A INATACÁVEL HONRA DE LAMPIÃO E MARIA BONITA
Rangel Alves da Costa*
É um fato verdadeiramente lamentável, absurdo, demasiadamente constrangedor, o que andam querendo fazer com a história brasileira, com os que fincaram na luta seu nome na memória, ao injustificadamente tentar ferir a honra e a imagem de um dos seus personagens mais emblemáticos.
Ora, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, herói para tantos e bandido para muitos, possui lugar primordial na memória social brasileira, quiçá mundial. Figura de proa do fenômeno cangaço, por isso mesmo não pode ser achincalhado, enlameado, destroçado, de forma totalmente descabida, como pretende fazer o autor de um livreto – “Lampião – O Mata-Sete” - cuja intencionalidade maior talvez seja proporcionar qualquer minuto de fama na poltrona do Jô. Talvez não mereça nem sequer um segundo.
Parecendo em comunhão com o antropólogo e ativista gay Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia – que tenta provar a todo custo que os santos foram bichas, todos os personagens da história eram viados e até sua descendência masculina só vestia rosinha -, o juiz aposentado sergipano Pedro Morais quer provar a qualquer custo que Lampião era afeminado, aviadado, bicha. Contudo, sem qualquer prova fecunda e sem o mínimo de seriedade.
E não somente isto, pois seu devaneio vai muito mais além ao afirmar que o bando mais famoso de cangaceiros tinha na dianteira um viado e ao lado uma mulher adúltera, vez que Maria Bonita o traía com pelo menos outro cabra. Ademais, gay, infértil, o Capitão também não poderia ser pai de Expedita Ferreira, a filha que deixou de ser porque Pedro Morais assim quer. Acabando com a prole, acabou também com a ascendência, com a linhagem cangaceira.
E foi por essas e outras que a remanescente familiar ajuizou ação tentando impedir que o tresloucado homem fizesse o lançamento desse seu livreto eivado de covardia, mentira e desonestidade. Considerando Lampião um facínora, Pedro Morais afirma que o cangaceiro Luiz Pedro tanto mantinha relações com homossexuais com o Capitão, como o traía com a sua própria esposa, Maria Bonita.
Desse modo, através do Processo nº 201110701579, o sóbrio magistrado atuante na 7ª Vara Cível da Comarca de Aracaju concedeu medida liminar proibindo o nefasto lançamento do livreto, tecendo, dentre outras as seguintes considerações:
“Expedita Ferreira Nunes...
Alega que é filha única do casal Virgulino Ferreira, conhecido por “Lampião” e de Maria Bonita, e que ao ler a capa do caderno “Cultura” do Jornal Cinform, constatou que de forma grosseira o requerido violou a intimidade e privacidade dos pais da requerente, com afirmações acerca da sexualidade e masculinidade do pai da requerente, como também acerca da conduta moral da mãe da requerente.
Disse que o requerente imputou a seu pai a prática de comportamento homossexual e a sua mãe a prática de comportamento adúltero.
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Pois bem, entre evitar eventual prejuízo financeiro do requerido, com a proibição da publicação do seu livro e evitar ofensa à honra da requerente e de seus pais, deve o judiciário, por óbvio, ficar com a segunda opção e proteger a honra e a intimidade da requerente e seus genitores.
Em relação à proteção da intimidade e da honra da requerente, busco amparo e fundamento nas próprias palavras do requerido constantes da entrevista concedida ao Jornal Cinform, pois o mesmo afirma categoricamente, em várias passagens, que o pai da requerente, conhecido como “Lampião”, era boiola, gay, entre outros adjetivos direcionados a imputar ao mesmo a condição de homossexual.
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Não é de ninguém novidade, a característica de virilidade que sempre se tentou passar da história de vida de Lampião, pai da requerente, tanto é assim que o mote do livro a ser publicado pelo requerido trata exclusivamente desta questão relativa à opção sexual do mesmo.
