SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

PELA ESTRADA, O CEGO E O SURDO...


*Rangel Alves da Costa

 

Pela estrada, seguem o cego e o surdo...

O cego: Nada consigo enxergar e espero que me ajude nessa caminhada...

O surdo: Não entendi muito bem o que disse, pois sou meio surdo, mas o que quiser saber pode me perguntar em voz alta...

O cego: Quem dera ser assim como você, que tudo vê e pode dizer o que é feio e o que bonito...

O surdo: Esquisito? Sim, tá tudo esquisito mesmo, e tá assim porque desmataram tudo. Como você tá vendo, quase não restou um só pé de pau em pé...

O cego: Não vejo. Minha manhã é na cor da noite, meu dia é no negrume da noite, minha noite é a mais noite das noites...

O surdo: Açoites, isso mesmo. O homem merece uns açoites pra aprender a ser mais homem e ser mais responsável. O sol já desce com fornalha vermelha...

O cego: Por falar em cor vermelha, eu queria demais saber como é o vermelho da cor vermelha. Também a cor amarela do amarelo. Só conheço a cor da noite...

O surdo. Pernoite? Nem pensar. Nada de pernoite, amigo. É muito perigoso pernoitar aqui. Os olhos da maldade e da violência estão por todo lugar...

O cego: Por falar em olhos, não conheço nem os meus. Penso que olhos são feitos de cor vermelha, amarela, azul, de muitas cores. É por isso que as pessoas sabem das cores...

O surdo: Disse bem: dores. Dores do mundo, isso mesmo. Vivemos num mundo de dor, amigo. Em cada passo se carrega um laço...

O cego: Por falar em passo, se eu seguir sozinho, caminhando e caminho, aonde vou parar? Será que o mundo tem fim?

O surdo: Jasmim não, que é flor bonita. Carmim também não, mas a flor mais espinhenta que existir. Mas também faz, pois tem gente que não sabe separar o joio do trigo...

O cego: Infelizmente não sei separar nem a flor nem o espinho. Um dia me disseram que um jardim não tem nada de flor nem de borboleta, pois apenas um lugar aonde muitos vão apenas para sentir o que não conseguem em meio a outros homens.

O surdo: Lobisomens, sim. Existe muito lobisomem por aí, e não somente em noite de breu, mas no clarão do dia e pela cidade. A gente pensa que é gente, mas é tudo lobisomem...

O cego: Acaso eu encontre um lobisomem, pra mim não tô vendo nada. Aliás, não vejo nada mesmo, só por ouvir dizer. Dizem que é muito perigoso...

O surdo: Dengoso, dengoso, dengoso nada. Dengoso é político safado, que chega perto de você com a maior santidade, mas para depois lhe dar o bote. Tudo jararaca, tudo cascavel...

O cego: Por falar em cobra, certa feita dizem que eu pisei em uma. Minha sorte foi que não era o meu calcanhar que ela estava esperando. Também ouvi dizer que cobra é bicho tão ruim que chega a morrer seca se o calcanhar que ela estiver esperando não passar. Só se satisfaz com o calcanhar de quem está esperando...

O surdo: Amando? Que amando que nada. Ninguém ama mais ninguém, muito menos namorado, e muito menos casado. Tem cada mulher bonita que parece uma flor, mas sem amor verdadeiro, sem amor no coração, sem amor para oferecer a ninguém...

O cego: Por falar em flor, flor é bonita mesmo? Mas não adianta me dizer. Não sei o que é bonito nem feio...

O surdo: Veio, e veio parecendo forte. A nuvem tá toda carregada. Vem chuva de trovada por aí. Ou a gente apressa o passo ou a estrada vai virar mar...

O cego: Mar, disse mar? Coisa boa, então vou ficar. Sempre quis, mas nunca estive nem sei o que é o mar. Então vou esperar o mar, vou ficar...

  

Escritor



Lá no meu Sertão...


No meu Sertão, Cavaleiros e Cavalhadas...






Secura na boca (Poesia)


Secura na boca

 
Meu lábio
este meu lábio em sequidão
é a pele em aridez
na solidão do sertão
 
sem lábio para beijar
somente a secura na boca
uma semente que não nasce
uma esperança tão pouca
 
um olhar se aproximando
como nuvem de trovoada
um lábio molhado em mim
a boca de minha amada.

