Rangel Alves da
Costa*
Os medos e
assombrações de agora são muito diferentes daqueles temores e aparições de
outros tempos, eis a conclusão de alguns amigos conversando na pracinha
interiorana. O que agora arrepia é o medo do vivo, daquele que violentamente
surge para praticar o mal, daquele que aparece a qualquer hora do dia para
aterrorizar a vida do próximo. Muito diferente de tempos outros e suas almas do
outro mundo e suas histórias de arrepiar.
Do nada,
como se diz por lá, foi surgindo um leque de histórias e estórias do
arco-da-velha, dos tempos de luz somente da lua e das noites de escurecimento
de breu. Então se avolumaram as recordações dos causos passados boca a boca de
geração a geração, sem esquecer os acontecidos mais recentes e nos quais muitos
haviam conhecidos como testemunhas. E naquela noite foram sendo relembrados
causos de aparições, de assombrações, de gente virando bicho, de alma penada,
de mistérios sertanejos, de desconhecidos e inexplicáveis.
Francisco,
um moço bom vindo das terras ribeirinhas de Curralinho, conhecedor sem igual de
prosas antigas e relatos recentes sobre coisas do outro mundo pelas beiradas do
Velho Chico, debulhou uns dois ou três causos de arrepiar. Contou a história de
uma procissão que era avistada ainda na escuridão da madrugada. Relatou também
a história de uma família que chegou desesperada à povoação, já altas horas da
noite, depois que sua casa foi atacada por um negrinho endiabrado.
Segundo
Francisco, não fazia muito tempo que pelas beiradas do rio começou a ser
espalhada uma história de fazer estremecer qualquer um, e que dificilmente
poderia ser negada em virtude da credibilidade da pessoa que a havia
testemunhado diversas vezes. Esta pessoa, um senhor acostumado a levantar na semiescuridão
da madrugada, de vez em quando avistava, do alto onde morava, uma procissão
saindo do cemitério, fazendo o mesmo percurso, para depois retornar e sumir no
mesmo lugar. Do cemitério, percorria aquele mesmo chão e depois desaparecia sem
deixar qualquer vestígio de sua passagem.
Outra
estranheza de caso relatado por Francisco diz respeito ao negrinho, miúdo e esquisito,
do nada surgido para atormentar a vida de uma família moradora nos escondidos
do sertão. A tal família vivia numa casa construída e abandonada pela
administração, numa elevação, ao lado de uma caixa d’água distante de tudo. Ao
invés de a prefeitura reivindicar a saída do imóvel, quem o fez foi um ser
espantoso, escurecido, quase no porte de um menino, que apareceu “virado na
peste”. Surgiu do nada, furioso e com força descomunal, começou a fazer
despencar tudo o que encontrava pela frente. Aterrorizada, sem poder enfrentar
aquela criatura desconhecida, a família não fez outra coisa senão correr porta
afora até chegar esbaforida ao Curralinho. E nunca mais retornou à localidade.
Até hoje o fato continua sem explicação.
Jorge de
Iolanda, outro sertanejo que não abdica de uma boa prosa, foi buscar na memória
relatos antigos de assombrações pelas ruas do lugar e arredores. Então recordou
que antigamente era costumeiro se ouvir acerca do cavaleiro da noite,
acontecimento que já se prolongava desde os tempos dos avôs e bisavôs. Segundo o
relato, nas noites sem lua, quando as portas já estavam fechavam e a maioria da
sertanejada já roncava do cansaço do dia, então se escutava um trotar pelas
ruas. Ouvia-se, nitidamente, um cavalo passando a galope, indo e voltando, até
sumir sem jamais alguém ter avistado nem o cavalo nem o seu cavaleiro. Era o
cavaleiro da noite, que muitos afirmavam ser a alma penada de um velho
vaqueiro.
Ainda da
narrativa de Jorge, mas de acontecimento mais recente, é a aparição do menino
sorridente. Diz o relato que algumas pessoas de Poço Redondo confirmam ter
avistado, nas altas horas da noite e sempre numa esquina após o antigo Tanque
Velho, um menino que sempre sorri para quem consegue avistá-lo. O fato ainda
acontece nos dias atuais, e por isso mesmo muitos evitam passar por aquele
lugar no meio da noite. Morador nas proximidades do local onde o menino
aparece, Jorge afirma que nunca avistou a aparição, mas se algum dia acontecer
só espera ter pernas para correr e entrar em casa sem sequer abrir o portão.
Foi da
lavra de Tonhão a recordação de pessoas que viravam bicho. Logo veio a lume os
nomes de Ranulfo e João Valentim, o primeiro em Poço Redondo e o segundo em
Monte Alegre. No passado, estas eram tidas e havidas como pessoas que se
transformavam no bicho que quisessem. João Valentim ganhou fama por avisar com
antecedência no bicho que iria se transformar e onde iria aparecer em
determinada hora da noite. Já Ranulfo disse que estaria presente num forró, mas
que ninguém conseguiria avistá-lo. Dito e feito, pois apareceu um rato no meio
do salão, zanzou por todo lado e nenhum forrozeiro conseguiu alcançá-lo.
E bem
assim outras histórias, outros causos, de fogo-corredor pelos arredores, de fantasmas
e estranhezas, de coisas do outro mundo. E já era tarde da noite sem lua.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com