãos de Sila); Elétrico, filho de Pedro Miguel; Lavandeira, Penedinho, Bom de Vera (Luís Caibreiro), Beija Flor (Alfredo Quirino), os irmãos Moeda e Alecrim (João e Zé Rosa), os irmãos Sabonete e Borboleta (Manoel e João Rosa), os irmãos Quina-Quina e Ponto Fino (Jonas e José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo (Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos), Azulão (Luís Maurício da Silva), e Santa Cruz.

As mulheres: Sila (Ilda Ribeiro de Souza, companheira de Zé Sereno) Adília, companheira de Canário), Enedina (esposa de Cajazeira, a única do bando que era realmente casada), Dinda (companheira de Delicado) Rosinha (companheira de Mariano), Áurea (companheira de Mané Moreno, o da Bahia) e Adelaide (companheira de Criança e irmã de Rosinha e prima de Áurea).

Outros nomes, contudo, ainda serão confirmados, elevando tal número de filhos da terra que deixaram seus lares matutos para a difícil e perigosa vida nos carrascais nordestinos. Num tempo em que se dizia que em Poço Redondo quem não fosse cangaceiro era coiteiro (assertiva aproximada a uma grande verdade), tal exemplificação estava no grande número de sertanejos que acobertava e ajudava na sobrevivência do bando na região, ora levando mantimentos ora guardando segredos, levando missivas e recados, além de outras serventias, num tipo singular de cangaço.

Foi Poço Redondo a localidade que mais colocou à disposição do cangaço filhos na função de coiteiros. Grandes servidores dos coitos foram Mané Félix, Adauto Félix, Lourival Félix, Erasmo Félix (todos parentes e da região beiradeira de Cajueiro), Messias Caduda e muitos outros. Em Poço Redondo não havia coronéis nem portentosos latifundiários que tivessem pactuado com Lampião o fornecimento de armas, dinheiro ou interesses políticos e estratégicos.

A força do coiterismo na região estava na escolha feita (ou forçadamente feita): servir ao mal ou ao menos mal. Temiam as investidas do cangaço, mas temiam muito mais a chegada das volantes com suas extorsões, arrogâncias e brutalidades. Na concepção das forças volantes, todo sertanejo era pactuado com o cangaço e por isso merecia sofrer, ainda que muitos de seus comandantes fossem amigos e até protetores de Lampião.

Também em Poço Redondo marcos históricos surpreendentes na história cangaceira, locais de combates, de mortes, de tocaias e emboscadas, e também do fim do cangaço em 38, na Gruta do Angico. Em 32, na Fazenda Maranduba, ocorreu o segundo maior combate entre cangaceiros e volantes. A estratégia de Lampião venceu os egoísmos e discordâncias de dois comandantes: o pernambucano Mané Neto e o baiano Liberato de Carvalho. Dizem até que Liberato de Carvalho, irmão do coronel João Maria de Carvalho da Serra Negra, ajudou o cangaceiro maior em sua empreitada. Coisas que dizem. Foi também em Poço Redondo que o cangaço se findou a 28 de julho de 38, com a chacina de Angico. Cinco cangaceiros de Poço Redondo morreram naquela fatídica manhã: Enedina, os irmãos Moeda e Alecrim, Mergulhão e Elétrico.

Ao longo dos 14 km da Estrada Histórica Antônio Conselheiro (Estrada de Curralinho), há os marcos históricos da Cruz dos Soldados (local de morte dos soldados Zé Vicente e Sisi, vingança perpetrada por Corisco e Mané Moreno e seus comandados, numa desforra pela morte do cangaceiro Pau Ferro nas Quiribas, também em Poço Redondo), o marco da morte de Canário (morto à traição pelo também cangaceiro Penedinho, próximo aos beirais da estrada, na fazenda Cururipe), o marco de Antônio Canela (um sertanejo que foi morto pelo subgrupo de Mané Moreno, após ter falado o que não devia sobre Lampião - “Se Lampião aparecer aqui eu arranco a cabeça”. Acabaram arrancando a dele).