 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – a vida que tenho é a vida que gosto...


*Rangel Alves da Costa

 

A vida que tenho é a vida que gosto. Andar pela rua, falar com o povo. Caminhar por aí, abraçar meu irmão sertanejo. Andar pelo mato, falar com o bicho. Chamar à porteira, no tamborete sentar. Falar com a terra, conversar com o bico, dialogar com as forças da natureza. Gosto de prosa, de proseado, de rebuscar coisas do baú. Gosto de ouvir os mais velhos e tentar ser ouvido pelos mais novos. E tudo andando por aí, feito andante em busca das boas palavras, dos sinceros olhares, dos cordiais e verdadeiros abertos de mão. Carro é bom, mas num tenho não, e de vidro escuro e fechado me escondo de tudo. Viver no luxo deve ser bom, mas num vivo não, não finjo o que não tenho pela falsa grandeza. Prefiro ser espelho do povo e no povo me espelhar, ser igual ao do mato vivendo na cidade. Prefiro os caminhos onde os olhares se avistam, as mãos se estendem, os braços se abraçam. Prefiro sentar num canto de calçada e ser o mais feliz do mundo quando passam e me cumprimentam, e dizem o meu nome: Rangel. Ou gritem ou assobiem, ou acenem, ou digam “ei!”.

 

Escritor
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A BESTA E OS BESTAS


*Rangel Alves da Costa

 

Com todas as feições do Apocalipse, a besta está aí. E está governando o Brasil. Sim, pois este presidente veio diretamente do reino das trevas para atormentar a vida da maioria dos brasileiros. Digo a maioria porque há uma minoria que alimenta o seu reino de trevas e pode ser denominada como os bestas da besta.

Só que há uma diferença em tal denominação. A besta governante citada é aquela mesma cheirando a enxofre, ainda na fervura do caldeirão das agonizantes escuridões, e que, se passando por gente, passou a aterrorizar o destino de muitos. Uma nação no abismo por causa de um governante sem escrúpulos, sem caráter, sem o mínimo espírito humano.

A besta que aí está é aquela surgiu das sombras perdidas com única missão de semear a maldade, a morte, a pobreza, a desesperança e as perseguições, na terra brasileira. Semear o sofrimento do povo é sua missão maior. Quanto mais o povo se submete e agoniza, mais a besta se sente feliz e realizada.

A besta é a própria maldição governando em tristes tempos. Os sinais da besta estão por todo lugar e nas mais diversas ações: o menosprezo pela vida humana, o tanto faz com a mortandade que prospera em tempos de pandemia, o negacionismo a tudo que possa salvar vidas. É a morte, o sofrimento, a agonia e a dor, o que interessa ao filho das trevas. E que se tornou governante brasileiro.

A insensibilidade, a mentira, desfaçatez, a ironia, tudo isso também faz parte da caracterização da besta. E qual governante se utiliza mais da mentira e da desfaçatez do que esta besta que está no poder? Sua crueldade é tamanha que faz da morte por culpa sua uma desculpa qualquer.

Mas a besta também é covarde. Aliás, a covardia é tamanha que sempre se ampara nos outros na tentativa de se proteger. Diz que tem um exército e daí começa a bradar: Por que meu exército, meu exército, meu exército... Mas como seu suposto exército nunca chega, então se acovarda e se recolhe para pensar na próxima maldade.

A propagação de ameaças é umas das atitudes mais reiteradas pela besta. Vou fechar tudo, diz. Vou escorraçar quem disser que meus filhos não são anjinhos. Vou fechar todo e qualquer poder que não esteja ao meu poder. Vou decretar que ou atende a vontade da besta ou deixará de existir. Já fechou tudo e nada foi fechado.

Mas a besta também gosta de estripulias para agradar os seus bestas. Gosta de confrontar a quem teme, gosta de jurar vingança a seus desafetos, gosta de dizer que vai revirar mundo para fazer sua vontade, mas depois vai colocar o rabinho entre as pernas e pedir arrego. Uma besta cuspindo na própria cara, esparramando fogo nas próprias ventas.

