*Rangel Alves da Costa
Os
armazéns e mercearias de antigamente, principalmente aqueles localizados em
cidades interioranas, eram verdadeiros mercadinhos sortidos de tudo. Contudo,
quanto mais rústico o comércio mais o prazer aumentava pelo que logo se
avistava. Geralmente em esquinas, com duas ou três portas à frente e uma na
lateral, tanto balcão como as prateleiras eram de madeira antiga, de lei,
envernizada ou tomada de cor escurecida pelo tempo. O sortimento era vasto,
tendo cajuína, bolachão, goiabada, mariola, sardinha, quitute, bolacha doce e salgada,
e muito mais. Vinho de Jurubeba, Cinzano, Cortezano, Pitu, Serra Grande, Pau de
Arara, Teimosinha, bem como litros e mais litros de aguardente com casca ou
raiz de pau. Um pouco abaixo do balcão e pelos cantos, os sacos de farinha, de
milho, de arroz e café com casca, de açúcar e sal grosso. Mas o mais gostoso
mesmo fica em riba do balcão, espalhando em profusão. Eram fardos de carne
seca, de jabá e charque, de bacalhau e carne de porco salgada. E descendo do
telhado as mortadelas e os apresuntados de dar água na boca. Um baleiro, de vez
em quando uma cafeteira e uma compota de doce de leite batido. Era entrar e se
apaixonar. Tomar, mandar cortar fiapo de carne seca, tomar outra, e depois não
querer sair mais do lugar. Até que o menino chegava correndo para dizer que a
mãe estava raivosa à espera do charque com pé de porco pra botar no feijão.
Em muitos
armazéns, beber somente no lado do balcão, na parte lateral, pois a parte da
frente era de outro tipo de freguesia. Não tinha graça nem cabimento que uma
moça chegasse para comprar um sabonete Gessy, Alma de Flores ou Palmolive, e
ter de suportar olhares cínicos e piadinhas maldosas dos beberrões. Aliás, nem
todo dono de mercearia permitia que o cabra permanecesse por muito tempo ao pé
do balcão, fazendo hora até se embebedar. Depois das duas goladas já estava
liberado para ir embora, ainda que voltasse no passo seguinte. Alguns
vendeirins tinham o cuidado de oferecer um umbu ou fruta miúda para acompanhar
a cachaça. Se o cabra chegasse com uma caça já no prato, pronta para ser
saboreada com a pinga, tinha de sentar à mesa e, além da cachaça, também acenar
pedindo cerveja. E cerveja apenas refrescada, pois sempre em geladeira a gás e
sem certeza de um resfriamento maior. Por isso mesmo é que o bebedor, desejando
uma mais gelada, sempre pedia uma do fundo do pote. E era como se viesse do
fundo do pote mesmo, vez que a espuma logo testemunhava seu estado quase
natural. Dado o ambiente familiar, com pessoas idosas e mulheres casadas a todo
tempo chegando ao balcão, também não se permitia galhofa, piadinha, qualquer
palavreado mais chulo. Ou se comportava ou era convidado a pagar a conta e sair
pela porta lateral, sem direito à reclamação. Ora, o porrete do vendeirim, ou
mesmo a faca afiada, nunca se mantinha distante da ousadia.
Muitos
armazéns mantinham espaços reservados às frutas e verduras frescuras que
chegavam em cestos grandes. Melancia, tomate, cebola, pimentão, abóbora,
maxixe, quiabo, manga, de um tudo. Mas nem sempre era garantia de tais produtos
nas mercearias e armazéns interioranos. Contudo, não podia faltar a farinha boa
de mandioca, o feijão novo da safra da região e açúcar. Bastava pedir e o
vendeirim metia a medida pela boca do saco e de lá retirava a quantidade certa.
Não errava uma. E a balança pendia também na medida certa, ainda que muita
gente desconfiasse das gramas a menos a cada quilo. Mas não adiantava reclamar.
Do mesmo modo acontecia com o corte de jabá ou de bacalhau. A pessoa pedia
seiscentas gramas e a faca já dava o bote certeiro, sem um tantinho a mais ou a
menos, a não ser o desconto daquele fiapinho experimentado pelo comprador. Assim
se fazia pela segurança do negócio, como bem asseverava o pequeno comerciante.
Já corria o risco no vender fiado, no esquecimento do pontual pagamento, e não
podia ver o seu negócio fechando as portas por causa de espertalhões.
Sendo bom
freguês, nada faltava a hora que desejasse. Levava desde o fumo de rolo ao
cigarro de palha já pronto, desde o ki-suco ao bolo de feira. E numa ou noutra
talvez encontrasse uma lavanda, uma água perfumada ou mesmo uma alfazema mais
cheirosa. E quando chegava a solteirona escolhendo a melhor fragrância, logo o
vendeirim dizia que com aquele perfume ela ia apaixonar muita gente. Então a
pobre gastava todo o dinheirinho da aposentadoria naquela esperança
irrealizável de amor. No mês seguinte retornava tristonha, com cara de que
ninguém havia sentido sua fragrância ao entardecer à janela. Então ouvia do
vendedor: Parece que o aquele perfume todo não deu muito certo. Agora faça
diferente, além do cheiro leve também um bote de velas de Nossa Senhora. E a
coitada saía carregando perfumes e velas de todos os santos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com