SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 25 de abril de 2021

A CASA DOS SILÊNCIOS


*Rangel Alves da Costa

 

Uma casa. Portas fechadas, janelas encostadas, silêncios. Pelas frestas, uma visão de penumbra, de tristeza e de desalento.

Uma casa. Na paisagem parecendo um mundo esquecido. Cores desfeitas pelo tempo. Endereço sem visitantes. Uma visão de inexistência de tudo.

Uma casa. Sua existência se resume à presença no meio do tempo. Um caminho que chega até seus arredores. Uma estrada que vai seguindo adiante.

Uma casa assim. Ou duas casas assim. Um monte de casas assim aqui tão perto ou nas lonjuras do mundo. Casas assim e que parecem nunca serem avistadas.

Muita casa assim nos beirais das estradas, nos vultos por dentro das matas, no além-porteiras e além quase tudo. Os olhares avistam, porém nunca encontram presenças.

Ao primeiro olhar, parecendo até mesmo uma casa sem ninguém lá dentro ou mesmo abandonada. Logo se imagina que a família partiu, fechou porta para nunca mais voltar.

Em seu interior, contudo, vidas silenciosas gritam seus instantes de distanciamento de quase tudo. Nas suas entranhas, as vidas reclusas nas solidões e ao querer dos velhos calendários na parede.

Geralmente pessoas envelhecidas, mas também vidas ainda jovens em seus melancólicos e aflitivos percursos cotidianos. Não significa a inexistência de parentes, de amigos e conhecidos.

Muitas vezes são muitos, mas só da porta pra fora. Em muitas situações, nem mesmo as famílias se fazem presentes perante aqueles que vivem como em contínuo abandono.

De vez em quando a porta da frente é semiaberta para então surgir uma feição sem sorriso, sem brilho no olhar, sem alegria.

De vez em quando, a janela é aberta para o sol entrar e alimentar as folhas secas da solidão. Como vivem e o que fazem tais pessoas em seu mundo tão recluso e entristecido?

São pessoas comuns, são históricos de vida cabíveis em qualquer livro. Mas também são pessoas que vivem em diferenciado mundo, e muitas vezes imposto pelos demais.

Os demais que fazem de conta que aqueles pessoas não existem, que não precisam ser visitadas, que não precisam de uma fraterna e afetuosa consideração.

No Natal, um prato de solidão sobre a mesa. Na passagem do ano, talvez já em seus repousos noturnos, apenas serem acordadas pelos fogos e algazarras pelas ruas.

Lá fora, a vida é festa, é sempre festa. Lá dentro, entre silêncios e esquecimentos, o suportar apenas que as horas passem e passem. E sejam menos doloridas a cada segundo.

Ou lá fora a vida sempre passa, sempre segue seu rumo, deixando para trás aquela porta fechada, aquelas vidas em cujas mãos há céus de salvação eterna.

As contas do rosário vão passando pelos dedos. A boca sussurra uma oração. Os olhos brilhos ante a luz do candeeiro. A vela chameja mostrando a face de Deus.

Mas nem sempre se pode imaginar que seja assim. Apenas a casa e seu silêncio. Apenas o silêncio de solidão e vidas à margem da vida.

Não se pretende, contudo, outra felicidade. Ali está Deus nas contas do rosário. Ali está a proteção e a felicidade em cada santo, em cada reza, em cada céu debaixo e acima da cumeeira.

 
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


Lá no meu sertão...


Novo Livro



Amor paisagem (Poesia)


Amor paisagem


Minha boca
é um sertão
 
folha ressequida
é o meu coração
 
meu lábio resseca
em sequidão
 
meu desejo tanto
cinzas pelo chão
 
e o amor
a mais bela floração
 
só vem no relâmpago
no trovão
 
mas sem chuva
é tudo desolação
 
sem amar
quanto dói meu sertão.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - da ingratidão


*Rangel Alves da Costa

 

INGRATIDÃO (OU QUANDO A GENTE CANSA DE ESTENDER A MÃO) – Por mais bondoso e generoso que seja o coração, um dia tudo cansa pela ingratidão. Você enxuga a lágrima, você estende a mão, mas depois recebe ingratidão. A mesa está vazia e você faz chegar o pão, as carências somam e você nunca diz não, mas ainda assim só recebe ingratidão. Você sempre é mais que amigo, você é como irmão, ouve, aconselha, dá atenção, mas depois só vem a ingratidão. Nada que se dá é esperando algo em retribuição, pois tudo do mais profundo do coração. Mas dói demais quando da pessoa só vem a ingratidão. O que fazer, então? Quando chegar rastejando, apenas mostrar a imensidão do chão.

 

Escritor


quinta-feira, 1 de abril de 2021

O JAGUNÇO, O CAPANGA


*Rangel Alves da Costa

 

O sangue escorrido na história nordestina e sertaneja tem muito do jagunço e do capanga. Muitas vezes, a confusão se generaliza na explicação dos atos brutais de ambos. Mas a verdade que nem sempre o jagunço foi capanga e nem o capanga foi jagunço, mas aquele tendendo mais a praticar as mesmas ações jaguncistas.

