*Rangel Alves da Costa
Não são vãos os ensinamentos. Num ramo de
flor um livro aberto. Na singela relva que se embala ao frescor do vento uma
lição ao olhar. Tomai como exemplo os lírios, aqueles sublimes lírios que
brotam adiante. Então olhai os lírios do campo!
Eles estão ao alcance do teu olhar. E estão
por todo lugar. Olhai, então, os lírios do campo! Não há jardim mais suntuoso
que se imponha com maior beleza. Não há brilho e aroma que sejam mais
edificantes que a simples visão dos lírios do campo.
Mas se agora, após a porta ou a janela, não
se possa avistar qualquer lírio, muito menos uma colcha de lírios que se
estenda formosa pelos campos, então onde encontrá-lo? No teu olhar que prefere
avistar a vida com simplicidade e não pelo que se mostra imponente adiante.
Sábio é o olhar que procura a essência, não a
aparência, já disse o profeta. Verdadeiro é o olhar que encontra a beleza onde
outros olhos só avistam a feição que possa ser desprezada, já disse o
caminhante da cruz. Sábio é o teu olho que não enxerga apenas os lírios do
campo, mas o significado dos lírios do campo.
Qual o significado dos lírios do campo? Leia
no Livro Sagrado, em Mateus e Lucas, no sermão da Montanha: Olhai como crescem
os lírios do campo: eles nem trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem
Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles.
Extrai-se das sagradas palavras um avistar de
simplicidade, humildade e modéstia que deve pairar sobre tudo. Um olhar que
valorize as coisas simples, que tenha o dom do encantamento com as pequenas
ternuras, que vá além da flor e sua pétala para buscar a grandiosa essência em
cada pólen.
Extrai-se da sagrada lição que aos olhos bons
não adianta o revestimento da fortuna ou da suntuosidade. Basta, aos olhos
bons, que o avistado faça bem, faça sorrir, traga alegria ao próprio olhar. É
como se o olhar buscasse o contentamento e não a ojeriza.
Extrai-se do ensinamento o valor das pequenas
coisas, a grandeza das pequenas coisas. Ora, mais vale o silêncio a algazarra,
mais vale a pequena fonte que o oceano inalcançável, mais vale o pão que a
mesa, mais vale o abraço de permanência que a posse e o adeus.
Olhai, então olhai os lírios dos campos! Os
pés que passam descalços não são menos pés que aqueles calçados em couro
importado. As mãos enrugadas que se estendem para o cumprimento não são menos
dignas que aquelas que chegam ornadas de anéis e honrarias.
E não somente isso. Os pés que passam
descalços se confortam com qualquer chão e qualquer calçado. As mãos enrugadas
tocam sem medo de qualquer outra mão. E sapatos existem que não pisam em todo
lugar. E mãos existem que se lavam depois de tocadas.
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. O
Eclesiastes assim ensinou. Mais vale o que pode sonhar adormecendo em cima de
pedra que aquele tomado de pesadelos em cima de travesseiro de pluma. Quantos
compreendem o sentido da vida quando sequer conhecem o viver?
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. A lição
do retorno como a maior lição. O sol também se põe para a lua aparecer. Depois
da noite a manhã. Tudo é para depois já ser de outro modo. E por que se arvorar
de vaidades? Quem está ao chão pouco sente a queda, mas quem vive ao alto sequer
sabe cair. E quando cai...
Tudo isso acontece de modo diferente em quem
sabe avistar os lírios do campo. Quanta
lição e quanta glória poder avistar os lírios do campo e de seu formoso manto
também recobrir-se de vida nova, de canto novo. Lírios que perfumam a alma e
colocam diante do olhar o verdadeiro sentimento de mundo.
Mas não é todo olhar nem qualquer um que
encontra lírios pelos caminhos. Ora, quem se nega ao singelo também se nega a
avistar aquilo que não seja de ouro ou prata. E nem ouro nem prata nos lírios
do campo. Apenas a vida na sua mais profunda beleza.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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