SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 22 de novembro de 2011

CANTIGA PARA CHOVER (Crônica)

CANTIGA PARA CHOVER

                                 Rangel Alves da Costa*


Hoje o dia inteiro foi de chuvisco e chuva. Em alguns momentos chegou a cair um verdadeiro toró, ocasiões que me deixava muito contente mesmo, pois talvez eu seja a pessoa que mais goste de ver e sentir a chuvarada cair, bater na vidraça, tocar no telhado, lavar as ruas tão sujas de tudo.
Agora que já é noite e desde o finalzinho do entardecer que não há nenhum sinal de que a chuva voltará com sua esperada força noturna, mas de vez em quando levanto do meu cantinho e vou até a porta olhar o tempo lá fora, observar as nuvens, verificar se a lua está totalmente brilhante ou se esconde febril, com medo da molhação que virá.
Verdade é que ainda estou esperançoso de que o tempo mude, de que o horizonte fique ainda mais enegrecido e as nuvens carregadas comecem a tomar conta de tudo lá em cima. Na minha vida, bastaria ouvir os sons das chuvas caindo e pronto, já me sentiria realizado porque esses toques cadentes cortando o silêncio me povoam de tal forma que de repente me sinto também enxurrada de sentimentos e relembranças.
Talvez pensem diferente, é verdade. Nem sempre gostam de chuva, odeiam quando o tempo começa a mudar, principalmente num final de semana com tantas opções para sair por aí e curtir a noite, como dizem. Há o passeio na orla, os bares nos espaços abertos, as festanças nas calçadas e tantas outras festas em outros lugares. A chuva só iria complicar a vida dessas pessoas, fato que não ocorre comigo simplesmente porque sou de casa, caseiro, pessoa da porta pra dentro.
Por favor não me vejam enclausurado, afastado do mundo lá fora, fechado nas quatro paredes do meu pensamento e cujas chaves pra qualquer porta estão todas guardadas nas pontas dos meus dedos, diante de cada letra do teclado. Mas não posso negar que não gosto de sair por aí sem um grande motivo, não arredo o pé do meu barraco a não ser para os compromissos profissionais e caminhadas descompromissadas.
Para outra coisa não, pois prefiro sempre ficar em casa. Ademais, não gosto de festas, não danço, já há tempo que não bebo nem vinho, não gosto de estar em meio de multidões, me sinto mal quando tenho de estar ladeado por pessoas cheias de brilho e pobres de espírito. Por isso mesmo só freqüento as igrejas quando elas estão calmas, silenciosas, somente com o barulho das asas dos anjos ou o murmurejar de alguma pecadora sendo repreendida lá no confessionário.
Por tudo isso gosto sempre de estar em casa, e ser for à noite e estiver chovendo melhor ainda. Como afirmado, não há mais coisa mais sublime e cativante do que ouvir o barulho da chuva, cortando o silêncio, se derramando solenemente ou voraz em meios às sequidões das noites e da vida. Se levanto e vou estender a mão e sentir os pingos que caem, encontro o maravilhoso espetáculos das águas se derramando pelas paredes, correndo pelas ruas, encharcando um monte de coisas.
A chuva é tão cativante, tão essencial e tão reveladora dos sentimentos que muitas vejo pessoas saindo pelas ruas de braços abertos, se molhando cheias de alegria, tomando banho de chuva como se fossem crianças, numa felicidade tamanha que as fazem pular, cantar, ensaiar passos de danço, rodopiar de prazer.
E as chuvas que lavam as ruas, refrescam as noites, tornam mais românticos os enamorados, também têm o dom de provocar verdadeiras revoluções no espírito, no coração, nos sentimentos. Eis que vem uma tristeza imensa, uma saudade boa, uma vontade danada de ter o amor ali ao lado para mentir que sente frio e ser abraçado e amado. E talvez levante e vá até a janela desenhar um nome e o coração, abrir um pouquinho e deixar as gotas se confundirem com as lágrimas nos olhos.
Estou indo novamente lá fora. Só que dessa vez vou lá à porta do fundo, onde a noite é mais escura e é mais fácil cantar a cantiga da chuva que minha avó me ensinou. Mas canta-se em silêncio, apenas olhando pra cima de braços abertos, já sabendo que vai se molhar quando a chuva cair. E depois que cai o primeiro pingo a pessoa canta a cantiga da meninice, pois já é criança, tomando banho nu ali no quintal.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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