SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 1 de julho de 2011

CRIANÇA CAÇANDO VENTO (Crônica)

CRIANÇA CAÇANDO VENTO

                                 Rangel Alves da Costa*


Já tinha visto de tudo, presenciado quase tudo, coisa de admirar e também de espantar. Já tinha visto criança fazendo de pedaço de pau um cavalo alazão, conversar com boneca de pano, roubar a vassoura da bruxa e viajar pelas nuvens, dar peteleco no dragão malvado do reino encantado.
Tinha visto de tudo, mas criança caçando vento nunca tinha visto não. E quando soube dessa história foi em deus-nos-acuda, dizendo que o mundo endoidou, que tudo maluqueceu, que só faltava essa: menino deixar de brincar pra se danar a caçar vento. Só sendo coisa de menino...
Mas era verdade, havia um menino que de repente cismou de caçar vento e depois da escola e da fazer a lição de casa não queria saber de outra coisa senão se danar pelo mundo caçando vento. Mas seu aboio era o silêncio, sua arma a paciência, seu motivo... Só Deus sabe!
Era caçador exigente, sabendo o que realmente queria, pois nem chegava perto de ventania, pois dizia que era muita danada e arrelienta pra ficar dentro do seu alforje, nem queria saber de brisa, vez que, segundo ele, era leve e sonolenta demais e não servia para o que pretendia fazer com a coleta do vento.
Chegava em casa perto do meio dia, almoçava, descansava e depois ia estudar, fazer a lição de casa, saber se era conveniente entregar à sua mãe o bilhetinho que a professora mandou. Outras vezes não tinha dado muito certo essa história de entregar a correspondência da escola. Não era mais besta de andar procurando palmada pra própria bunda.
Depois de feita a lição, se apressava para pegar o alforje e dar início à sua jornada de caçador. Gostava sempre de seguir por novos caminhos, novas veredas, subir em pedras jamais visitadas e serras e montanhas ainda não exploradas. E fazia assim por um motivo muito forte.
Segundo ele, vento que se orgulha do poder, da magia e do encantamento que tem sabe muito bem quando as pessoas se aproximam para roubá-lo e colocá-lo num saco, numa bola de assopro, dentro de uma garrafa, e até para ventilar em lugares aonde reinam somente o calor e a sequidão. Por isso vento bom era sempre desconfiado e nunca passava pelo mesmo lugar onde a mesma pessoa estava esperando para aprisioná-lo.
Assim, andando por uma estradinha desconhecida, rumo a um monte ainda não visitado, subia cuidadosamente no local e lá em cima começava a se preparar para fazer daquele dia o de melhor e maior caçada. Pegava o alforje, abria bem a boca, deixava prontinho ao lado porque sabia que ainda não era o momento certo de pegar o vento.
O vento já existia, de vez em quando também brisa e ventania, mas não queria nada daquilo antes do tempo. E segundo ele, o momento certo para caçar vento era quando o sol ia ficando mais calmo, mais suave, os raios já não eram tão escaldantes. Ficava, pois, olhando a maravilhosa natureza ao redor até sentir na pele que já estava chegando o momento.
E quando percebia que o sol ia perdendo a força olhava para o lado, adiante, para o distante horizonte e reconhecia quando a sua presa vinha cortando os ares, silencioso, inocente, apenas soprando, apenas vento, sem jamais imaginar que o caçador estava à sua espera. E ele então pegava a sua armadilha, o seu alforje, a sua bolsinha de couro, e virava sua boca bem de encontro à passagem do vento.
E o vento, coitado, todo orgulhoso e solene, achando que ia passar causando arrepios, de repente se via preso, engolido pela escuridão dentro da armadilha. Rapidamente a boca era lacrada, com o maior zelo e cuidado do mundo, e depois o menino descia feliz e contente, pulando alegre, cantante, menino desatinado, buscando o caminho de casa.
Ainda na estrada, olhava pra frente de casa para ver se enxergava alguma coisa, se tinha gente ali lhe esperando. E já apressava o passo, já vinha correndo, já louco pra se juntar aos amigos que esperavam ansiosos. Já estavam lá sim, esperando o caçador.
E quando chegava, a primeira coisa que os amigos faziam era olhar para o alforje de couro. E de repente ele soltava o alforje no ar, cheio de vento, que logo se transformava numa bola e todos agradeciam ao caçador de vento por mais um dia de brincadeira com bola cheia. Cheia de vento.
E que felicidade os meninos correndo, brincando, jogando, vivendo, chutando a bola, a bola cheia de vento...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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