SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 27 de março de 2022

ATAQUE DOS CACHORROS


*Rangel Alves da Costa

 

Poderia ser Ataque dos Cães, mas melhor Ataque dos Cachorros mesmo. E assim por que a selvageria é a mesma, a voracidade é a mesma, a mordida por gestos e atitudes é a mesma.

Que mundo selvagem este. Não mais aquele tempo de conquistas do velho oeste americano, de saloons com seus bêbados violentos, de carruagens sendo atacadas por índios ferozes, de xerifes com estrela no peito, de duelos ao pôr do sol.

Mas um mundo de asfalto, de modernidade e as mesmas violências. Mas com uma violência pior ainda: a perda da paz interior pelos ataques dos cachorros ao redor. Todos humanos, porém.

Quando os cachorros humanos se põem ao ataque - e sempre atacam a todo instante – não há mais liberdade, não há mais integrante física ou mental, não há mais direito de escolha, não há mais cada um sendo dono de sua própria vida. Logo chegam os ataques e as mordidas.

Os carnívoros humanos agem quase sempre iguais aos animais, aos canídeos. Muitas vezes se mostram mansos, mas apenas um disfarce às suas pretensões. Com instinto de traição, e de repente já estão avançando com unhas e dentes sobre sua presa. Sempre rosnam, sempre uivam, mas não pela valentia, e sim para atemorizar.

E assim o homem vai se tornando presa do homem, do cachorro em sua mais deplorável concepção. Ora, quando se diz que determinado sujeito é um cachorro, quis dizer que não vale nada. Quando diz que é pior de cachorro, então coloco o outro na fundura da desonra.

Certamente que os cães não merecem tais comparativos com os humanos. O cachorro de rua, também conhecido como vira-lata, possui personalidade animal muito superior à humana. Mesmo sendo de rua, ataca quando é atacado, andeja para sobreviver, possui sua vida de esquina e esquina sem se importar nem ter inveja do cachorro da madame ou do cão de raça bem protegido atrás do muro.

O cachorro humano – voltando à caracterização desprezível que muitos indivíduos possuem – é certamente o pior animal do mundo. O canídeo não mente pretensiosamente, o carnívoro não trai por exacerbação de maldade, o cachorro não apunhala falsamente o outro da espécie pelas costas.

O pior é que ninguém, absolutamente ninguém, está devidamente protegido dos ataques dos cachorros humanos. Parece uma horda faminta por ferir, por denegrir, por macular, por desonrar, por atingir de qualquer modo a paz do outro. Com palavras, gestos e atitudes, que são mais perigosos que o veneno, então vão espalhando os seus ódios e suas desumanidades sobre todos.

Quando atacam, e sempre atacam, os cachorros humanos gostam de escolher aspectos sensíveis ao outro. Ora, o que uma pessoa tem a ver com as escolhas do outro, com a vida sexual do outro, com a opção sexual do outro, com a cor da pele do outro, com a condição socioeconômica do outro?

Mas sempre tem e sempre ataca. Não gosto de preto, não gosto de pobre, não gosto de viado nem de sapatão, não gosto de quem luta honestamente para sobreviver, não gosto que seja um centímetro maior do que eu. O outro tem que ser mais baixo, e em tudo. E tem que se ajoelhar perante às suas maldades. E há muito cachorro pensando e agindo assim.

E uma difícil luta contra os ataques dos cachorros. A vida íntima de cada um parece ser vigiada a todo instante. Quando não há nada a ser dito, então a mentira toma o lugar da verdade. E daí em diante as fofocas cumprem o seu papel de macular as inocências e as boas atitudes daqueles que estão de janelas e portas fechadas exatamente para se proteger do ataque dos cachorros.

Mas, como dito, não há jeito. Os cachorros sempre atacam.

  

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


Lá no meu Sertão...


Sertão...







Poesia (Poesia)


Poesia


Menina bonita
não sou poeta
não sei versejar
nem rimar bonito
verso e palavra
que digam em métricas
sonetos e redondilhas
o que verdadeiro sinto
e imensamente sinto
por você

e por não ser poeta
digo o que sei dizer
digo o que sei sentir
“te amo demais”
só isso.
 

