Rangel Alves da
Costa*
“Do sol
cunheço, tomem da chuva. Munto mai do sol desse sertão do qui da chuva pouca e
miúda que veiz inquono se derriba pela terra. Nem gosto de me alembrá mai tomem
cunheço de munto mai, principalmente dum tempo de acabação pru todo lugá. Era
Lampião, era volante, era tiro, era correria, era morte e medo, era tudo de
cortar coração...”.
“Cangacero
fui não. Tomem num fui volante nem coitero. Se eu fosse pender prum lado pendia
pro lado dos da caatinga. Não qui eu gostasse de violênça, de brutalidade,
dessas coisa que fazia istremecê sertão. Pruque Lampião fazia as veiz do
sertão, do sofimento do sertão, das injustiça tanta sofida pelo homi da terra.
Seu moço, num é bincadeira não. Eu mermo sangrei sem tiro ou punhalada. Sangrei
de sofimento, das peseguição, das injustiça espaiada pra riba e pra baixo...”.
“Pa bem
dizê, filiz era o homi qui tinha seu pedacim de terra e dizê qui era seu.
Ninguém tinha nada não. Adonde o pobe prantava e coía, pensava qui era seu pru
causa dum cercadinho, de repente chegava os homi, a capangage dos puderoso
dizeno quem era o dono. E dizia ansim: ou vende pru quanto o coroné quisé pagá
ou vai tê de saí na marra, se num for mió abrí logo uma cova rasa...”.
“Quem num
tinha pedacim de terra pa prantá mio, feijão e outro adjuntoro, outa coisa
num tinha a fazê senom sofrê cuma escravo de poderoso. Trabaiava feito bicho pa
no fim de semana num tê direito a quase nada. Ou recebia vintém ou num recebia
nada, e aina ficava deveno ao coroné. Afora as arma dos bicho apontada, a
jagunçada pra todo lugá, a ameaça e o medo. Tinha de aguentá calado, quentinho,
ou ia pa debaixo do chão. Pru quê tanto famia sem pai, tanto cruiz nesse meio
de mato, tanto sangue de pobe derramado pru todo lugá? Pru causa dos poderoso e
seu jagunço com sua tocaiada de tiro certero...”.
“Seu moço,
aquilo num era vida não. Hoje se tem munta violença, munta peseguição, munto
medo, mai nada iguar aos tempo de sangue pelas tocaia e emboscada. Tempo de
jagunço, de matador, de cabra de frieza da peste. Matava um iguar de sina e de
sorte e adespoi ia mostra as orea ao coroné. Mai tarde o coroné quiria as merma
orea do matadô. Mai num é só isso não...”.
“Sangra e
mata do mermo jeito a pessoa vivê na humiação, judiado, só com a seuventia de
ser usado. Quono num ficava sem o pedacim de terra, do mermo jeito ia vendê seu
seuviço ao coroné. Pobe qui era, mai pobe aina ficava. Adespoi tinha de votá
naquele qui o coroné escoiesse. Nas mai das veiz votava pelo medo de morrê,
quono não adespoi de recebê um quilo de fubá, outro de arroiz cum gruguio e um
naco de jabá...”.
“Inté
quono o sertanejo ia aguentá uma vida dessa, só seuvindo de jumento prus outo
esporá? Inté quono o homi da terra, corajoso cuma sempe foi, ia ter de suportá
tanta sangria dos puderoso, dos coroné, dos político? Inté quono a gente da
terra ia vivê cuma se fosse um bicho estranho no seu lugá?...”.
“E foi pur
essa e outas qui apariceu gente ansim cuma o Capitão Lampião e tantos outo.
Quem num se lembra dum Jesuíno Brilhante, dum Lucas da Feira, dum Antonho
Sirvino, dum Curisco, e inté de Antonho Conseiero? Tudo sertanejo qui num mai
aguentou tanto sofrimento no seu povo e pegou na arma pa fazê a guerra da vida
e da morte...”.
“E num
duvido qui se o Padim Pade Ciço arresovesse se embrenhá nos mato com cangaceiro
ninguém podia cum ele. Benzia o mosquetão e mandava bala pa todo lado, e ansim
quero vê se aquela volante mardita tinha o topete de enfrentá um benzido. E se
fosse ele e Lampião na linha de frente até hoje o sertão era outo, munto mais
respeitado...”.
“Eu mermo
pensei em seuvi ao bando. Cunhecí munta gente qui arribou pru cangaço. Cumpade Mané
Felix foi quem me disse qui aquilo num era vida pa quarqué um. E eu era metido
a valente demai. Já tinha morrido. Tomem pruque o cumpade parece qui já prissintia
qui o cangaço já tava se findando. Uma veiz ele me disse que Lampião andava
tristecido demai. E logo imagina qui num era coisa boa qui vinha pela
frente...”.
“Quanto
ano eu tenho? Sei não. Só sei que já vivi demai e tomem já vi demai. Conto essa
coisa pruquê sei qui meu caixão num vai cabê de tudo qui sei. Pur isso qui digo
o qui sei. Quero morrê cuma foia seca, ansim dessa foia qui vai se perdendo
pelo sertão nos tempo de seca grande. Quero morrê ansim, num dia de seca grande
e qui ninguém chore pru farta de água inté nos oio...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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