Tal situação, não teria sequer apelo da imprensa, se o livro tratasse de eventual aventura heterossexual de Lampião, pois são várias as publicações históricas que tratam dessa característica viril do pai da requerente.
Então, percebe-se facilmente que a questão diz respeito exclusivamente à intimidade da requerente e de seus genitores, pois de forma expressa, segundo se infere do texto da entrevista concedida pelo requerido ao Jornal Cinform, o mesmo lança dúvidas, inclusive, a respeito da paternidade da requerente.
Ora, uma simples ação de investigação de paternidade é acobertada pelo manto do segredo da justiça, com muito mais razão deve ser protegida a intimidade da requerente, diante do conteúdo do livro que o requerido pretende publicar.
Ademais, não há como deixar de considerar, que o fato de se tentar passar a ideia de que Lampião era homossexual, constitui-se, em evidente ofensa à honra da requerente, pois qualquer pessoa se sentiria ofendida acaso lhe fosse imputada característica não compatível com a sua história ou até mesmo com os sentimentos pessoais, acerca do comportamento de seus genitores.
Diante de todas essas considerações e forte no art. 5º, X, da Constituição Federal, DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA, para proibir que o requerido publique, veicule, exponha, venda ou doe o livro intitulado “Lampião, o mata sete”, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (Aldo de Albuquerque Mello - Juiz de Direito)”.
Logicamente que o invencionista e pretenso historiador, inconformado com a decisão que lhe tirou os holofotes do rosto, recorreu. Contudo, ao tomar conhecimento do caso se observou uma generalizada revolta da sociedade, uma indignação tamanha que mais tarde, acaso o malfadado escrito ganhe as ruas, poderá se ter na porta do escritor uma imensa fogueira jogando pelo ar sua verve verborrágica cheia de aleivosias, calúnias e falsidades.
Patente está e inegavelmente se reconhece que o único intuito do escritor é ferir graciosamente a honra de Lampião, enlamear sua imagem histórica, ferir irreparavelmente a honradez familiar e o laço de consangüinidade, macular deploravelmente a figura da mulher que fez da vida ao lado do seu bem amado, no leito da lua e das durezas da terra, o passo firme na frágil linha do destino.
Qualificar Maria Bonita de adúltera significa deitar por terra o testemunho da história, vez que nem o esposo jamais teria razão para duvidar de sua fidelidade, os outros que viviam ao redor nunca tiveram motivos para macular sua imagem, e todos vivendo em bando, conjuntamente, e apenas a ferina intencionalidade de Pedro Morais para querer afetar o âmago de tão meiga e respeitosa feminilidade.
Contudo, enquanto magistrado de chuteira na porta, Pedro Morais ao menos deveria lembrar que o ser humano, só pelo simples fato de ter vindo à existência, é resguardado por direitos inalienáveis e que a ninguém é dado o direito de afetá-los. E quando o indivíduo desonrado, atingido na sua memória, afetado na linhagem que deixou, já não mais compartilha do mundo de quem o massacra, então é que a necessidade de ser respeitado ser redobra. E a lei é clara:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (CF, art. 5º, X).
Ademais, a liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A imagem e a honra de Lampião, Maria Bonita e sua filha Expedita não podem, pelas mãos do escritor, se tornar como coisas de ninguém.
Dos que partiram, e honradamente partiram, serão lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta. Daí porque a sociedade se sente tão horrorizada com o surgimento de situações como tais, como se a intencionalidade de ferir fosse o alento para alcançar a fama no topo de vento.
A sociedade conhece a história do cangaço, reconhece os feitos desse casal de cangaceiros e por isso mesmo é que mais se desvanece com a exaltação feita à sua memória, como é a que mais se abate e se deprime com essa vergonhosa agressão que lhe traz tanta mácula.
E é por essas e outras que deveria ser permitido ao Capitão o direito de levantar do seu último leito e ter uma conversinha de homem pra homem com esse ex-juiz. Só assim se veria aonde o fundilho suja.
Poeta e cronista
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