Mas, como dito, são os bestas que alimentam toda maldade e toda besteiras da besta. Um monte de bestas que acreditando na besta, então se inflama e exige a continuidade de tanta besteira que se vê cada dia. Mas quem são esses bestas da besta?

Os bestas da besta são os seus ideólogos, são os seus bajuladores, são aqueles fanatizados e pervertidos, são aqueles partidários que pregam a morte e a destruição da população. São os mentirosos de plantão que vivem alimentando desinformações através de fake news, na enlouquecida tentativa de permanência dos poderes da besta.

Os bestas da besta são aqueles que gostam de um cercadinho para aplaudir a presença da infâmia, da maldade em pessoa, do espírito das trevas. São aqueles que são capazes de matar em nome do mal que os alimenta. São violentos, preconceituosos, inimigos de cada um que não reze na cartilha da maldade de seu governante.

E assim a vida da maioria vai sendo infernizada pela presença da besta com seu séquito de bestas. E não há hóstia, exorcismo ou reza forte que dê jeito. A besta e os bestas só deixaram de atormentar tantas vidas através de um santo remédio: O voto. O voto que mande volta a besta para o seu fervente caldeirão.

 

Escritor
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Lá no meu Sertão...


O presente do passado...









Plumas (Poesia)


Plumas

 

Plumas
e brumas...
 
sopro de brisa
e asa leve
mas também
o ferro em fogo
 
ai meu coração
ao leito rumas
no voo em plumas
na ânsia de brumas
 
quer amar
mas tão leve
e tão pesado
é o amor
 
que voa
e cai
entre plumas
e brumas...
 

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – olhares, desejos, amores...


*Rangel Alves da Costa

 

Espelhar a vida através dos olhos teus. Quem dera, minha bela amada, que avistasse os olhos meus. Agora entristecidos, opacos, distantes e sem vida, os olhos meus já foram luz e brilho, já foram jardim em flor, já foram borboletas e colibris na festa do beijo sobre a pétala. Mas entristeceram desde que os olhos meus se distanciaram dos olhos teus. Aquelas tardes eram tão desejadas como o poeta espera pela lua e as estrelas. Você surgia e ainda ao longe perfumes tomavam os espaços. Um jardim mulher. Você se aproximava com olhos de mar e gaivotas voejando sobre os cabelos, e então o meu barco se desnorteava sem saber o que fazer por tanto amor. Eu queria gritar, eu queria implorar um instante, apenas um segundo para dizer de todo amor devotado. Mas se silenciava, contentando-me apenas em olhar e avistar seu jardim florido e seus olhos de mar. Até que um dia você sorrio, você sorrio pra mim. Até que um dia seu olhar se demorou sobre o meu olhar. Então eu gritei, mas um grito silencioso e emudecido. Mas eu sei que você ouviu minha palavra, o meu grito, o meu desejo. Eu sei por que a resposta veio depois. Já se distanciando, então você beijou na palma da mão e logo arremessou o seu gesto em minha direção. Eu senti o beijo. E o meu olhar, ávido para te encontrar, começou a voar, voar, voar... Voo de pássaro triste que ainda ecoa uma velha canção falando de olhares, desejos, amores...

 

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A MENINA DOENTE E O AMOR DE MÃE


*Rangel Alves da Costa

 

Já se disse – e com razão – que o verdadeiro amor é o de mãe. O ventre materno que nunca desaparta, o seio materno que nunca abandona, o afeto que enlaça e se entrelaça para toda vida. Sofre o sofrimento do filho, sorri a felicidade do filho.

Somente a mãe para deixar de ser em si, para ser o que foi gestado em sua cria. Para amar e perdoar, para compreender e ensinar. Para adoecer a enfermidade que o filho sinta, para preferir morrer a perder o que brotou.

Em 1884, o pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944), retratou em pintura a óleo uma realidade triste e angustiante, mas também amorosa e de profunda ternura. Na pintura, intitulada “A Menina Doente” (ou “A Mãe à Cabeceira da Criança Doente”), está traduzido o sentimento da dor e da aflição.

Sobre uma cadeira e com parte do corpo envolto em lençóis, uma menina doente (cabelos ruivos, de pele clara, ainda na flor da idade), de feições já tomadas pela enfermidade, tendo ao lado sua mãe. A menina, de cabeça levemente voltada para o lado, apenas sente as carícias e o afago das mãos de sua mãe.