Vamos, contudo, ao que dizem os livros. Os dicionários dizem que jagunço é sujeito criminoso, homem violento contratado como guarda-costas por indivíduo influente. A Wikipédia erra feio ao dizer que “jagunço ou capanga era, no nordeste brasileiro, o indivíduo que se prestava ao trabalho paramilitar de proteção e segurança às lideranças políticas”.

Era feio pelo simples fato da generalização. O modus operandi de um é diferenciado do outro. Até mesmo o tipo de armamento utilizado por um se diferenciava do cano de fogo do outro. Arma na cintura é coisa de capanga. Jagunço que se preze leva seu mosquetão à mão e pelos escondidos do mato vai se entrincheirando até chegar o momento certo de apertar o gatilho.

É no tipo de prestação de serviço que reside a grande diferença. Ora, o jagunço não era, necessariamente, alguém que vivia a serviço de um poderoso. Até que poderia viver aos arredores do coronel dando suporte às suas ordens, mas não na sua rotina diária. Quem sempre estava com o poderoso era o capanga.

O jagunço ganhava para matar, para amedrontar, para aterrorizar a vida dos inimigos e desafetos daquele que o pagasse. Através de suas mãos sempre sujas de sangue, os inimigos tombavam nos beirais das estradas, criações eram sangradas, casas incendiadas, e por aí vai. Já o capanga não se expunha tanto, não fazia o serviço mais sujo.

O capanga tinha a serventia de escudo ao chefe, ao poderoso. Como os coronéis – principalmente aqueles sempre odiados ou contando com inimigos – nunca saíam ou viajavam sozinhos, necessário que tivessem sempre ao lado alguém que os protegessem de ameaças e ataques. Um tiro dado era mais fácil atingir o capanga do que o coronel, pois para tal ele era sustentado.

Imaginem a cena: Numa feira interiorana, um senhor vestido de terno de linho branco, chapéu grande na cabeça, charuto fumaçando na boca, caminhando cercado por homens em vigilância. Cena de um coronel rodeado de capangas. Ora, o capanga estava ao lado para proteger, mas também atacar, revidar agressões, matar. Matava, mas não como o jagunço.

O capanga não saía da presença do coronel para ir fazer tocaia ou emboscada, para ficar escondido nos tufos de matos ou atrás de troncos esperando a passagem do inimigo do coronel ou de quem estivesse com a morte encomendada. Quem fazia isso era o jagunço. Era o jagunço que recebia para dar conta da encomenda. Muitas vezes, o restante do pagamento somente quando levasse a orelha do morto.

Capanga era uma espécie de segurança. Jagunço era uma espécie de frio assassino. Capanga possuía serviço diversificado, pois também ajudante-de-ordem do poderoso. Jagunço sempre agindo na surdina, no escondido, tudo fazendo para não ser descoberto. Capanga matando aquele que atacasse o seu patrão. Jagunço matando qualquer um que desejasse o seu patrão ou outro mandante qualquer.

Não era cena comum a jagunçada se esgueirando pelos centros urbanos à espera da passagem de alguém, e para matar. Mas era cena comum avistar a capangagem armada até os dentes e em companhia de seus patrões. Era uma demonstração de poder pessoal, mas também a força das armas se sobrepondo a tudo e todos.

Outras coisas, contudo, não os distingue muito. Nos dois, a exaltação de desmedida violência. Nos dois, o medo e o terror pelos sertões antigos (e também atuais). Em ambos, a sina da desvalia da vida do próximo, de qualquer um que caísse na desgraça da inimizade com o poder. Em ambos, a escrita sangrenta de uma terra ferida de morte pelo coronel, pelo jagunço, pelo capanga.

Então o coronel mandava o capanga chamar o jagunço e dizia: “Vá matar e mate ligeiro. Vou cuspir. E quero a orelha aqui antes de o cuspe secar!”. E de repente, ali a orelha chegava. O restante era dos urubus, dos gaviões, das aves carnicentas.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

 



Lá no meu sertão...


Nas ribeiras do Velho Chico






E por falar de amor (Poesia)


E por falar de amor

 
E por falar de amor
eu senti saudade
saudade de você
daquela linda flor
que era seu amor
 
no cálice da palavra
beber do silêncio
apenas no sorriso
e derramar em nós
o vinho da paixão
 
ser do entardecer
o olhar em chamas
e se a noite chegar
ser o fogo ardente
a chama que ama
 
e por falar de amor
eu preciso dizer
a estrada é a mesma
e uma porta aberta
esperando você.
 
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - Sertão


*Rangel Alves da Costa

  

Calango no chão, porteira se abrindo, um luar em clarão. Eu preciso sentir mais meu sertão. Fogo de lenha e tição, caneca no pote, uma história de assombração. Eu preciso ser mais meu sertão. Rosário de fé e de oração, tamborete antigo, na estrada uma procissão. Eu preciso viver mais meu sertão. Mandacaru em floração, um ramo para benzer, quartinha na janela do oitão. Eu preciso caminhar mais pelo meu sertão. Na boca da noite um pedaço de pão, um grilo cricrando, carcará, gavião. Eu preciso amar mais meu sertão. Secura e desolação, de vez em quando um relâmpago, de vez em quando o trovão. Eu num sei onde tô, mas eu queria o sertão!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com