“NESTA RUA, NESTA RUA TEM UM BOSQUE QUE SE CHAMA SOLIDÃO...”
Rangel Alves da Costa*
“Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um anjo/ Que roubou, que roubou meu coração/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ Tu roubaste, tu roubaste o meu também/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ É porque, é porque te quero bem/ Se esta rua, se esta rua fosse minha/ Eu mandava, eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes/ Para o meu, para o meu amor passar...”.
Creio que a maioria das pessoas lembra dessa cantiga infantil, dessa música embalando as brincadeiras de roda em noites de lua cheia, nas ruas prateadas pelas estrelas e na paz e no sossego de um dia. Própria das meninas de trança nos cabelos e saias rodadas, floridas, era cantada em movimento, com a roda rodando e as mãos se dando numa harmonia angelical.
Fui menino sertanejo e ainda lembro muito bem daquelas meninas versejando a lindeza da vida em noites rodadas nas brincadeiras sem fim. Eu corria de cavalo de pau, passando por elas em busca do boi veloz, mas a todo instante eu descia do meu alazão de ilusões e ficava espiando tanta coisa bonita, tanta menina bonita a cantar cantigas de alegrar coração.
Ouço ainda tudo como se fosse agora, vendo aquelas mãos dadas a dar o primeiro passo e depois rodar sem parar e os lábios de batom de fruta do mato avermelhada se abrindo para ecoar a poesia infantil, o doce momento de uma idade, a festa do coração puro e inocente, talvez sem saber que eu era apaixonado por todas elas. Menos a Joaninha, que já era minha namorada.
O repertório musical daquelas meninas era escolhido a dedo. Não posso esquecer elas entoando debaixo da noite iluminada “Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser semeado...”, “Como pode um peixe vivo viver fora de água fria...”, “Fui no Tororó beber água não achei, só achei bela morena que no Tororó deixei...”, “Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá, uma vez, tindolelê, outra vez, tindolalá...”, e a inesquecível “Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão...”.
Tenho essa última canção infantil como inesquecível porque mesmo sem ter mais rodas para ouvi-la da boca das meninas, sua letra e sua melodia ainda me marcam de tal modo que de repente me surpreendo cantando, lá no cantinho da mente saudosa, essa simbologia maravilhosa. Contudo, tenho também de confessar que todas as vezes que ouço minha mente cantando fico entristecido, saudosista demais e angustiado.
Esse bosque do qual fala a canção é uma coisa infinitamente bela e instigante nos meus sentimentos. Bela e triste ao mesmo tempo, vez que imagino uma série de situações que poderiam estar acontecendo por dentro daquele emaranhado de folhagens e sonhos. E o pior é que dentro dele também mora a solidão.
Ora, meu Deus, não pode ser outro o bosque que encontramos pelos caminhos todas as vezes que abandonamos essa estrada de asfalto, cimento e ferro. Certamente que é o bosque onde ainda podemos encontrar as fantasias que nos fogem com o tempo, as ilusões que esmorecem pela nossa seriedade, as expectativas de se encontrar ainda a felicidade, o encantamento, um mundo de sonhos nessa difícil realidade.
Nesse bosque mora um anjo e um beija-flor, um colibri e uma flor, um espanto e um espantalho, um medo e um assombro, um fantasma de nós mesmos e um silencioso grito. Nele se esconde o retrato da namorada, a carta de amor que mandei e ela não recebeu, um lenço branco ainda molhado de tanto adeus. Lá também está o retrato de minha família e do meu passado. Eu era feliz e não sabia...
Por isso que em minha vida tem um bosque, que se chama, que se chama saudade. E quanta saudade nesse bosque, e quanta solidão lá dentro e aqui onde vivo a cirandar pela vida, sem outra mão a rodar, sem outra voz a cantar o canto da lua e da vida. Nem lua tenho mais, só uma lembrança dizendo que a felicidade é muito, mas muito distante.
Poeta e cronista
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