SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 27 de maio de 2015

A RAIZ


Rangel Alves da Costa*


Não há outro livro que ensine mais que a vida. Não há aprendizagem maior que a capacidade de reconhecer-se nos erros e acertos e procurar mudar ou melhorar. E aprender significa não só compreender como praticar a humildade, a simplicidade, a generosidade, o amor ao próximo.
E na vida, o tempo, o percurso, a aprendizagem também em cada passo. Quanto mais se alonga a caminhada mais o ser humano vai aprendendo a conhecer aquilo que por muito tempo tratou com menosprezo ou futilidade. E igualmente a valorizar pequenas coisas que jamais imaginou tão significativas na existência.
Confesso que quando jovem eu quis ser além de minhas possibilidades. Mas tudo era possível. Parafraseando Fernando Pessoa, porque eu era do tamanho do que desejava avistar e não do tamanho da minha altura... E assim porque sempre fui sonhador e achava que poderia transformar todos os planos em realidade.
Sorte minha que não sonhei demais. Minha vida no sertão me fez pisar no seu chão e sentir no calor de sua terra a importância de primeiro ser o lugar e somente depois o mundo. E foi a vivência do lugar, em meio ao meu povo, que muito modificou meu olhar sobre o mundo.
Relembrando Drummond, fui menino rico. Tive ouro, tive prata, tive diamante. Ter o que eu tive num sertão empobrecido é possuir uma riqueza descomunal. Nunca me faltou brinquedo, comida, roupa, sapato, brilhantina, perfume, tudo tive ao meu alcance. E poucos dos meus amigos tinham sequer a metade do que eu possuía.
E quantos daqueles jovens sertanejos, amigos de todo instante, tiveram a oportunidade de estudar na capital àquela época? Só Deus sabe a dor sentida quando, aos onze anos, lá pelos idos de 74, tive de deixar Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo em direção a Aracaju, cortando a distância na velha marinete de Seu Vavá.
Mas depois percebi o quanto isso foi valioso em minha vida. Não pela formação acadêmica que consegui, pois estudei História, Jornalismo e Direito, e hoje advogo em escritório próprio, mas pelos sentimentos despertados de forma jamais imaginada. E desde o dia que deixei meu sertão.
A distância, a saudade, o amor pela terra, e mais o orgulho imenso de ser sertanejo, começaram a moldar minha feição de tal modo que jamais o mundo conseguiria me configurar de outro jeito. A ausência da minha lua e do meu sol, ao invés de me fazer acostumado com uma paisagem qualquer na cidade grande, acabou me tornando ainda mais sertanejo.
Nos fins de semana e principalmente nos períodos de férias escolares, chegar a Poço Redondo significava o convívio com aquilo que verdadeiramente importava em minha vida: reencontrar os amigos, abraçar os velhos sertanejos, prosear nas calçadas, caminhar pelo seu chão cativante e suas veredas abrasadoras. Como era bom estar ali bebendo na mesma cuia de tanta riqueza.
Meu humanismo e minha humildade – sem o mínimo de demagogia, acreditem – nasceram do amor ao sertanejo, do prazer de ser amigo de cada um, do tratamento indistinto ao do casebre distante e ao da cidade, do alimento saciado em cada causo, cada prosa, cada gole de casca de pau. E além de ser sertanejo, ter também o sertanejo como um igual, falando a sua palavra e acatando sua lição.
Tais aspectos foram – e continuam sendo - de fundamental importância na minha vida. E nada no mundo me transformaria. Sou simples, sou humilde, sou amigo, sou apenas um sertanejo, na cidade grande ou em qualquer lugar. Sou aquele que preserva a memória sertaneja e a cada passo a descreve nos jornais, não porque sejam assuntos conhecidos, mas pela simples razão do amor sentido.
Mesmo estando noutro lugar, e mais ausente da terra do que deveria, continuo tão sertanejo como o calango do mato, o preá, o xiquexique, o mandacaru. E com o coração sempre orgulhoso de minha raiz.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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