*Rangel Alves da Costa
Uma casa.
Portas fechadas, janelas encostadas, silêncios. Pelas frestas, uma visão de
penumbra, de tristeza e de desalento.
Uma casa.
Na paisagem parecendo um mundo esquecido. Cores desfeitas pelo tempo. Endereço
sem visitantes. Uma visão de inexistência de tudo.
Uma casa.
Sua existência se resume à presença no meio do tempo. Um caminho que chega até
seus arredores. Uma estrada que vai seguindo adiante.
Uma casa
assim. Ou duas casas assim. Um monte de casas assim aqui tão perto ou nas
lonjuras do mundo. Casas assim e que parecem nunca serem avistadas.
Muita casa
assim nos beirais das estradas, nos vultos por dentro das matas, no
além-porteiras e além quase tudo. Os olhares avistam, porém nunca encontram
presenças.
Ao
primeiro olhar, parecendo até mesmo uma casa sem ninguém lá dentro ou mesmo
abandonada. Logo se imagina que a família partiu, fechou porta para nunca mais
voltar.
Em seu
interior, contudo, vidas silenciosas gritam seus instantes de distanciamento de
quase tudo. Nas suas entranhas, as vidas reclusas nas solidões e ao querer dos
velhos calendários na parede.
Geralmente pessoas envelhecidas, mas também vidas ainda jovens em seus melancólicos e aflitivos percursos cotidianos. Não significa a inexistência de parentes, de amigos e conhecidos.
Muitas
vezes são muitos, mas só da porta pra fora. Em muitas situações, nem mesmo as
famílias se fazem presentes perante aqueles que vivem como em contínuo
abandono.
De vez em
quando a porta da frente é semiaberta para então surgir uma feição sem sorriso,
sem brilho no olhar, sem alegria.
De vez em
quando, a janela é aberta para o sol entrar e alimentar as folhas secas da
solidão. Como vivem e o que fazem tais pessoas em seu mundo tão recluso e
entristecido?
São
pessoas comuns, são históricos de vida cabíveis em qualquer livro. Mas também
são pessoas que vivem em diferenciado mundo, e muitas vezes imposto pelos
demais.
Os demais
que fazem de conta que aqueles pessoas não existem, que não precisam ser
visitadas, que não precisam de uma fraterna e afetuosa consideração.
No Natal,
um prato de solidão sobre a mesa. Na passagem do ano, talvez já em seus
repousos noturnos, apenas serem acordadas pelos fogos e algazarras pelas ruas.
Lá fora, a
vida é festa, é sempre festa. Lá dentro, entre silêncios e esquecimentos, o
suportar apenas que as horas passem e passem. E sejam menos doloridas a cada
segundo.
Ou lá fora
a vida sempre passa, sempre segue seu rumo, deixando para trás aquela porta
fechada, aquelas vidas em cujas mãos há céus de salvação eterna.
As contas
do rosário vão passando pelos dedos. A boca sussurra uma oração. Os olhos
brilhos ante a luz do candeeiro. A vela chameja mostrando a face de Deus.
Mas nem
sempre se pode imaginar que seja assim. Apenas a casa e seu silêncio. Apenas o
silêncio de solidão e vidas à margem da vida.
Não se pretende, contudo, outra felicidade. Ali está Deus nas contas do rosário. Ali está a proteção e a felicidade em cada santo, em cada reza, em cada céu debaixo e acima da cumeeira.
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