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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A ORDEM DO CORONEL (Crônica)

A ORDEM DO CORONEL

                                  Rangel Alves da Costa*


O velho e carrancudo coronel cuspiu no chão e disse ao cabra que fosse cumprir sua ordem, fizesse bem feito, e voltasse antes do cuspe secar. Senão...
Todo se tremendo por baixo das calças, quase se mijando, o cabra, baixou a cabeça e tentou argumentar: Mas coronel, como é que vou tocaiar dois homens, dar cabo à vida deles, e voltar aqui com a orelha de cada um antes desse cuspe secar?...
Então o coronel se enraiveceu: Já tá secando, já tá secando. Ao menos uma orelha eu já posso arrancar...
A orelha de repente deu pra arder e o homem nem pensou duas vezes para sair dali. Tomou o rumo da porta quase correndo, imaginando apenas em qual dos dois faria a tocaia primeiro.
Mas antes de tomar o caminho do mato avistou uma das empregadas do casarão do coronel - com quem mantinha um chamego – e resolveu chamá-la para pedir um favor.
Assim que a mocinha chegou dengosa e faceira, querendo se roçar, ele disse apressadamente: Agora não tenho tempo não. E se vosmicê ainda quiser me ver por aqui vá lá dentro e arrepare quando o coronel sai daquela cadeira e como quem não quer nada cuspa em cima do lugar que ele cuspiu. E faça isso de cinco em cinco minutos.
Mas enlouqueceu meu cabra macho? E por que eu haveria de fazer isso, dando agora uma de mulher prenha cuspideira? Perguntou a dengosa sorridente.
Então o cabra disse, já saindo pro meio do mato: Porque senão vou perder uma orelha, depois a outra e depois posso perder ainda aquele negócio...
Vixe Maria, Deus me livre de vosmicê perder aquilo. O que seria deu homem por demais?... Falou sozinha a dengosinha.
No mesmo instante ela entrou no casarão e seguiu diretamente até a varanda onde o coronel costumava ficar sentado numa cadeira de balanço. Assim que entrou no local foi chamada por ele: Me traga uma talagada daquela branquinha que vou ficar aqui esperando Clarindo chegar com dois presentinhos.
Virou o copo de pinga de vez e deu uma cusparada no chão. Em seguida chamou novamente a mocinha e disse: Passe um pano naquele cuspe ali. Nesse aqui não, que é o meu relógio de marcar os minutos...
A mocinha se apressou em perguntar: E se o cuspe secar o que é que vai acontecer coronel?
Vai acontecer que meus dois inimigos não foram mortos e que vou arrancar na peixeira as partes de baixo de Clarindo porque não matou os danosos. Disse o coronel.
E a mocinha quase dá um chilique ao ouvir essa última parte: Vixe santa mãezinha, mas será que o pobre do Clarindo merece ficar capado?
Capado e bem capado e depois vou capar a vida dele também. Dele e de qualquer quenga que ele tiver. Disse o carrancudo mandão, enquanto mandava a mocinha limpar logo a outra cusparada, que era pra não gerar confusão.
A mocinha se abaixou com o pano para limpar e aproveitou a ocasião para cuspir em cima do outro cuspe.
Assim que levantou o velho olhou o local e disse: O cabra tá com sorte, pois parece que ainda vai custar um tantinho a secar. Inté parece que acabei de cuspir...
Uma hora se passou e nada de Clarindo retornar. A mocinha já estava preocupada em tanto inventar coisa só pra cuspir novamente por cima daquele cuspe.
Até que o coronel olhou desconfiado e disse: Tô achando alguma coisa estranha nesse cuspe que nunca seca. Abra aquela porta ali que é pra o vento bater mais forte e a vida de Clarindo secar logo de uma vez.
Então a mocinha cismou e falou: Coronel pode me matar se quiser, mas quem está cuspindo em cima do cuspe dele sou eu. E pode me matar também se quiser, pois quem é a quenga dele sou eu...
O coronel já ia puxando o revólver da cintura quando Clarindo chegou correndo com duas orelhas na mão. Na verdade foi o que pode encontrar de mais novo no cemitério.
Matou os dois? Qual é a orelha de um e qual a orelha do outro? Perguntou o agora eufórico coronel.
Não, só matei um, mas trouxe as duas orelhas. Respondeu o assustado pistoleiro.
Então o coronel pegou uma peixeira e disse: Então a sua vai no lugar do outro. Chegue aqui...
A mocinha tomou a frente e disse: Mas coronel, o cuspe ainda não secou. Dê mais um tempinho que eu vou mais ele fazer o resto do serviço e voltaremos antes que esse cuspe seque. Tá certo?
E até hoje o coronel espera os dois.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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