*Rangel Alves da
Costa
O ser
humano quando não sabe inventa, eis uma verdade. O homem nunca se contenta com
a verdade propagada, pois busca sempre uma verdade nova, nem que seja
mentirosa. Neste passo de reinventar o já tido como certeza, acaba
ressuscitando mortos, matando quem está vivo, modificando vidas e trajetórias.
Logicamente que todo conhecimento pode ser refutado, a partir do conhecimento
novo produzido (assim ocorre com as pesquisas), mas nem sempre o disseminado
passou pelo crivo da cientificidade nem da pesquisa, apenas como suposições que
acabam embaralhando a própria história.
A verdade
é que acostumaram a desmentir a história e a contradizer o fato histórico. Ao
desmentir, logicamente proclamado a história como mentirosa, passam a dar
outras versões sobre os fatos, sobre os acontecidos. Neste sentindo é que
recontam os acontecidos históricos de tal forma que deixam sem nenhuma valia
aquilo já propagado como verdade e devidamente registrado em livros. Um mesmo
acontecimento ganha tantas versões que se torna até difícil escolher no que se
deva acreditar.
Do mesmo
modo, ao contradizer o fato histórico, afirmando que nada aconteceu assim mas
de outra forma, nega também todo o conhecimento formulado sobre os
acontecimentos. Ora, se um fato não aconteceu de modo já conhecido, então todo
o aprendizado sobre o fato é mentiroso. Se o grito do Ipiranga, por exemplo,
não se deu à margem do Rio Ipiranga, mas no alto de uma colina, então alguém
disseminou a mentira. E esta foi sendo aceita como verdade. Ademais, nem de um
rio se trata, pois apenas um córrego nos antigos arredores da cidade de São
Paulo. Então a tela de Pedro Américo (Independência ou Morte, também conhecida
como O Grito do Ipiranga) seria apenas um jogo de propaganda.
Dizem que
a figura de Tiradentes, um dos mártires da história brasileira, nada tinha
daquela feição tão propalada. Não era cabeludo coisa nenhuma, mas de barba
feita e cabelos curtos e bem delineados. Nem quando saiu da prisão para ser
enforcado estava daquele modo como sempre foi retratado, esfarrapado e de
cabelos desgrenhados, e sim barbeado e de cabeça raspada. Então alguém mentiu.
E alguém acreditou tanto na mentira que a transcreveu para as telas e os
livros. E todo estudante passou a ser igualmente enganado.
Dizem que
Hitler não morreu antes do término da segunda guerra coisíssima nenhuma. Muito
menos que ele cometeu suicídio juntamente com sua amante Eva Braun. Foi tudo
mentira, tudo armação. Sua fuga já estava preparada antes da invasão aliada a
Berlim e com a participação dos Estados Unidos. E o führer, na sua rota de fuga
devidamente planejada, foi parar na região da Patagônia argentina, passando a
viver num castelo montanhoso cujo clima era similar ao encontrado pelo ditador
no seu refúgio alpino de Berchtesgaden, na Áustria, no castelo de Kehlsteinhaus
(Ninho da Águia). Há ainda outra versão afirmando que o bárbaro nazista fugiu
para os espaços numa máquina voadora, nos moldes extraterrestres, que os seus
cientistas haviam construído em absoluto sigilo.
Dizem que
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não morreu assassinado a tiros na
madrugada de 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, nas beiradas do Rio São
Francisco, no sertão sergipano. Há uma versão que ele nem estava lá quando do
fatídico episódio, pois anteriormente avisado, pela própria polícia, da
emboscada que iria acontecer. Outra versão diz que morreu sim, mas envenenado,
quando fizeram a entrega de leite contendo veneno. Afirmam ainda que o Capitão
Lampião morreu já depois dos cem anos, tendo vivido escondido numa região das
Minas Gerais. Há ainda outras versões estrambólicas sobre a morte do líder
maior do cangaço, todas querendo modificar o fato mais comumente relatado nos
livros, dizendo respeito à sua morte em Angico, juntamente com mais dez
cangaceiros.
Dizem que
Padre Cícero Romão Batista é o santo nordestino, o protetor do sertanejo, o milagreiro.
É realmente devotado como santo e a ele são atribuídos diversos milagres. E
ninguém tira do beato e do romeiro tal ideia de santidade. Por ser assim,
sequer imaginam que existiu outro homem no seu devocionado. Mesmo no
sacerdócio, o padre já se envolvia em política e possuía enorme influência nos
meandros do poder. Neste sentido, afeiçoava-se a um verdadeiro coronel nordestino.
Ao perder as ordens sacerdotais após os milagres não comprovados, então se voltou
de vez ao exercício da ordem e do mando coronelista. Foi prefeito de Juazeiro,
eleito deputado federal, vice-governador, sempre temido e respeitado. Assim realmente
aconteceu. Mas há versões afirmando ter sido ele também protetor de
cangaceiros, de jagunços, de assassinos, um impiedoso caudilho. Contudo, nada
disso possui serventia ao humilde sertanejo, que o enxerga apenas como santo.
Como
observado, verdades e mentiras históricas se entremeiam e se conflagram em busca
de confirmação. Muitas verdades se mantêm escondidas por culpa dos próprios
historiadores. Grande parte simplesmente transforma o fato em ideologia, em
partidarismo, em simbologia. E desse modo conta o acontecido conforme deseja
que o mesmo seja conhecido. Já o povo, sempre hábil na transmudação da verdade
também segundo a conveniência, reinventa o inventado. Ou nega tudo, criando
fato novo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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