Rangel Alves da Costa*
Há uma concepção antropológica pregando que
para entender o outro o indivíduo tem de sair um pouco de si para se inserir na
realidade cultural daquele que deseja entender. Ou seja, impossível vivenciar e
compreender determinada realidade a partir de um ponto de vista pessoal e sem a
devida valorização do fazer, do pensar e do agir do outro.
O mesmo se aplica à História. Para que seu
trabalho seja respeitado e reconhecido, o historiador tem de ser o mais isento
possível perante o objeto estudado. Não pode e nem deve agir e compreender os
fatos segundo partidarismos, concepções pessoais ou ideologias. Ou assim faz ou
sua pesquisa já nascerá vinculada a um objetivo que apenas terá forjada sua demonstração.
Os entendimentos acima serviram tão somente
como exemplificação para os fatos muito mais amenos que serão relatados a
partir de agora. Contudo, necessário que fosse assim, pois o que pretendo
demonstrar é o quanto é difícil compreender o mundo do jovem se o nosso
entendimento tiver como pressuposto apenas o nosso mundo ou a realidade que
adotamos como correta.
A compreensão da juventude jamais deverá ser
feita a partir de determinados aspectos tidos como válidos para pessoas de mais
idade ou mais velhas. Que se aceite ou não, mas o mundo do jovem é um e o mundo
do mais experiente é outro, e muito mais o mundo do idoso. Que se aceite ou
não, mas a concepção de vida do jovem é sempre diferente daquele de mais idade.
Então há de se indagar: os jovens estão sempre certos ou sempre errados?
Surge então outro conceito antropológico, o
de relativismo. Segundo a concepção relativista, os costumes, as crenças e os
valores, devem ser vistos perante o contexto social dos indivíduos, e não em
comparação ao que é adotado por outros indivíduos e sociedades. Significa que o
erro ou acerto deve ser julgado pela própria cultura e não pelos outros. O que
é certo num contexto social pode não o ser para outro. Por consequência, o que
possui validade no mundo jovem pode ser totalmente desprezado no mundo de mais
idade, mas nem por isso o idoso pode avaliar o erro da juventude por uma ótica
pessoal.
Tudo se insere como num espelho do tempo. O
jovem reflete o seu instante, a sua idade, a sua disposição, o seu modo de se
inserir socialmente. Exemplificações claras deste momento de vida estão nos
modismos, nos gostos pessoais, nas curtições. Logicamente que muitos dos gostos
e gestos dos jovens confrontam os mais idosos, mas nem por isso podem ser tidos
como errôneos. Muitas vezes as críticas são feitas sem ao menos entender que no
passado, quando o adulto era jovem, o mesmo era feito como acerto.
No espelho do tempo também está o que já
passou dos cinquenta, sessenta anos ou mais idade. No mesmo espelho está o
reflexo de seu passado, desde criança à idade que chegou. E basta um olhar para
o passado para compreender que o jovem possui um mundo que precisa ser muito
mais compreendido do que criticado. Ora, mas se diz que no meu tempo não era
assim, não havia tanta droga, tanta safadeza, tanta sem-vergonhice.
Tudo isso não passa de uma confissão
saudosista. Nem todo jovem usa droga nem é malandro ou safado, mas todo jovem
procura aproveitar ao máximo sua idade. E assim deve ser, pois não há fase na
vida onde os portais estejam mais abertos para o encontro consciente com as
belezas da existência. Se o velho de hoje não aproveitou o seu tempo como deveria,
então é um problema de acusar a si mesmo, mas não colocar na juventude a culpa
pelas dores do mundo.
Assim, para entender o jovem, o de mais idade
deve compreender a realidade vivenciada por aquele, deve também compreender que
viveu uma realidade parecida e que também foi criticado pelos mais velhos. Tudo
é uma questão de tempo. Mas tempo mesmo. Chega um tempo que não somos mais e só
encontramos erros nos que têm um mundo para viver.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com