Rangel Alves da
Costa*
Não se
trata aqui de nenhuma receita para a vida longa, para a vida saudável ou para a
felicidade no viver. Tais aspectos dizem respeito aos objetivos da existência e
podem ser alcançados em maior ou menor monta obedecendo-se a regras simples no
modo de viver e nas formas de convívio perante os demais.
Também não
ensina a fugir ou a distanciar-se de problemas ou situações indesejadas da
vida. Enfermidades, dores, sofrimentos, angústias, melancolias, preocupações e
demais situações aflitivas do corpo e da alma, são inseparáveis do ser humano e
experimentadas para o próprio renascimento espiritual do ser.
Em tudo há
o seu punhado ou tiquinho de sal. Mesmo a doçura da vida exige uma pitada de
sal. Daí que não se pode fugir das raivas, aborrecimentos e situações adversas.
O que se pretende é que o espírito seja sempre mais forte que a carne e consiga
suportar e superar os espinhos e tentações que sempre surgem ao longo da
caminhada. Ora, é por conhecer a dor que a alma festeja o contentamento.
Tomai de
exemplo uma grandiosa edificação, já asseverou o velho lastreado nas lições do
tempo. Não há construção que não exija esforço, suor, sacrifício. Não se ergue
parede sem ter de abrir as entranhas da terra para o alicerce, não se faz a
porta sem o sacrifício da madeira, nada se faz sem a renúncia de algo para que
em algo novo seja transformado. E só consegue edificar aquele que conhece desde
o grão de areia, onde nasce tudo, ao que desejou ter depois de toda luta.
Disse o
profeta que o ser humano vive num pêndulo entre o desejado e o indesejado.
Procura, a todo custo, ter o lado da felicidade mais próximo de si, mas não
consegue impedir a sua volta por impulso próprio. Eis que a ninguém é dado o
direito de ter apenas os prazeres e as alegrias sem que surjam tempestades no
seu céu de bonança. Como num navegar, é preciso suportar as tempestades para
colher os frutos da calmaria, dos ventos bons que ajudam à chegada.
É
característico de o homem desejar o melhor para si. Sabe o que quer, conhece
suas carências, sempre espera um dia alcançar seus objetivos. Contudo, nem
sempre imagina que as dificuldades surgidas são ocasionadas pelas suas próprias
ações. Como dizia o sábio, um coração ruim, frio, maldoso, não deve esperar que
a brisa da felicidade venha repousar sobre o seu peito. Há uma lei da
recompensa que distribui benesses e cobranças na justa medida.
A verdade
é que o sopro da felicidade, da paz, do amor e do bem viver, não ultrapassa a
janela da alma que vive fechada para a vida e o reconhecimento do próximo.
Engana-se aquele que imagina poder fingir outra feição quando a frieza de seus
atos não nega a realidade do coração. Contradiz a si mesmo todo aquele que
busca a felicidade e grandes realizações e o seu íntimo ocultamente vive se
ocupando em desejar a infelicidade do próximo.
A verdade
é que o ser humano vive se negando. Dificilmente alguém reconhece erros, se
submete ao crivo da verdade além da aparência. A bem dizer, o mundo está
repleto de pessoas virtuosas, humanistas, honestas, sensíveis, afetuosas,
amorosas, obedientes, amigas, cordiais. Ao menos assim querem transparecer,
pois sempre fingindo tais aparências. Contudo, basta que seus egoísmos e
vaidades sejam contrariados que a máscara é revirada e a verdadeira pessoa se
lança com todas as armas.
E o ser
humano além do disfarce não se mostra outro que não aquele da realidade
avistada no dia a dia. E a realidade é a de um mundo humano mais parecendo uma
selva de labirintos medonhos e bichos ferozes, traiçoeiros, perigosos.
Constata-se que o homem progrediu na espécie para se tornar cada vez mais
arrogante, prepotente, violento, perigoso, desumano. É um mundo de presas e
garras afiadas, traições e emboscadas, línguas ferinas, gestos impiedosos e
mãos insensíveis.
Enquanto
violam a vida, a paz demagógica continua inalcançável. Enquanto fazem acordos
de paz, os soldados avançam sedentos sobre as fronteiras. Enquanto somam as
riquezas, milhões se dobram à fome e às mais cruéis formas de degradação
humana. Enquanto enviam homens ao espaço, tantos outros sequer possuem um lugar
de sobrevivência. Enquanto a medicina avança, milhares de pessoas morrem todos
os dias pelos chãos fétidos dos hospitais.
Mas nem
tudo espanto e desalento. Mesmo corroído, o homem sempre tende ao renascimento.
É só querer. Basta refletir sobre seus objetivos na existência e perceber que
ainda possui algo mais grandioso que tudo: o viver. E tal viver implica em
humanização, em convívio pacífico, em elevação espiritual pela prática do bem, em
regozijo da alma por compartilhar coisas boas.
E
principalmente não esquecer que a verdadeira felicidade é encontrada em coisas
simples, assim como sorrir ao abrir a janela, um cumprimento ao conhecido da
vizinhança, um gesto de afeição àqueles que tanto precisam de uma palavra. Nada
impossível ao homem. O seu íntimo deseja isso, e ele sabe disso.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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