Ao lado da mesma estrada, o marco onde foi encontrado o corpo do ex-cangaceiro Cajazeira, Zé de Julião). De triste recordação foi a investida do cangaceiro Gato na região da fazenda São Clemente, deixando o terrível rastro de sangue e sete vidas sertanejas inocentemente ceifadas. Mas em Poço Redondo há muito mais da história cangaceira, a exemplo do Coito da Pia das Panelas, local de morte das cangaceiras Lídia e Rosinha (no riacho do Quatarvo, logo ao lado do coito).

E mais, muito mais da história cangaceira está fincado em Poço Redondo. Salientando-se, por fim, que foi em Poço Redondo onde nasceu e viveu um dos maiores pesquisadores e escritores da história do cangaço: Alcino Alves Costa.


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Lá no meu sertão...


Sorriso guardado em embornal...




Confissão (Poesia)


Confissão

 
Acaso compreendesse
a tanta saudade que sinto
não ficaria assim distante
mesmo estando ao meu lado
 
se entendesse o meu jeito
de mostrar quanto amo
saberia que minha mão te procura
e o meu corpo busca o seu calor
 
se avistasse em mim
o que tenho e guardo no coração
não precisaria ouvir que te amo
não precisaria confessar em poema.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - no alto do monte, como um solitário monge...


*Rangel Alves da Costa

 

Não há meio termo entre o alto e o chão. Ou se está lá ou se está aqui, no reles do nada. Olhar adiante, onde as pessoas caminham entre seus inimigos, entre estranhezas, torpezas e falsidades, é seguir a lugar nenhum. Olhar para o alto, para o cume do monte, lá nas alturas perto do céu, é como procurar asas para voar. Então resta fechar a porta e seguir, passo a passo, levando um cajado à mão, e subir e subir os degraus arenosos do monte. Quanto cansaço na caminhada, mas quanta esperança boa no coração. O mundo frio, violento e voraz, vai se distanciando a cada degrau subido. Tudo vai ficando pequeno demais lá embaixo, como é a pequenez do mundo lá embaixo. O cajado parece encorajar na subida. Um pássaro surge entre as nuvens para pousar ao ombro. Um ar celestial, cheirando a verdor e a silêncio, vai tomando os espaços. E de repente o cume, o ponto mais alto do cume. Mas, para espanto, não estava sozinho. Ali um velho senhor descansava seus cabelos longos e sua barba alongada e branca sobre a mudez instigante das horas. Ele erguia a mão e nela trazia um pássaro. Erguia outra mão e nela trazia uma nuvem. Não olhou para o visitante recém-chegado, apenas dizendo: Se veio encontrar o Senhor, então tome o meu lugar. Mais ao alto estarei quando me chamar!


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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A DEVOÇÃO NASCIDA DO SANGUE DERRAMADO PELO CANGAÇO: AS SEPULTURAS DE JOÃO DE CLEMENTE E ZÉ BONITINHO


*Rangel Alves da Costa



Perante a fé e os mistérios das crenças e devoções sertanejas, locais onde foram mortos ou sepultados inocentes, principalmente se vitimados por descomunal violência, vão, ao passar dos anos, sendo vistos como verdadeiros altares para milagres.

Tais locais se tornam centros de preces, de promessas e de busca de contato com as forças sagradas. E também locais de recebimento de ex-votos (objetos pessoais depositados como prova e agradecimento pelas graças alcançadas).

Por isso mesmo que não raro, pelas vastidões sertanejas, debaixo de baraúnas, umbuzeiros e ou mesmo num pé de pau já carcomido de tempo, o encontro com cruzes ladeadas por miniaturas talhadas de mãos, de cabeças, de pernas ou outros membros. São as provas da fé, da promessa e da crença na cura.

Em tais locais, também o sinal de que ali, no passado, ou ocorreu uma tragédia ou sua vítima jaz entre as areias de seu chão. Assim ocorreu, por exemplo, nas Cruzes dos Soldados, na Estrada Histórica Antônio Conselheiro (Estrada de Curralinho), em Poço Redondo, sertão sergipano.

No local onde os inocentes soldados Zé Vicente e Sisi foram tocaiados e mortos pelos subgrupos de Corisco e Mané Moreno, como cega vingança pela morte do cangaceiro Pau Ferro, a qualquer momento podem ser avistadas as cruzes como marcos da tragédia, mas também os ex-votos ao lado deixados. São muitos os locais dessa instigante fé sertões adentro.