Esta, de cabeça baixa, certamente chora, mas aquele choro represado, mais por dentro do que pelo lacrimejar, ante a angústia da filha. Na pintura, Munch retratava a doença de sua irmã de apenas quinze anos e o sofrimento de sua mãe perante tão desesperadora situação, eis que a menina realmente não suportou a enfermidade e faleceu de tuberculose. Ademais, uma pintura que fielmente traduz o amor de uma mãe.

A pintura comove pela beleza e pela situação de angústia e de dor tão bem expressada. Mas uma realidade constante perante o amor de mãe, perante a devoção de mãe, perante a abnegação de uma mãe e os desalentados instantes que envolvem os seus.

Mãe que sofre o mesmo sofrimento do filho, mãe que chora a mesma dor do filho, mãe que seria de se doar à morte para salvar a vida de um filho. Não apenas em leitos de enfermidades, mas em todas as situações e instantes de vida.

O amor de mãe é tamanho e seu coração tão protetor, que somente sua alma para traduzir seu real sentimento. Assim perante uma doença ou mesmo outra situação difícil passada pelo filho, mas que se imagine o tamanho do sofrimento perante a morte de sua cria desde o mais profundo do ventre.

Um amor tão verdadeiro que se torna impossível ao ser humano discernir sua dimensão. E somente Deus para compreender tal amor e igualmente amá-la em plenitude.

 
Escritor
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Lá no meu Sertão...


Estradas e caminhos...



Manhã de sol (Poesia)


Manhã de sol


Amanheceu
e a chuva forte
açoitando a vida
a ventania
esvoaçando folhas
e os horizontes
escurecidos feito breu
quando amanheceu
 
mas o meu sol
reluzia na minha alegria
determinado a ser feliz
ser de paz aquele dia
e a janela foi aberta
para o sol entrar
e o mundo ouvir
o meu cantar.
 

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – a pobreza e as pobrezas que estão por aí...


*Rangel Alves da Costa

 

Citei a pobreza, mas o nome correto seria a falência da política econômica brasileira, pois é tal falência que vem colocando o País em estado de absoluta miséria. E miséria que também tem outros nomes: violência, fome, exclusão social, desemprego, mendicância, desesperança. Ora, quando a impressa diz que há contínuo aumento das populações de rua, de pessoas e famílias pelas calçadas, de seres humanos tendo abrigo debaixo de pontes e marquises, tudo só pode ser explicado pela diminuição da renda e do poder aquisitivo. Com o aumento excessivo dos alugueis, das tarifas e tributos, dos remédios e alimentos, de absolutamente tudo, o que se tem é esta situação de abandono, de carência absoluta, de pobreza e suas mazelas. O nada ter ou a falta de qualquer coisa que garanta a sustentação, também faz aumentar a criminalidade, pois os furtos e roubos são, muitas vezes, causados também pelas carências. Aumentam os furtos famélicos, e por aí vai. A situação econômica do Brasil é tão deprimente que muita gente não tem mesmo mais o que fazer. Não pode pagar a conta de luz cada vez mais alta, não pode pagar pelo absurdo que está o gás de cozinha, não pode pagar um remédio. Feira, nem pensar. Aluguel também não pode mais pagar. Então, fazer o que? Juntar os panos, fechar a porta e sair pelo mundo. E logo estender a mão aos passantes: Uma esmola, uma esmola pelo amor de Deus! 

 

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domingo, 6 de fevereiro de 2022

TAPA NA CARA


*Rangel Alves da Costa

 

Assim é demais. Quer que eu explique ou quer que eu desenhe? Mas sei que não adianta. Certas pessoas fogem do óbvio, do acerto mais evidente, daquilo que nem seria preciso dizer que é assim que deve ser.

Só mesmo dando bofetada na cara. Só mesmo apontando o dedo e dizendo na cara: “Porra, não tá vendo que isso tá errado, então por que continua fazendo essa merda?”. Ou então levantar a voz e raivosamente asseverar: “Você nasceu torto pra fazer tudo errado, ou não tem a mínima noção do certo ou errado para continuar fazendo assim?”.

