SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

SALMO PARA MINHA BÍBLIA

SALMO PARA MINHA BÍBLIA

Senhor do amor e do perdão,
O amor que me fizeste ter no coração,
Como filho humilde dessa tribo
Imensa que se faz nação,
Parece ser insuficiente para dividir
Com o estranho, para repartir com o irmão.
Perdoa-me então, Senhor,
Por ser preciso suplicar
Para engradecer meu coração,
Fazendo com que nele também caiba
O inimigo, o impuro, o descrente cristão,
Pois a colheita que temos a fazer
Exige de todos a união
Para molhar o trigo e fazer o pão.
E mitigada a fome e saciada a sede,
Ter força e coragem para seguir pela vida
Pregando a Vossa lição.
Eu, o velho e o novo irmão
Unidos pela tua benção,
Na Igreja do meu coração.

Rangel Alves da Costa

domingo, 20 de dezembro de 2009

Natureza morta

Natureza morta

Esquecida na parede triste,
como se fosse paisagem,
a natureza morta é arte.
Adiante da porta,
Até onde os olhos enxerguem,
A natureza morta é morte.


Rangel Alves da Costa

NO SERTÃO

NO SERTÃO

No sertão, nas veias corre suor; a pele ressequida lembra massapé rachado depois que o sol bate; a boca não fala bonito, não diz meu amor, não mais reclama; as mãos ficam em dúvida se acenam um adeus ou oram a Deus; o corpo de cada um é pé de cacto, xique-xique, mandacaru; os olhos, estes já não existem, se não há o que olhar; as lágrimas, há que saber se ainda podem molhar. Tudo secou, murchou, morreu, menos o próprio sertão, que ainda insiste em só querer morrer amanhã.

Rangel Alves da Costa

DÚVIDAS

DÚVIDAS

Rangel Alves da Costa*


Um dia, o sol duvidou da chuva, a lua duvidou da sombra, a manhã duvidou da escuridão.
Na dúvida, todos, sol, lua e manhã, duvidaram ainda que alguém ou algum ser pudesse afirmar que estavam enganados ou mentindo. E assim, carregando consigo suas certezas induvidosas, começaram a espalhar aos quatro cantos que, a partir daquele momento, estariam condenados com a pena de cegueira todos aqueles que ousassem falar em chuva, em sombra e em escuridão.
O medo não impediu que alguém os desafiasse. Assim, um jovem gritou pra todo mundo ouvir que, naquela manhã, choveu forte enquanto o sol brilhava mais forte; que a chuva veio forte porque as nuvens da noite passeavam carregadas sobre a sombra da lua na terra; e mais, que em plena manhã ninguém sabia se era noite ou era dia, pois a escuridão ainda tomava conta de tudo.
E gritou ainda mais alto: a lua encontrou a sombra, a manhã se misturou com a escuridão e o sol teve que iluminar toda a chuva que caiu.
O sol, a lua e a manhã, cada um ao seu tempo, logo ficaram sabendo de tal afronta. Precisavam castigar imediatamente aquele que duvidou de suas ditas verdades. Precisavam reunir-se para discutir qual o modo mais cruel de aplicar a pena. Mas como, se o sol enfraquece diante da lua e a lua esmorece diante da manhã?
E foi então que surgiu, de verdade, uma dúvida cruel entre os três: o que fazer para aplicar a pena e assim manter suas hegemonias e poderes? Decidiram enviar emissários para se reunir quando o tempo estivesse nublado. Este seria o melhor momento, pois na ocasião nenhum poderia prevalecer sobre o outro. Enviaram então um raio de sol, um brilho da lua e uma cor da manhã.
Com o tempo nublado, com a própria natureza em dúvida sobre o estado normal das coisas, os três enviados se encontraram entre céu e terra. Do encontro, numa mistura de raio, de brilho e de cor, surgiu algo tão estranho que todos que enxergavam da terra duvidavam o que poderia ser.
E nasceu um elemento totalmente novo na natureza, mas que aparece somente quando a descrença começa a crescer entre os homens e só pode vê-lo a pessoa que acredita na existência de elementos outros que desafiam a própria existência.
Para os que acreditam, tal elemento passou a ser conhecido como mistério.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