Outro exemplo, também em Poço Redondo, pode ser avistado em frente à igrejinha de São Clemente, na localidade quilombola de São Clemente, cuja antiga sede da propriedade (ao lado da capela) foi palco de uma tragédia de terríveis e indescritíveis dimensões.

Neste local foram mortos, pelas sangrentas mãos de bandoleiros liderados pelo impiedoso e perverso cangaceiro Gato, dois sertanejos: João (o pai Clemente e o irmão Doroteu já haviam sido mortos há instantes atrás na Fazenda Pelada) e Zé Bonitinho.

Saliente-se que estas foram as duas últimas vítimas de uma chacina, num só percurso de ódio e maldade levado a efeito pelo citado Gato, bem como seus acompanhantes, os cangaceiros Azulão, Medalha, Cajueiro e Suspeita.

A cangaceirama, após o sumiço de umas selas e uns arreios enterrados nas proximidades da Fazenda Couro (no lado baiano, logo após um riacho que faz divisa com Sergipe), recebeu ordens de Lampião para seguir no encalço dos responsáveis (Temístocles e um amigo) pela entrega dos couros à polícia baiana.

Mas toda perseguição ocorreu no lado sergipano, nas terras de Poço Redondo. Ordens recebidas, Gato e seus sequazes partiram com odiosa cegueira e sangrenta voracidade. O problema foi que a vingança passou a ser perpetrada contra qualquer sertanejo que fosse encontrado sozinho ou em suas casinholas de meio de mato.

Sete sertanejos foram mortos, sendo que dois destes na Fazenda São Clemente, último ponto de sangria da fúria animalesca dos bandoleiros. Os últimos vitimados foram Zé Bonitinho, um doidinho que morava na região, e João de Clemente, trazido à força enquanto seu pai e seu irmão jaziam mortos logo atrás.

Zé Bonitinho, encontrado nos beirais da estrada e forçado a seguir a fúria, teve a cabeça decepada num batente, enquanto João foi morto a tiros e já quando os animalescos cangaceiros haviam se dado “por satisfeitos”. Os dois foram enterrados próximo ao local da tragédia, pois seus corpos sepultados debaixo de um pé de pau defronte à capelinha.

Ainda hoje o visitante encontra o exato local dos sepultamentos, vez que há cumes de terra e pedras espalhadas acima e ao redor. E também ex-votos, figuras antigas de santos, restos de molduras e outras demonstrações de devoção e de promessas feitas perante os inocentes sertanejos ali sepultados. O mês era junho, o ano era 1932.

Oitenta e nove anos depois, nas sepulturas e nos ex-votos as marcas da tragédia e também da devoção aos vitimados pelo impiedoso cangaço. Ao largo dos anos, contudo, a dor familiar foi sendo alentada pelo conterrâneo sertanejo e os mistérios de sua fé. Aqueles mortos, por terem sido vitimados em inocência, foram como que santificados pela crença sertaneja.

Uma fé nascida da dor, transformada em devoção e cativada na certeza da intercessão daqueles que ali repousam para a eternidade. Daí que vela são acesas, promessas são feitas, ex-votos são colocados ao lado das cruzes. E se assim acontece, no sertanejo a certeza de um poder maior além dos túmulos.

 
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Lá no meu sertão...


Viver, sentir o Sertão...



O céu é azul (Poesia)


O céu é azul

 
O céu é azul
porque amo
e o céu é azul
               
minha paz
faz o céu
ser azul
 
troveja
nuvens escurecem
um tempo sombrio
 
mas eu amo
e tenho paz
e o céu é azul
 
está no coração
o pincel do meu céu
e ele é azul.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - o solitário e o cálice de veneno


*Rangel Alves da Costa

 

