SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

TEMPESTADE - 79 (Conto)

TEMPESTADE – 79

                          Rangel Alves da Costa*


A montanha era a melhor amiga que Teté possuía, disso ele não duvidava. Ao menos nunca iria ficar com raiva nem falar mal, disso também ele tinha certeza. Nos instantes de solidão, quando queria apreciar a natureza, conversar consigo mesmo e com a pedra que ficava lá em cima, corria e num instante chegava ao local. Ali se sentia noutro mundo, em paz, pertinho de Deus.
Se a montanha era sua melhor amiga, não havia quem conhecesse sua vida mais que a pedra onde ele sempre ficava quando chegava ali. Embaixo de um pé de pau, num ponto estratégico, a pedra era como se fosse um trono onde cada um que sentasse nela e apreciasse a vista ao redor se sentia verdadeiro rei. Mas soberano humildemente ajoelhado diante das grandezas da criação.
Desse modo, quando sentiu que sua cabeça estava a ponto de explodir cheia de culpa pela tempestade que tinha certeza ter mandado cair sobre a cidade e região, bem como se viu impulsionado a buscar uma rápida solução para o problema causado, o maluquinho sentiu que precisava prestar contas a si mesmo. Somente na montanha ele poderia se encontrar, se indagar, perguntar a pedra o que deveria fazer, encontrar enfim uma solução.
Mas com a tempestade que não dava trégua era quase impossível chegar à montanha. Ela ficava próxima à cidade, porém depois do riachinho, entrando em vereda, fazendo curva. Contudo, nem pensou duas vezes, pois na carreira que estava foi vencendo tudo como se tivesse o dom de correr sobre as águas e foi diretamente para uma parte mais alta de onde o riachinho descia com mais força.
Chegando ao local, derrubou um tronco e o arrastou até a correnteza das águas e depois se deitou sobre ele e foi dando braçadas até o ponto que queria. Mais adiante fez a madeira encostar-se à margem, no local exato que daria acesso à vereda que o levaria à base da montanha. Então começou outra correria, a maior pressa do mundo, pois a cabeça ainda estava completamente tomada por sentimentos de culpa e ansioso para dar logo um basta nessa situação.
Nenhuma outra pessoa conseguiria subir na montanha do jeito que ela estava com a tempestade, a não ser logicamente o maluquinho. Perecia enxergar tudo em meio ao negrume, saber por onde deveria seguir, ter um norte exato em tudo que fazia. É até difícil acreditar, mais ele preferiu subir pelo meio do mato, segurando em árvores e paus, fazendo de caminho qualquer lugar onde pudesse colocar o pé. E não demorou muito chegou ao cume, ao ponto mais alto da montanha, onde havia uma imensa árvore e a pedra amiga debaixo dela.
Ao chegar ao local nem parecia ter feito tanto esforço. Não demonstrava qualquer tipo de cansaço, de arranhões ou machucões pelo corpo, apenas o aspecto tristonho que não queria lhe abandonar. Continuava realmente triste, angustiado, se culpando demais, em tempo de enlouquecer mais ainda. Por isso mesmo olhou para a amiga pedra e ficou em silêncio. Era a primeira vez que deixava de cumprimentar a pedra quando chegava ali.
Contudo, sentou por cima dela e entristeceu mais ainda pela visão que passou a ter de tudo ao redor. As luzes surgiam repentinamente e a dor aumentava ainda mais. Na escuridão, com a chuva cortante, a ventania ainda mais forte naquele local e os relâmpagos parecendo que riscavam ao lado, não havia como não lamentar que um lugar tão belo agora parecesse um mirante de observação para o mundo que se acabava lá embaixo. Baixou a cabeça e começou a chorar.
Ainda em meio ao choro começou a falar com a pedra:
“Desculpe se não falei com você. Você me viu chegar e também não falou comigo, como sempre faz com a sua eterna mudez. Se não fosse pedra eu ia forçar você a falar direitinho. Mas deixe isso pra lá, pois sei que depois que ouvir o que tenho a dizer ou me diz alguma coisa, me ajuda, ou nunca mais venho aqui, subo nessa montanha e venho sentar pertinho de você...”.
Levantou, pegou umas pedrinhas pequenas e jogou bem longe, caminhava de um lado a outro e continuou:
“Você lembra que eu vim aqui outro dia rezar pra Deus me ajudar ser dono, ao menos por um dia, da maior tempestade que houvesse? E pedi a tempestade e pra ser dono dela por que queria fazer medo àqueles que gostam de zombar de mim, de me chamar de doido e fazer comigo um monte de crueldades que não mereço, como você bem sabe? Rezei tanto, fiz tanta prece que acabei sendo atendido. A chuva veio e ainda tai em enxurrada, com toda força e ferocidade. É água caindo de não acabar, mas também trovão, relâmpago, ventania e muito mais. É um monte de coisa junto e destruindo tudo. O pior é que está destruindo tudo, A tempestade que pedi, a que veio pra eu ser o dono, veio e perdi o controle e agora ela tá destruindo tudo. Por isso mesmo é que voltei aqui pra falar novamente com Deus. Preciso que ele me escute, me perdoe se fiz um pedido ruim e faça com que essa tempestade vá logo embora, acaba de uma vez por todas, pois não suporto mais ver tanto padecimento, tanta gente sofrer por minha culpa. Tem havido morte, desabamento, triste e aflição, e eu não quero mais ser o responsável por isso não. O que você me diz minha pedra, se eu pedir ele me atende novamente, só que dessa vez pra desfazer o malfeito?”.
E começou a chorar novamente, tendo até dificuldades para continuar expondo sua dor para a pedra. Mas continuou com a voz entrecortada:
“O que você me diz, será que ele vai me ouvir novamente? E pensando bem, minha pedra amiga, eu não sou dono de nada, principalmente das coisas de Deus. Quem sou eu pra querer ter o poder divino de fazer chover ou começar a estiagem? Quem sou eu pra...”. E se assustou porque começou a ouvir uma voz, e tinha certeza que vinha da pedra. Eis que Deus encontrou na impossível boca daquela solidez um meio de se expressar.

                                                   continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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