SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 4 de maio de 2015

PEQUENO MANUAL DA VIDA


Rangel Alves da Costa*


Não se trata aqui de nenhuma receita para a vida longa, para a vida saudável ou para a felicidade no viver. Tais aspectos dizem respeito aos objetivos da existência e podem ser alcançados em maior ou menor monta obedecendo-se a regras simples no modo de viver e nas formas de convívio perante os demais.
Também não ensina a fugir ou a distanciar-se de problemas ou situações indesejadas da vida. Enfermidades, dores, sofrimentos, angústias, melancolias, preocupações e demais situações aflitivas do corpo e da alma, são inseparáveis do ser humano e experimentadas para o próprio renascimento espiritual do ser.
Em tudo há o seu punhado ou tiquinho de sal. Mesmo a doçura da vida exige uma pitada de sal. Daí que não se pode fugir das raivas, aborrecimentos e situações adversas. O que se pretende é que o espírito seja sempre mais forte que a carne e consiga suportar e superar os espinhos e tentações que sempre surgem ao longo da caminhada. Ora, é por conhecer a dor que a alma festeja o contentamento.
Tomai de exemplo uma grandiosa edificação, já asseverou o velho lastreado nas lições do tempo. Não há construção que não exija esforço, suor, sacrifício. Não se ergue parede sem ter de abrir as entranhas da terra para o alicerce, não se faz a porta sem o sacrifício da madeira, nada se faz sem a renúncia de algo para que em algo novo seja transformado. E só consegue edificar aquele que conhece desde o grão de areia, onde nasce tudo, ao que desejou ter depois de toda luta.
Disse o profeta que o ser humano vive num pêndulo entre o desejado e o indesejado. Procura, a todo custo, ter o lado da felicidade mais próximo de si, mas não consegue impedir a sua volta por impulso próprio. Eis que a ninguém é dado o direito de ter apenas os prazeres e as alegrias sem que surjam tempestades no seu céu de bonança. Como num navegar, é preciso suportar as tempestades para colher os frutos da calmaria, dos ventos bons que ajudam à chegada.
É característico de o homem desejar o melhor para si. Sabe o que quer, conhece suas carências, sempre espera um dia alcançar seus objetivos. Contudo, nem sempre imagina que as dificuldades surgidas são ocasionadas pelas suas próprias ações. Como dizia o sábio, um coração ruim, frio, maldoso, não deve esperar que a brisa da felicidade venha repousar sobre o seu peito. Há uma lei da recompensa que distribui benesses e cobranças na justa medida.
A verdade é que o sopro da felicidade, da paz, do amor e do bem viver, não ultrapassa a janela da alma que vive fechada para a vida e o reconhecimento do próximo. Engana-se aquele que imagina poder fingir outra feição quando a frieza de seus atos não nega a realidade do coração. Contradiz a si mesmo todo aquele que busca a felicidade e grandes realizações e o seu íntimo ocultamente vive se ocupando em desejar a infelicidade do próximo.
A verdade é que o ser humano vive se negando. Dificilmente alguém reconhece erros, se submete ao crivo da verdade além da aparência. A bem dizer, o mundo está repleto de pessoas virtuosas, humanistas, honestas, sensíveis, afetuosas, amorosas, obedientes, amigas, cordiais. Ao menos assim querem transparecer, pois sempre fingindo tais aparências. Contudo, basta que seus egoísmos e vaidades sejam contrariados que a máscara é revirada e a verdadeira pessoa se lança com todas as armas.
E o ser humano além do disfarce não se mostra outro que não aquele da realidade avistada no dia a dia. E a realidade é a de um mundo humano mais parecendo uma selva de labirintos medonhos e bichos ferozes, traiçoeiros, perigosos. Constata-se que o homem progrediu na espécie para se tornar cada vez mais arrogante, prepotente, violento, perigoso, desumano. É um mundo de presas e garras afiadas, traições e emboscadas, línguas ferinas, gestos impiedosos e mãos insensíveis.
Enquanto violam a vida, a paz demagógica continua inalcançável. Enquanto fazem acordos de paz, os soldados avançam sedentos sobre as fronteiras. Enquanto somam as riquezas, milhões se dobram à fome e às mais cruéis formas de degradação humana. Enquanto enviam homens ao espaço, tantos outros sequer possuem um lugar de sobrevivência. Enquanto a medicina avança, milhares de pessoas morrem todos os dias pelos chãos fétidos dos hospitais.
Mas nem tudo espanto e desalento. Mesmo corroído, o homem sempre tende ao renascimento. É só querer. Basta refletir sobre seus objetivos na existência e perceber que ainda possui algo mais grandioso que tudo: o viver. E tal viver implica em humanização, em convívio pacífico, em elevação espiritual pela prática do bem, em regozijo da alma por compartilhar coisas boas.
E principalmente não esquecer que a verdadeira felicidade é encontrada em coisas simples, assim como sorrir ao abrir a janela, um cumprimento ao conhecido da vizinhança, um gesto de afeição àqueles que tanto precisam de uma palavra. Nada impossível ao homem. O seu íntimo deseja isso, e ele sabe disso.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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