A solidão dói, apavora, faz enlouquecer. Solidão guardada no tempo, escondida no quarto, de porta e janelas fechadas. Solidão de não ter com quem falar e sequer olhar. Solidão de não ter companhia para dividir sua dor nem pedir que traga logo o punhal. Solidão de não ter boca para beijar, de não ter corpo para abraçar, de não ter a nudez do outro para admirar. E amar. Solidão que só pede lembrança, só pede saudade, só pede revivências das ilusões do nada tido. Chove lá fora e os pingos vão descendo pelas frestas da alma. Uma terrível escuridão. A vela acesa apagou sozinha. Não há mais vinho, não há mais uísque, não há uma aguardente sequer. O cálice está logo ali: vazio. Acende a vela e procura o cálice. O veneno vai sendo despejado aos poucos. Surge a repentina decisão de beber, de sorver todo o veneno no cálice despejado. Olha um retrato na parede e chora uma lágrima de despedida. Escreve seu epitáfio num pedaço de papel: Nada além do que nunca fui! Seu olhar se volta para o cálice e sua mão trêmula vai ao seu encontro. Fecha os olhos, coloca as mãos na cabeça, chora. Dá um urro de dor e de agonia. Espantosamente, num salto corre até a janela e a abre com toda a fúria. E mais espantosamente ainda, de lá de cima, do oitavo andar, lança o cálice com o veneno. Mas no instante seguinte lança o seu corpo no ar, com a mão estendida para o nada, e vai espalhando sua solidão entre adeuses molhados.

 
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domingo, 3 de janeiro de 2021

A PERVERSIDADE DO CANGACEIRO GATO E A CABEÇA DO DOIDINHO DECEPADA NO BATENTE


*Rangel Alves da Costa


O batente era outro, pois de madeira, mas o local continua com a mesma feição daqueles terríveis idos de 1932. Ao passar dos anos, aquela terrível marca logo à entrada da casa principal da Fazenda São Clemente (então propriedade do afamado João Maria de Carvalho da Serra Negra, e hoje reconhecida como terra quilombola e parte do Quilombo Serra da Guia, em Poço Redondo, sertão sergipano), continua dolorosa demais na memória sertaneja.

Na São Clemente o testemunho sangrento do desfecho de um dos episódios mais covardes e cruéis da história do cangaceiro, e tendo como vil e principal protagonista o cangaceiro Gato. Nascido na região do Raso da Catarina, na Bahia, de descendência indígena (da tribo pankararé), o futuro cangaceiro foi batizado com o nome de Santílio Barros. No cangaço teve Inacinha como companheira. Nos anais do cangaço, ainda hoje é tido como um dos mais violentos e sedentos de sangue. E isto será demonstrado na triste saga ora relatada.

Conforme assinalado, o batente de madeira foi trocado por um mais baixo de cimento, mas a barbaridade cangaceira não pôde ser removida.  Segundo a moradora atual, o batente foi mudado e a madeira guardada por alguém que deveria ter conhecimento de sua importância história. Ainda não sabe quem, contudo. Mas os fatos que redundaram em tragédia de inimagináveis proporções assim aconteceram:

Depois de se afastar das terras baianas e adentrar em Sergipe, Lampião e seu bando desmontam dos animais e o chefe manda que as selas e os arreios sejam escondidos para despistar de possível incursão de volantes na região. Enterrados debaixo de folhagens tais apetrechos sertanejos, eis que um rapazinho chamado Temístocles, morador das redondezas (na Fazenda Couro, do outro lado do riacho que divide Sergipe e Bahia), conhecedor de cada passo e de cada segredo daquela mataria, estranhou quando avistou aquela suspeita arrumação de folhagens entremeadas de terra.

O passo seguinte foi querer saber o que ali estava enterrado, e então encontrou os pertences cangaceiros. Não só encontrou como foi logo dar conhecimento a seu genitor do ocorrido. Seu pai, sem saber o que fazer, procurou ajuda perante a vizinhança, até que um último aconselhamento prevaleceu: o rapaz deveria desenterrar os objetos e imediatamente levá-los até a presença do delegado de Serra Negra, na Bahia.

Entretanto, Totonho, um daqueles que haviam dito que o melhor a ser feito seria levar os objetos até a delegacia, depois acabou contanto tudo a Lampião. Quando o Capitão, já furioso, campeia a região em busca de informações sobre o paradeiro dos apetrechos, então fica sabendo que Temístocles e outro amigo os desenterraram e foram entregar ao delegado João Batista de Carvalho, que, aliás, era irmão do Coronel João Maria de Carvalho e do Comandante de Volante Liberato de Carvalho.