Certas palavras são como verdadeiros tapas na cara. Mas muita gente merece tomar tapa, bofetão, tabefe, sopapo. E sem a certeza da serventia em mirar nas fuças e tentar ensinar na força, na violência, no desespero de mostrar o óbvio.

“Acho certo isso que anda fazendo? Será que somente você não vê esse abismo que está procurando? E depois, e depois reclamar de que? Você já viu companhia ruim levar a lugar que preste? Você já percebeu o valor moral que tem suas novas amizades e o que elas, que já têm nada a perder, querem que você faça?”.

Mas nem sempre adianta. Certamente que a ira, o ódio e o embrutecimento, somente mostraram suas garras após inúmeros diálogos pacientes, depois de muitas conversas amigáveis tentando contornar a situação sem maiores dissabores. Mas nem sempre adianta.

“Porra, quantas vezes eu já disse a você que não tá certo o que anda fazendo? Quer morrer, quer matar, quer afundar de vez? O que tem dentro dessa cabeça que não consegue pensar o melhor pra si mesmo? Será que sua mente só tem serventia para o que não presta, para continuar fazendo o que certamente vai acabar com sua vida?”.

O erro humano é comum. Todo mundo erra. Mas o normal na vida humana é que o erro não seja repetido, não seja reiterado conscientemente. E mais: a pessoa deve fazer tudo para não seguir pelos caminhos do erro, para não seguir pelos atalhos desconhecidos e labirintos medonhos.

Mas tem gente que parece buscar os caminhos errados, as veredas da perdição. A qual destino levará o caminho das drogas, das ilicitudes, das violências, das más companhias, da reincidência em erros e mais erros? Somente ao caminho da derrocada.

A qual destino levará a estrada da traição, da falsidade, da mentira, do egoísmo, da insensatez, da vilania, da conspiração contra tudo e todos? A qual destino levará o percurso da maldade no coração, do preconceito e da discriminação, da violência pela violência, da vingança, do embrutecimento da alma e do coração?

E chamar mais uma vez e dizer: “Saiba de uma coisa. Pessoas felizes fazem os outros felizes. A conquista do outro se dá pelo caráter, pela honradez, pelo respeito que cada um merece receber. Ou você muda de atitude ou essa maldita redoma vai acabar lhe isolando do mundo. Redoma sim, pois precisa sair desse mundo fechado e imprestável que vive e deixar que a janela do sol da manhã se abra perante seu mundo. Ou procura mudar ou já será tarde demais até para pena do que possa lhe acontecer.

Porém, como dito, nem sempre adianta. Quanto mais a pessoa fala, diz, explica, desenha, mais o outro se faz de cego, de desentendimento, nenhuma valia dando ao que ouviu. E novamente vai abrir a porta e seguir em direção às mesmas sarjetas de sempre. Ou praticar os mesmos absurdos de sempre.

Absurdos tais como aplaudir o governo genocida de um verme asqueroso que se diz governante. Cegar para a realidade e dizer que é jardim o lamaçal que sustenta esse governo. Fanatizar a nojeira, a podridão e o imprestável, levantando bandeira contra o destino de todos.

Com gente assim, quando já ultrapassados todos os limites, somente com tapa na cara, com taca de couro cru pelo lombo, com ponta de ferrão. Não adianta dizer mais que está errado. Então bofetada no que não presta. Ademais não se trata de violência, e sim a salvação da humanidade de um mal maior.

 

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Lá no meu Sertão...


Sertões cangaceiros... Nos beirais da história!



O espelho (Poesia)


O espelho

 
Eu vi a pobreza
estava muito magra
estava muito triste
estava chorosa
estava desesperançada
 
meu velho espelho
quase não deixa avistar
mas eu me vi assim
assim tão magro
assim tão triste
 
também sou pobre.
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – “e no coração a curva de um rio, rio, rio...”


