SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 26 de julho de 2011

TEMPESTADE - 78 (Conto)

TEMPESTADE – 78

                          Rangel Alves da Costa*


Teté já havia conduzido sem problemas os meninos até a casa, já havia acompanhado todo aquele sofrimento inicial, mas não podia permanecer ali por muito tempo. Tinha que sair rapidamente porque precisava visitar o seminarista Tristão e saber como andava sua recuperação. Não confiava muito naquelas que cuidavam dele não, principalmente depois das maluquices de Antonieta.
Verdade é que tinha outros assuntos também pra tratar com o doente. Assuntos de amor, de amar, de revelação e consequencia. Para os dois amigos, faria esse papel de cupido com satisfação. O problema maior era a promessa pra ser padre levada a efeito por ele, mas também haveria de dar um jeito nisso. De qualquer forma, talvez o rapaz recebesse com muito agrado notícias do seu grande amor, da professorinha.
Assim que disse já estar saindo, Manuela chamou-lhe num canto e perguntou se já tinha falado a Marildinha sobre o que tinha acontecido com a casa, se a menina já sabia que a moradia havia sido completamente destruída pelas chuvas. Ele respondeu que não tinha tido coragem. Então, mais entristecimento se abateu sobre ela, vez que sabia não ser fácil conversar essas coisas de perda com a filha.
E antes mesmo que os dois acabassem a conversa, a menina chegou perto da mãe para dar um abraço. Fez um carinho e perguntou: “Mamãe, como a gente vai poder ir pra casa num escuro e numa chuva dessas?”. E Marilda sentiu um buraco se abrir e ser completamente tragada pela dor e pela impotência. O que dizer a filha num momento daqueles, em meio a um clima onde o silêncio era o menos gritante?
Teté já havia dado um passo pra sair e teve que recuar diante do que ouviu. Sabia que a coitada da mãe ia se derramar em prantos, se não desmaiasse mais uma vez, e acabaria complicando ainda mais as coisas. Por isso mesmo chamou as duas para irem à cozinha e ele mesmo revelaria de uma vez por todas o triste acontecimento.
Porque tinha pressa, procurou ser rápido, mas prático e eficiente no que ia dizer. E assim se esmerou pra falar:
“Marildinha, infelizmente vocês tão cedo não poderão retornar à sua casa. Ainda que venha a manhã e que saia um sol bem bonito, mesmo assim vocês não poderão ainda voltar. Pelo que você mesma viu e vê, essa tempestade trouxe muito prejuízo para a vida das pessoas, muitos viram os móveis que restavam sendo levados pelas correntezas, até pessoas foram levadas pela força das águas. A mãe de Tiquinho já estava doente sim, é verdade, mas esse tempo ruim demais talvez tenha sido a gota d’água pra ela piorar e morrer. E como eu já disse, não foi só ela que morreu não. Pra falar a verdade, só se viu dor e sofrimento nas últimas horas. A professorinha e o seminarista doentes são exemplos disso. O casal Antonio e Fabiana nem sei se conseguiram ficar bem depois do que passaram. Agora eu vou dizer uma coisa e preste bem atenção. Muitas casas não suportaram a força da ventania com a sede de destruição das águas e foram completamente derrubadas. Algumas pessoas estavam dentro de suas casas e ficaram feridas. Sorte que a sua casa...”.
E foi interrompido pela menina: “A nossa casa também foi destruída...”. Foi a vez de a mãe abraçar a filha e completar, chorosa de não acabar mais: “Foi, minha filha, foi. Foi completamente destruída e só sobrou a sua boneca por cima do barro”. Não se sabe como, mas nesse instante o maluquinho já estava chegando com a boneca, ainda suja, toda descabelada.
“Não fique triste não, mamãe. Como Teté disse, muito pior aconteceu, basta olhar ali pra Tiquinho e seu pai, coitados, tendo que lamentar de verdade. Mas graças a Deus minha filhinha foi salva da destruição. Agora é só dar um banho nela e colocar pra dormir. Numa tristeza dessa não sei como vai cochilar, mas tem que descansar”. Após dizer isso a menina pediu uma caneca de água ao maluquinho pra lavar seu brinquedo. Mas ele já tinha saído feito um raio da silibrina.
Saiu correndo e não falou com ninguém na sala não somente porque estivesse realmente apressado, mas principalmente porque sua cabeça só faltava explodir ecoando as palavras ditas à menina: prejuízo para as pessoas, morte de gente inocente, doenças, perdas irreparáveis. E então um mundo de culpa recaía sobre si de tal forma que precisava parar, pensar, acabar com aquilo tudo de vez.
Ora, a tempestade, a ventania, os raios, os relâmpagos, os trovões, tudo isso não estava ocorrendo por causa dele, que invocou as forças da natureza para castigar quem não gostasse de sua pessoa? Se agora ele mesmo estava sentindo a força destruidora da tempestade e o que ela já havia vitimado, então por que continuar com essa brincadeira de mau gosto?
Já estava correndo a mil pelo meio da rua, mais enlouquecido ainda, completamente transtornado. E de repente deu a volta e seguiu em outra direção. No desespero, iria retornar à montanha onde tudo aquilo havia tido início, onde ele havia implorando a Deus, de joelhos, para que lhe desse o dom de ser dono, por uma única vez, da tempestade.

                                                    continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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