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segunda-feira, 25 de julho de 2011

A DOR E O LUTO PELA BELA SINÉSIA (Crônica)

A DOR E O LUTO PELA BELA SINÉSIA

                               Rangel Alves da Costa*


Diferentemente dos autores de novelas que matam seus personagens e ficam felizes porque aumenta a audiência de suas tramas, bem como dos romancistas que fazem da morte de suas criações uma forma eficaz de dar desenvolvimento aos enredos, sinto a morte de um personagem como algo realmente pesaroso.
Também escrevo romances e há cinco dias que não tenho forças nem encorajamento para escrever uma só linha. E tudo porque tive que matar uma personagem. É um luto angustiante e todas suas consequencias, pois parece que o mundo vai acabar pela partida inusitada, ainda que através de uma morte dignificante, se assim puder ser considerada uma morte, da bela e meiga Sinésia, a prostituta.
Segundo dizem, pois só o conheço como dor, o luto é uma reação da mente a perda de outro ser com grande significado, geralmente de um ente querido; sentimento de pesar ou tristeza pela morte de alguém; tristeza profunda causada por grande calamidade; dor, mágoa, aflição. O poeta diz ser a alma enegrecida pela ausência.
Reconheço que estou de luto porque estou com tristeza na alma. Não é apenas uma melancolia, com a perda de interesse na realização de coisas importantes e pelo mundo externo. Na concepção freudiana reconheço o meu luto, o meu intenso abalo psicológico pela retirada desse mundo, mesmo que através das minhas próprias mãos de escritor, da prostituta Sinésia.
Aliás, ao tratar do luto, Freud já afirmou que este é a reação à perda de uma pessoa amada, uma dor intensa e angustiante, a perda de interesse pelo mundo, a dificuldade de enxergar outra pessoa com as mesmas características, o desinteresse de realizar tarefas que digam respeito à pessoa que se perdeu. No luto o mundo torna-se vazio e insignificante, a vida só é refeita ao passo, ao peso e ao preço da dor.
Verdade é que agora totalmente enlutado, estou sendo vítima do meu próprio erro ao tirar das páginas do meu livro personagem tão importante. Desde que concebi a estória, alinhei toda a trama e elaborei as estratégias de desenvolvimento da obra, sempre colocava Sinésia como peça fundamental no desenrolar de tudo.
Ela, a doce e sensual Sinésia, ainda que carregando em si a pecha discriminatória de prostituta, de quenga de qualquer um e qualquer moeda, era uma das personagens principais, mais importantes, de cujas ações e pensamentos os outros acontecimentos se desenvolveriam.
Para ser mais sincero, ela estaria presente no desfecho da trama, a estória terminaria com aquilo que o destino lhe havia reservado. A glória ou a lama, a fruição de um sincero amor ou continuando na beira do cais à luz do luar? Não há mais como saber. Dor, triste dor, doce e bela Sinésia...
Era noite, estava chovendo, lembro muito bem. Estava escrevendo e saí com uma xícara de café na mão para o portão. Olhava a chuva de um jeito melancólico. Assim que tomei o café acendi um cigarro e fiquei pensando nas situações diferentes e inesperadas que haviam surgido na estória. Sinésia, para continuar sendo como imaginei desde o início, jamais deveria fazer o que acabava de ser feito.
Pelo impulso do escritor, fiz com que Sinésia, à altura da metade do romance, se mostrasse e assumisse na igreja, em meio às beatas e para espanto e quase morte do velho sacerdote, que era prostituta mesmo e tinha prazer e honra de vender o seu corpo para qualquer um. Mas que loucura, jamais poderia ter sido assim. Esse segredo a bela moça deveria guardar até o final, quando no confessionário contaria toda a verdade e revelaria o nome do seu grande amor.
Mas não, achei de revelar no meio do romance situações que estavam guardadas para o final e agora, totalmente desacreditada pela sociedade, não havia mais nenhuma razão para que ela continuasse viva nos meus escritos. Tive que colocar, através das mãos do sacerdote, uma hóstia envenenada em sua boca e ela morreu com a boca espumando, caída perto do altar.
Fiz isso porque estava apaixonado por Sinésia, personagem que criei e tive que covardemente matar. Crime passional, confesso. E matei para não vê-la mais se entregando aos braços de um e de outro, num apelo sexual desenfreado. Daí minha dor, daí o meu luto.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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