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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 29 de novembro de 2016

HOMEM DO LAR (E SEM TIRAR PEDAÇO)


*Rangel Alves da Costa


Em meio ao mundo masculino quase sempre pautado pelo machismo, torna-se até contraditório que o homem afirme participar da vida do lar ou realizar determinadas tarefas que são sempre vistas como de ofício exclusivamente feminino. Neste sentido, caberia ter como válido o ditado segundo o qual ao homem a porta da frente e à mulher a cozinha.
Assim, ao homem caberia exclusivamente ser macho, reprodutor, dono do pedaço, o bom da boca dentro de casa e da porta pra fora, cabendo à mulher a obediência, o ofício doméstico, a faxina, o viver para servir ao seu verdadeiro dono. É que a macheza não permite pegar em cabo de vassoura ou estender uma roupa no varal. Coisa de mulher, como se o homem fosse de outra espécie que não a humana.
Noutras palavras, o senhor e sua escrava, aquele que chega e tem de ter à disposição não só a comida pronta, segundo o seu gosto, bem como uma mulher de pernas abertas em cima da cama. A mulher não tem querer, opinião ou atitude, pois tudo na dependência do desejo do homem. Assim ainda se concebe por todo lugar, como se o relacionamento entre macho e fêmea fosse de escravismo ou de jugo predatório.
Seria da normalidade da convivência - segundo o exacerbado machismo - que a mulher sempre estivesse aos pés do homem, à sua disposição para tudo. Ora, o macho cospe na sala e a sua escrava tem de acorrer para limpar. O poderoso espalha cinzas de cigarros sobre o sofá por que sabe que sua submissa logo estará ali para limpar. O dono do mundo atira a panela fora se o cozido não estiver de seu gosto. E assim por diante. Do seu lado, à mulher cabe somente a silenciosa obediência.
E assim certamente por que muitos se comprazem em se revelar exatamente como o homem, esposo ou companheiro, não deveria ser. Na roda de amigos, jamais fazer com que os outros pensem que participam da vida do lar, que ajudam nos afazeres domésticos. O homem veste calça e não saia, logo alguém confirmaria. Ademais, se torna muito mais empolgante dizer que o único compromisso que o varão possui é não deixar faltar nada em casa. Tudo como se um lar dependesse apenas de feira ou de conta paga.
O machismo - ou a desavergonhada vergonha - acaba impedindo que o homem se expresse como verdadeiro homem. E como verdadeiro homem por que o que o diferencia da mulher é o sexo e não a condição humana. Assim, de modo injustificável, para muitos se torna impensável lavar ou estender uma roupa, sequer as próprias cuecas. Para outros, será o fim do mundo ou “mulherzice” varrer a casa ou mesmo colocar do lado de fora o saco de lixo. Nem pensar em fazer comida, cuidar da roupa ou passar espanador sobre móveis. É como se tornasse menos homem ou diminuísse sua honradez masculina.
Neste retrocesso mental, acaba impingindo sobre sua mãe, mulher ou companheira, a pecha de serviçal de seu machismo. Contudo, será sempre um erro afastar do homem a sua condição de homem de lar, de cuidado, de preservação de seu ambiente doméstico ou familiar. E tenho como erro perante as minhas próprias atitudes.
Não só pela condição de solteiro, mas sempre lavei minhas roupas, passei ferro e preguei botões, bem como faço pequenas costuras. Sempre fiz minha comida, lavei os meus pratos, varri a casa e o meu escritório. E sem máquina de lavar, tudo na mão e em varal sombreado. Do meu guarda-roupa quem cuida sou eu. Sei onde está uma meia ou um lenço. Não deixo roupa suja acumular nem o pó tomar conta de tudo.
Nunca deixei de ser menos homem por causa disso, nunca me caiu qualquer pedaço por conta disso. Pelo contrário, acrescento à minha condição masculina o senso de preservação de minha própria pessoa. Ora, quem gosta de mim sou eu. E quem deve cuidar de mim sou eu. Até que alguém queira me ajudar afastando a poeira de minha solidão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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