SOBRE TEMPO, TARDES E FOTOGRAFIAS

SOBRE TEMPO, TARDES E FOTOGRAFIAS

Rangel Alves da Costa*


Sempre há um fim de tarde no dia e na vida da gente. É ao cair da tarde que brota a filosofia, ressurgem mais fortemente as lembranças e recordações, bate a saudade no peito e dá uma vontade danada de pedir licença ao tempo para retroceder um pouco e nos permitir destruir, refazer ou construir melhor.
Ledo engano quem espera do tempo essa chance. Silenciosamente ele avança sem pedir licença ao destino e se impõe todas as vezes que nos olhamos no espelho. Implacável é esse tempo que não quer ouvir nossos rogos e orações e marca com ferro o que somos hoje. “Se um dia eu pudesse ter meu passado inteiro...”, diz a letra da música. Porém, ledo engano. Se eu quisesse voltar dois minutos e reiniciar esse texto não teria chance; tenho que recomeçar sempre do momento presente.
Por ser assim, irretratável e decidido, é que o tempo é culpado por muito sofrimento que se alastra pelos finais de tarde e avança noite adentro. O que não foi bem feito ontem, a briga impensada que terminou um namoro, o que teria de ser dito e não foi, os cuidados não tomados, as negligências que causaram graves consequências, a decisão errada, os muitos erros praticados, tudo isso chega de mansinho à mente, começa a torturar o pensamento e, por não poder voltar através e fazer a coisa certa, agir corretamente, é que recai o sofrimento, amargura o peito e imediatamente reflete nos olhos: a primeira lágrima no final da tarde. E serão muitas, a depender do conteúdo do baú da memória. Tudo culpa do tempo, que no máximo nos permite imaginar o que passou. E isso para aumentar o sofrimento.
Existem, particularmente, certas situações, fatos, pessoas e coisas que ficam adormecidas durante grande parte do dia para surgirem como ventania e temporal nos finais da tarde. Os entes queridos que partiram desta vida, a infância e adolescência onde tudo era permitido, a vida feliz em outro lugar, a jovem meiga e de olhar triste que fazia alegrar o coração, as muitas perguntas feitas e as respostas que jamais vieram, nem nesses finais de tarde.
Se chove lá fora e o tempo entristece mais ainda, parece abrir uma porta onde não nos reconhecemos mais no presente. Tudo é passado. Não basta tomar uma taça de vinho, dobrar a dose de uísque sem gelo, mesmo assim o gosto que se tem pela boca é o acre sabor da lágrima. Os olhos e o vidro da janela turvam pela enxurrada interna e externa. Onde está você agora? Como está você agora? Bem que poderíamos rever tudo, mas é tarde.
Por mais que os desgastados álbuns sejam rebuscados no fundo da gaveta, por mais que a caixa de cartas e lembranças escritas sejam retirados do armário, o que realmente martiriza as pessoas nesses finais de tarde de chuva, vinho, recordações e lágrimas, são as pessoas e os momentos acumulados ao longo do tempo no coração. As chaves desse baú de histórias tristes, momentos de alegrias e alicerces inacabados aparecem sempre nos finais das tardes, e abrem os cadeados do coração quando a chuva começa a cair. Seria melhor um cálice de vinho ou um uísque duplo? Tanto faz, desde que o lenço esteja por perto.
Se amanhecemos e decidimos que naquela tarde não haverá lugar para recordações e tristezas é sinal de que começamos a aprender com o passado e a aceitá-lo sem maiores sofrimentos. Hoje amanheci com essa intenção, idealizando o dia voltado somente para o presente. Não haveria de ser algo que modificasse muito a minha rotina.
Ao levantar, uma das minhas primeiras atitudes foi colocar o CD de Enya. Poderia ser Celtic Woman, pois a beleza musical e as vozes nos erguendo ao espaço são deliciosamente iguais. Ouvi Now We Are Free, depois Amarantine, e quando comecei a ouvir Only Time já estava, sem querer, olhando fixamente para uma fotografia emoldurada na parede. A imagem em preto e branco já estava parecendo velha, perdendo a cor, tornando-se amarelada e tirando o brilho do rosto daquele menino que parecia estar alegre. Esse menino era eu. O outro eu é que já estava triste.
Não precisei recorrer ao espelho nas proximidades para ter a certeza das marcas do tempo. Não sei bem quantos anos tenho, mas comparando a fotografia com a feição do presente fica a certeza de que o pintor do destino, na restauração constante de sua obra, foi acrescentando traços que me tornaram triste. Pelos olhos, um olhar de distância infinita; na boca, a metáfora de um sorriso que não existe mais; pelos cabelos, como se a neve estivesse presente na aridez escaldante.
Eu era feliz e não sabia. A fotografia de ontem diz tudo; o que sou agora não me deixa mentir. Mas não sou infeliz, pelo contrário. Ser triste não significa ser infeliz. O problema é que a felicidade construída ao longo do dia é pausada quando vem a tarde, quando começa a chover, quando chegam as lembranças e recordações. É o pensamento da felicidade de ontem que me deixa um pouco mais triste hoje.
Mas ainda é cedo. A fotografia fica na parede e eu sigo na vida, sendo fotografado pelo tempo e com a certeza de que as imagens retornarão mais tarde, qualquer dia desses, sempre ao entardecer.

Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

www.jornaldacidade.netImprimir
10/12/2009 07:00:00

Poço Redondo - A saga de um povo
Texto: GILFRANCISCO (Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe gilfrancisco.santos@gmail.com)

Povoação que pertencia a Porto da Folha foi elevada à categoria de cidade em 1956, Poço Redondo, a 185 quilômetros de Aracaju, apesar da seca que assola o município, tem história, lugares que valem a pena ser conhecidos, como a Grota de Angico, onde Lampião morreu, ou o Morro da Letra, nas proximidades do Povoado Santa Rosa de Ermírio, cujas inscrições pré-históricas, em coloração avermelhada, ainda hoje não foram decifradas.

A história de Poço Redondo mudou totalmente na época do cangaço. Segundo Alcino Alves, dois acontecimentos do cangaço marcaram profundamente a vida dos habitantes do município: “Nenhum lugar, na vastidão dos campos sertanejos, viveu agonia tão grande e provocações tão gigantescas como o pequenino núcleo das brenhas do Riacho Jacaré. Por duas vezes, toda a população do povoado abandonou suas casas com medo da violência dos cangaceiros e da volante.”

Autor de uma série de livros, entre eles: Sertão, viola e amor; Lampião além da versão; Preces ao Velho Chico; Maria do Sertão; Sertão, vaqueiros e heróis; Canoas - o caminho pelas águas; João dos Santos – O caçador da Curituba; O sertão de Lampião. Alcino Alves Costa (1940), político festejado, por três vezes prefeito de sua terra (Poço Redondo), local que deu ao bando de Lampião, 26 cangaceiros. Histórias estas ouvidas e absorvidas por Alcino, que passou a contá-las e escrevê-las. Poço Redondo – a saga de um povo -, são narrativas das coisas e da vida do sertão sergipano, sobretudo administrativas, relacionadas ao município.

Ao publicar esta obra, a Editora do Diário Oficial coloca à disposição do público sergipano, o importante trabalho do historiador autodidata Alcino Alves Costa, com isso busca contribuir para o resgate da memória de um dos mais expressivos municípios do Estado de Sergipe, principalmente pelo seu passado ligado à história do cangaço. Alcino é o mais conhecido explorador vivo da história de sua terra. Suas pesquisas e incursões na oralidade nos oferecem um indispensável documento de referência tanto dos fatos da política local, quanto da trajetória de grandes políticos sergipanos. São relatos da vida de um povo que luta para se firmar numa região de clima inóspito e belezas singulares.


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LIÇÃO DE AMOR

Não adjetivo o amor
Para não dizer sempre
Do amor infinito.
Não verbalizo o amor
Para não repetir sempre
Amei, amo, amarei.
Não uso pronome no amor
Para não substituir o teu nome
E dizer que é meu o teu amor.
Não substantivo o amor
Para nomeá-la unicamente
A mulher do meu amor.
Não sei do advérbio no amor
Porque sei que não existe
A negação e a dúvida no amor.
Na verdade, de todo esse amor
Que sinto e rudemente expresso
A gramática só me ensinou
A escrever amor.

Rangel Alves da Costa

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Rangel Alves da Costa


O mês de dezembro para mim lembra sempre um cartão de natal. Mesmo enfeitados e bonitos, com belas mensagens e lições, os cartões de natal são sempre tristes. Tristes porque no mês de dezembro, quando já nas proximidades do natal, chegam mais profundamente as recordações, os mistérios de se fazer o balanço da vida, as certezas do que poderia ser construído e não foi como esperávamos.
Agora lembro que o mês de dezembro lembra um cartão de natal. Apenas lembro porque esse ano esqueceram de me enviar uma mensagem natalina escrita. Talvez o carteiro tenha esquecido de entregar, mas a verdade é que esqueceram de mim neste natal. Mas o dezembro, o natal, a tristeza e a alegria, tudo acontece assim mesmo.
Agora sei que o carteiro não esqueceu meu cartão de natal. É que o Deus da minha fé não queria me ver mais entristecido do que sou. Sabia que os dezembros e os natais são árvores solitariamente enfeitadas, porém tristes. O Deus da minha fé conhece os meus limites e, por isso mesmo, achou por bem não provocar uma lágrima em cima do “boas festas” e “feliz ano novo”. Mas esse meu Deus a cada dia me envia mensagens e mostra-me um livro com mil páginas e mil lições, mas tudo escrito em poucas palavras. E estas dizem:
“Rangel, neste natal não era para você estar aqui e eu permiti que continuasse entre nós. Faz exatamente um ano que você ficou treze dias em coma, e todos lhe davam a morte enquanto Eu lhe concedia a chance de viver. E mesmo neste dezembro de tristezas e natal de recordações, você está aqui. Viva e tente não sofrer porque esse foi o ano de sofrimento de sua mãe, e ela não está mais aqui. VOCÊ ESTÁ AQUI.”