O POLÍTICO PERFEITO
Rangel Alves da Costa*
Política interiorana é coisa pra rir e chorar ao mesmo tempo, principalmente se diz respeito aos tempos mais antigos, quando as leis pareciam não alcançar aqueles espertos politicalhos e nem se falava em punição por crime eleitoral, prestação de contas ou qualquer coisa parecida. A lei era sempre ditada pela liderança mais forte e que fosse correligionário das malfadadas forças coronelistas do poder estadual.
Casos de politicagens existem que se tornaram verdadeiro folclore, hoje repassado de boca em boca como se ontem tudo fosse o maior absurdo. Parecem não enxergar bem o que se faz no presente. O que se fazia ontem ainda não está de todo esquecido e desconsiderado em sua prática. Pelo contrário, continuam fazendo às escondidas e só não fazem mais e abertamente com medo de serem flagrados.
Verdade é que a maioria dos políticos de hoje ainda segue as lições de antigamente, de outros tempos onde o pleito eleitoral ou o ato de votar era apenas uma parte menos importante diante do que já havia sido vergonhosamente trabalhado, urdido, comprado, forjado. Talvez sigam mesmo as valiosas práticas eleitoreiras levadas a cabo por um tal político perfeito que havia por lá.
Esse político perfeito fez história pela sua canalhice eleitoreira, ainda que seu currículo tenha sido até de melhor aroma do que muitos que hoje se dizem honestos. Daí que contam que numa dessas regiões sertão adentro havia essa genialidade política. Maior líder de suas fronteiras, não havia oposição que o superasse nas urnas. Já havia sido vereador e prefeito uma tantas vezes e tentava sentar na cadeira do legislativo estadual.
Possuía estratégias políticas mais que inteligentes, ainda que com feições coronelistas, clientelistas e assistencialistas. Coronelista porque se firmava com voz inflexível perante as autoridades com quem tratava, fosse delegado, juiz, deputado e até governador. O respeito que impunha o fazia temido demais. Contudo, o que mais pesava era o balaio de votos que possuía e transferia um a um, no contadinho.
O clientelismo dele era mais que original. Procurava saber direitinho quem da região ainda não lhe havia pedido algum favor, ainda não havia batido à sua porta para precisar disso ou daquilo. Se soubesse de algum nome que ainda não havia se submetido, então logo providenciava para que o outro entrasse em desgraça e ficasse totalmente è mercê de sua diabólica benevolência. Resolvido o problema, o cabra não havia mais como deixar de ser seu eleitor. Ele e a família em peso. O cabresto já havia sido lançado e não tinha mais jeito de sair daquele pasto.
O homem era também um desavergonhado assistencialista. Dificilmente havia na região uma pessoa que não estivesse usando uma dentadura, um óculo de grau, uma muleta, uma cadeira de rodas, uma peruca, que já não tivesse receita despachada, conta de mercearia paga, frente de casa pintada, roupa do corpo doada. Quem morresse faria uma falta danada pelo voto a menos, mas a família não deixaria de ter o caixão adequado. Depois se discutiria os termos da doação.
Não somente isso, pois a visão do político era tamanha que até contava com uma peculiar rede de assistência social, contando esta com parteira diuturnamente, arrancador de dentes, benzedeira, rezadeira, catimbozeira, pai e mãe de santo, vidente, forrozeiro e muito mais. Do que precisasse e lá estava o homem para servir. Dizem até que escondia nas suas terras gente muito perigosa, matadores e ladrões, e até contava com jagunços de prontidão para atender às necessidades dos amigos eleitoralmente mais poderosos.
Sua casa vivia cheia de gente necessitada ou porque já estava viciada em pedir pacote de sal e açúcar, e isso pra dizer o de menos. Todo dia mandava matar um animal diferente para encher a barriga de quem chegava por ali dizendo que estava com as tripas roncando. Um dia era um porco, noutro um carneiro ou ainda não sei quantas galinhas e capões. Tinha vez que mandava derrubar um boi e ainda assim não dava pra quem queria.
Mas o homem quase não tinha paz com tanta gente ao redor. Se por um lado havia a mendicância generalizada, de outro estavam os imprestáveis que tinha de suportar a qualquer custo. Eram dezenas de fofoqueiros, bajuladores, puxa-sacos, carpideiras da desgraça alheia, pessoas que iam ali contar mentira sobre os adversários para ver se amealhavam simpatia. Ele ouvia tudo e não dizia nada, mas depois ordenava investigação e se fosse mentira mandava dar uma surrada bem dada no mentiroso.
Tinha gente especialmente para viver de caderninho à mão para tomar nota do nome das pessoas que chegavam ali. No povoado tal tantos eleitores, na rua de cima e na rua de baixo mais tanto, lá pelas bandas do vai quem quer mais outro tanto, e assim por diante. Pelas estatísticas sempre atualizadas, não havia como não sufragar de goleada. Ainda assim tomava outras precauções, que era mandar distribuir dinheiro em notas só pela metade. A outra metade só depois do voto e da vitória.
Mas um dia aconteceu o impensável. O velho coronel, o pai dos pobres, o benfeitor, foi traído pelo povo e tal traição confirmada nas urnas. No povoado tal foi uma decepção, na rua de cima e na rua de baixo tomou de lavagem, e no restante o mesmo fracasso eleitoral. Por que tanto prestígio político tornado em nada de uma hora pra outra? Alguém haveria de perguntar.
Ora, aconteceu apenas o que sempre acontece quando se trata de povo eleitor. Quanto mais recebe mais trai, quanto mais é ajudado mais deixa de reconhecer o apoio dado, quando mais o político lhe compra o voto mais ficará sem este. E depois da derrota aquele velho político repensou suas estratégias e resolveu que seria o pior de todos, que perseguiria, faria maldades com todo mundo, mandaria passar o chicote.
E assim fez. E nunca mais perdeu uma eleição.
Poeta e cronista
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