*Rangel Alves da Costa

 

Nos versos de Flávio Venturini, eis que meu olhar se lança nas curvas aguadas do Velho Chico para, na visão do seu leito, dizer de quanto pulsa o coração pelas memórias e saudades tantas. Saindo das margens escondidas na região de Cajueiro, então o coiteiro Messias Caduda vai conduzindo Maria Bonita do Capitão até as ribeiras de Propriá. A cangaceira precisa cuidar da saúde. Acaso olhasse pra trás, nas curvas do tempo, iria ouvir o apito do Vapor Moxotó, ainda em 1917, cortando as águas para depois naufragar ao largo de Belomonte, defronte a Bonsucesso, nos sertões sergipanos de Poço Redondo. No murmurejar das águas, as velhas moradias dos grandes peixes que não passam mais. Surubim, tubarana, peixe grande, fartura. Os canoeiros acordam suas canoas e barcos do repouso noturno. Redes, anzóis, varas, tarrafas, cuias com piabas para servir como iscas. Era uma fartura de peixes derramados nos cestos grandes. Das calçadas altas de Curralinho (assim tão altas para proteger a povoação das enchentes grandes do rio), as mulheres debruçadas em suas janelas ou assentadas em velhas cadeiras. Avistam seus pescadores, mas enxergam também o passado. As grandes canoas de tolda chegando e partindo, os vapores apitando e carregando e descarregando gente, levando e trazendo sacos, toda uma vida através das águas. As vendas de Chico Bilato, Seu Neguinho e Wilson, e outras mais por detrás das portas largas, são de pouco sortimento, mas suficientes para servir aos ribeirinhos e visitantes. Cajuína, tubaína, bolacha Maria, vinho de jurubeba, mariola, bolachão doce, goiabada. Mais adiante, nas beiradas do rio, os panos e as roupas lavadas sendo estendidos. As lavadeiras cantavam felizes, prazerosas daquele viver singelo. De vez em quando se ouvia o som rasgado de uma sanfona. Ninguém sabe ao certo se de Valter ou de Ciano. Pelos beirais do rio, do alto das pedras grandes, o nego d’água dava batim estrondosos. E de repente já aparecia dentro de uma canoa, para assustar o pescador, e depois sumir em gargalhadas. Os mistérios e as lendas do rio. E era para afastar o desconhecido que as embarcações despontavam trazendo na proa a carranca de dentes grandes, feição tenebrosa, sempre assustadora. Um símbolo do rio que o tempo levou. E tudo passou, tudo o vento levou. Mas meu olhar ainda se lança nas suas águas e o meu coração se faz saudoso pelas curvas de um rio, rio, rio...

 

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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

BORBOLETAS NA JANELA, COLIBRIS NO JARRO DE FLORES


*Rangel Alves da Costa

 

Muitas vezes, as loucuras e desesperanças do mundo lá fora não interessam muito. Possuem o dom de afetar sim, de ferir toda a felicidade, mas a nossa paz interior é tamanha que tanto faz as angústias e aflições do mundo lá fora.

Acordar e levantar para ser feliz. Uma decisão do espírito, da alma, do mais profundo do coração. Levantar para as canções da vida, para as poesias da existência, para os sonetos e as valsas das grandes conquistas.

Corações aptos a terem assim o seu dia, certamente não se importarão que a madrugada foi chuvisquenta, que a manhã está molhada ou que o sol continue escondido detrás dos montes. Tanto faz que as nuvens continuem encobrindo os caminhos ensolarados do alvorecer.

Corações resolvidos à felicidade não se importarão que os pássaros ainda não estejam voejando pelo jardim, que as revoadas passarinheiras ainda não tenham sido avistadas aos horizontes. Não há tristeza se a flor mais bela não esteja brilhando sob a luz da manhã.

E assim por que corações felizes chamam para si a felicidade, possuem o dom da transformação, transmudam as cores e os sentidos da vida. Corações felizes não se deixam afetar pelos pessimismos nem pelos ventos sombrios que sempre insistem em atormentar.

Corações felizes abrem a janela do quarto sem tocar os dedos e sentem quando as borboletas chegam esvoaçantes pelos iluminados espaços. A janela está fechada, mas o desejo de paz e de felicidade é tamanho que as borboletas chegam emoldurando a doçura da alma.

Nada é impossível ao coração que deseja paz, que deseja felicidade, que deseja encontrar aquilo que mereça ter. Borboletas na janela são, assim, as asas coloridas das possibilidades, das grandes esperanças e dos desejos de realização.

As borboletas na janela são como troféus depois de vencidos os labirintos escurecidos. Ora, se a pessoa quer encontrar lama e podridão, certamente encontrará pelo seu desejo. E também assim com as dores e os sofrimentos, com as desilusões e enfermidades, com as feições mais negativas da vida.