Foi quando Lampião virou na gota serena, no raio da silibrina. Enfurecido, soltando fogo pelas ventas, no instante seguinte já estava ordenando o início de uma das maiores chacinas de inocentes da história sertaneja. O cangaceiro Gato foi o escolhido para comandar a sangria. Seus companheiros de atrocidades foram Azulão, Medalha, Cajueiro e Suspeita. Com as ordens recebidas, foram cortando vereda e dizimando vidas.

Passam na Fazenda Monte Azul e torturam uma família inteira, levando seu proprietário como prisioneiro amarrado a um animal. Chegam à Fazenda Santo Antônio e, como não encontram moradores, então matam animais e destroem o que podem. Despontam na Fazenda Lagoa do Capim, recolhem dinheiro e levam também prisioneiros o dono da propriedade e seu filho. Adiante, decidem matar o primeiro prisioneiro que, exaurido pelo sofrimento, já implorava para ser logo morto. No mesmo instante matam também o menino a tiro.

Os algozes seguem caminho levando prisioneiro o pai do garoto assassinado e chegam na Fazenda Pelada, já levando mais um prisioneiro: Zé Bonitinho, um demente encontrado na estrada. Na Pelada, todos da família são logo feitos prisioneiros. Clemente, o patriarca, foi o primeiro a ser morto. Em seguida, seu filho Doroteu é varado de balas. Aos dois mortos, juntou-se também Alfredo, o pai do garoto assassinado. Mas a sede de sangue de Gato e seus bestiais companheiros continua.

Saem da Pelada em direção à Fazenda São Clemente. Com eles levam Zé Bonitinho e um filho do assassinado Clemente. Não encontram ninguém na sede da fazenda, pois todos haviam fugido. Desapontado e querendo mais sangue, então Gato decide que a hora do doidinho Zé Bonitinho havia chegado. Manda o demente deitar e colocar a cabeça no batente na porta e avança com o facão. Golpe certeiro, sangue espargindo por todo lugar. E, por último, o filho de Clemente recebeu sua sentença de morte.

João de Clemente foi a sétima vítima daquele percurso onde a sanha cangaceiro mostrou o seu lado mais perverso e cruel.


Escritor
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Lá no meu sertão...



Letra a letra...



Canção para um amor (Poesia)


Canção para um amor

Oh meu amor
amor sem fim
venha pra mim
perto de mim
dentro de mim
 
venha ser flor
do meu jardim
vem ser meu anjo
meu querubim
vem ser meu ser
dentro de mim
 
o vento sopra
a chuva vem
tão triste assim
na solidão
sem fim
sem ter você
em mim.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - o meu mundo e nada mais


*Rangel Alves da Costa



Aos poucos vou confirmando a certeza contida nos versos de Guilherme Arantes, na música “Meu mundo e nada mais”: “Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto à meia-noite, à meia luz, sonhando! Daria tudo por meu mundo e nada mais...”. Verdade, verdades. O cansaço do mundo nos traz a vontade do recolhimento, a desordem social nos traz o desejo de afastamento total. O que interessa, o que traz alegria, o que vale a pena em meio ao caos social, a baderna política, a tirania governamental, ao tanto faz de um povo que não se respeita e nem respeita os demais? Um mundo de irresponsáveis, de fanatizados dos genocídios, de ensandecidos que se presumem pessoas normais. Não adianta querer viver meio a lobos famintos. Não adianta querer ter paz perante uma mala de carro aberta com música pornográfica na maior altura. Não adianta querer ser bom ou cordial perante feras humanas. Bom mesmo seria a clausura de um mosteiro, o silêncio - ainda que mofado - de uma biblioteca medieval, a paz na altura mais alta de uma montanha. Mas impossível de ser assim. O que resta a fazer é buscar, de qualquer forma, um modo de reencontrar-me comigo mesmo após a porta fechada. Ou, como diz a música, eu queria tanto estar no escuro do meu quarto à meia-noite, à meia luz, sonhando! Daria tudo por meu mundo e nada mais...

 
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