Rangel Alves da Costa*
O sol se esconde, o dia vai embora, mas as
sombras ainda persistem como companhia, seguindo, ao lado, por dentro, por todo
lugar.
A noite cai, a escuridão povoa o mundo, mas
não consegue afastar as sombras do dia, do passado, de todo o percurso de vida.
A noite, quando iluminada, também produz
sombras. A luz recai sobre o corpo e provoca um sombreamento no espaço em que a
luminosidade não consegue ultrapassar.
Contudo, as sombras que persistem são aquelas
que acompanham o ser mesmo na mais completa escuridão. Ainda que seja breu de
vaga-lume, e lá estarão as sombras assustadoras.
Mas não se trata de fantasmas, de seres furtivos
e aterrorizantes, que se ocultam na escuridão para repentinamente surgir. Não
se trata de nada do outro mundo nem da imaginação.
As sombras são reais, verdadeiras, vivas,
reconhecíveis. O ser sabe que não está sozinho, sabe que suas sombras não o
deixam apenas consigo mesmo.
Persistentes que são as sombras, das quais
ninguém pode se afastar. Sente na pele, no olhar, no peito, mas principalmente
no sentimento. E que se põem a martirizar lentamente.
E assim por que provocadas e conduzidas pelo
ser humano desde suas angústias, dores, aflições, medos. E impossível negar sua
existência como companhia.
Não surgem ao acaso, não entram pela porta
nem se derramam da lâmpada acesa acima do corpo. Todo o seu reflexo vem do
pensamento, da mente humana e seus fantasmas angustiantes.
As sombras se instalam na mente e começam a
se cultivar a si mesmas para sombrear com maior força após a chegada da noite,
quando a escuridão fragiliza a alma.
Após o entardecer, mas principalmente quando
a noite chega e a escuridão debaixo da lua se espalha pelos quadrantes, então o
ser se torna presa de si mesmo, de tão fragilizado que fica.
A noite talvez abra os portais dos escondidos
da alma e traga ao instante tudo aquilo que tanto se deseja evitar. Mas o
pensamento vai buscar e o sentimento a tudo recepciona dolorosamente.
Surgem as sombras da saudade. A mente vai
abrindo os velhos álbuns, diários, livros antigos. E passando página a página,
provoca reencontros que causam além da saudade: aflição e tormento.
Surgem as sombras das relembranças. Os
retratos, as feições, as vozes, os adeuses, as despedidas, as promessas, tudo
vai surgindo mais fortemente em meio ao negrume. E não há como fugir do desejo
inato de voltar ao passado através da recordação.
Surgem as sombras dos erros. Na noite as
culpas chegam com voracidade de ventania. Como uma prestação de contas, a
pessoa vai somando os desacertos e se diminuindo cada vez mais. E só resta
lamentar e se prometer que nunca mais aquilo se repetirá.
Surgem as sombras da nostalgia, da
melancolia, da depressão e da tristeza profunda. Sai para se confortar debaixo
da lua, caminhar pela solitária rua, se põe à janela em busca de um pensamento
bom, mas tudo se mostra inverso: a mente não atende ao desejo de contentamento.
Surgem as sombras da solidão. E nas sombras
da solidão não há luz que faça avistar qualquer coisa além do vazio, do nada
desesperador. É a escuridão dentro da escuridão, uma sombra maior que a tudo
envolve e deixa o próprio ser como inexistente.
E tantas e mais tantas sombras vão surgindo
na noite. Não adianta acender mais uma vela nem colocar outra lâmpada no quarto
ou na sala. Ninguém ilumina por dentro quando chega a hora de sua noite.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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