Mas se a pessoa assim não quiser, não chamar para si a dor e o sofrimento, certamente encontrará janelas com borboletas, com buquês de flores, com bilhetes e poesias, com o que de mais maravilhoso possa existir. E repente avistará jardins pelo piso e pássaros voando no céu sob as telhas.

O desejo de felicidade possui tamanho poder que nada se mostra com maior invencibilidade. O querer, a sensação de poder, a certeza de conseguira, tudo como imbatível escudo, como armas do bem esfacelando as maldades e os atrasos do mundo.

É preciso ter a certeza que o escudo do coração é indestrutível perante a hipocrisia, a falsidade, a inveja, a mentira, a iniquidade. Tal força interior é o que abre janelas para a chegada de borboletas, para os jardins surgidos sob o piso endurecido, para as revoadas que chegam e que seguem cantantes.

Um coração alegre e festivo, imensamente abraçado à felicidade, que não mais entristece ao olhar para as flores velhas e esbranquiçadas no jarro de plástico sobre a mesa. Ora, não que sofrer, não quer se afligir. Quer o sol, quer a luz, quer o horizonte. E então avista colibris beijando favos de mel sobre as flores de plástico.

E então, qual manhã desejada após o seu acordar? Mas deixe seu coração escolher. Ele pode apenas querer chorar pelo que de mais triste e desalentador possa encontrar no mundo lá fora, ou pode se decidir pela felicidade. Tal decisão sempre implica na valorização que cada um dá a si mesmo e na paz merecida que chama para sua vida.

Dependendo do íntimo desejo de cada um, a janela se abrirá ou não para a chegada das borboletas, e as flores de plástico se tornarão vivas e perfumadas, ou não. Borboletas e flores que são, perante o desejo de cada um, as felicidades da vida ou as angústias da alma.

  

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Lá no meu Sertão...


De Jacaré a Cajueiro, pelos sertões ribeirinhos de Poço Redondo




Fulô (Poesia)


Fulô

 

No jardim do amor
não sei mais se a flor
é minha Fulô
ou se é outra flor
 
minha Fulô é flor
no jardim do amor
aquela flor cheirosa
é também Fulô
 
nesse meu jardim
de mais bela flor
quero o jasmim
de minha Fulô
 
Fulô Fulô
minha bela flor
quero acarinhar
sua flor do amor.
 

Rangel Alves da Costa



Palavra Solta – as casas


*Rangel Alves da Costa

 

As casas... Duas casas. O tempo passa, o tempo esvoaça, e elas continuando ali fincadas em suas raízes. Mas até quando? No centro da cidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, restam apenas estas e mais umas duas que ainda não foram modificadas, que ainda não tiveram suas fachadas derrubadas pela ânsia do novo e da frágil beleza. As casas... As duas casas. Como é bom avistá-las em seus semblantes antigos, em suas feições do passado, e imaginando quantas imponentes vidas ali viveram. Zé de Lola, Dona Quininha, e outras e outras. Calçadas velhas onde as cadeiras de balanço embalaram sertanejos ao entardecer e depois da boca da noite. Uma saudade grande daquele tacho de cocada branca na janela. Cocada mole, com pedacinhos de coco espelhados entre a doçura ralada. Difícil passar e não olhar em direção à janela. Dona Quininha lá dentro, num instante já estava servindo a cocada em papel de pão. Hoje as janelas quase não são abertas, mas os olhos avançam em direção aos corredores, às salas, aos quartos, cozinhas e quintais. São os olhos das saudades, das muitas saudades. Sim, as duas casas ainda estão ali ao redor da Praça da Matriz, as duas casas permanecem vivas e querendo ser avistadas, mas também reverenciadas e relembradas no seu passado. Não basta passar pelas ruas, não basta somente andar pelas calçadas. É preciso admirar o que ainda resta daquele Poço Redondo mais antigo, mais sertanejo e mais verdadeiro. E quem passar perante o clima ameno do entardecer, certamente avistará sentadinha, e quase sempre na silenciosa solidão de seus dias, a nossa querida Neném. Procure conhecê-la, ler nas páginas de seu livro-vida, pois estará diante de uma página valorosa da história de Poço Redondo.

 

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