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – cartas do tempo


*Rangel Alves da Costa

  

Numa velha casa, numa velha moradia nas distâncias da cidade, as cartas do tempo. Aí eu sentaria e passaria noites e dias. Buscaria um tamborete, um caderno de escola, uma caneta ou lápis, e então rabiscaria, na calma e paciência do mato, o que a frieza e feiura da cidade não me deixam escrever. Há um silêncio e um ocre de solidão, mas não tem nada disso não. O mundo-mato é assim mesmo, com vento soprando e folha voejando em meio ao pó e ao pingo de chuva tão esperado. Cada letra vai caindo como fruto maduro da velha árvore. “Porta e janelas fechadas, sem ninguém que soltasse uma voz, mas ainda assim havia um cheiro bom de café torrado e de toucinho chiando na frigideira...”. “O retrato na parede parecia me chamar. Um dia eu fui. A velha moldura me abraçou e eu senti um cheiro bom de lavanda. Eu conhecia aquele cheiro. E senti saudade e chorei...”. “A capela estava fechada, mas ouvi e senti o badalar do sino, as beatas em louvação, o xale encobrindo os olhos e rosários correndo sua fé pelas mãos magras. A igreja era um céu, cada ladainha era um jardim florido. Paraíso que não existe mais...”. Por isso que aí eu sentaria para escrever tudo isso. Mas só tenho o retrato diante de mim. E uma vontade danada de entrar na moldura e viver e ser o mundo que eu quero ser e viver. O mundo apenas sertão.

 
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


domingo, 6 de março de 2022

DORES DA GUERRA


*Rangel Alves da Costa

 

As imagens são fortes demais. Mil textos e reportagens não traduzem uma imagem de uma família morta pelos russos em pleno corredor de fuga.

Velhos e velhas saindo dos escombros para depois caminhar levando somente uma trouxa de roupas ou de qualquer coisa. Cabeças abaixadas, talvez tanto faz que mais um ataque lhes tire de vez a vida. Ela já está sendo retirada.

Pais e mães carregando filhos sem qualquer direção. Filas e mais filas de pessoas sem qualquer direção. Ao longe e pelos arredores, somente a fumaça das ferozes investidas e os destroços do que historicamente existiu.

Roupas grossas tentam proteger do frio ou dos infortúnios de mais adiante. Dificilmente se avista alguém levando mala ou uma porção maior de suas posses. As pessoas apenas seguem e tudo vai ficando para trás. E com a terrível incerteza de algum dia voltarão.

Edifícios grandes atingindo por foguetes. Prédios históricos sendo derrubados pela insana artilharia. Escombros e restos por todos os lugares. Incêndios e chamas são avistados pelos horizontes. E os ataques avançado sobre vidas.

Mas quem está fazendo tudo isso? Quem está matando um país inteiro? Os comandantes e os poderosos não estão ali, não estão nas frentes de batalha. São jovens, quase meninos, que são forçados a investir e matar outros jovens e meninos, mas também pessoas de todas as idades.

Putin está em sua fortaleza de proteção nuclear. Seus principais comandantes apenas dão ordens sem sair da proteção. Mas pelas estadas e ruas da Ucrânia milhares de enviados levando a morte em seus tanques e armas. Muitos desses jovens sequer sabem os reais motivos de estarem ali ceifando tantas inocentes vidas.

A salvação é a fronteira. Todos fogem e todos correm para as fronteiras. Casas, bens, roupas, móveis, vidas longamente construídas, tudo vai ficando para trás. Tenta-se salvar apenas a vida, o sopro no espírito que ainda lhes resta.

Um filho vai carregando a mãe nas costas. Um pai vai tentar conter o choro, a fome e a sede do filho. Não há nem tempo de olhar para trás ou de retornar para pegar o pão e a garrafa de leite. Sua casa já está em chamas.

As ruas parecem vazias, com apenas os focos de incêndios e os escombros marcando presença. Mas assim porque as fotografias não falam, não gritam, não agonizam, não choram a dor do espanto e da morte. Por todo lugar, quantos gritos, quantos choros, quantos berros aflitos?

E quantos sons ensurdecedores de tiros e bombardeios, de aviões mortais que passam rasantes, dos mísseis cruzando os ares, do terror avassalador por todo lugar? E pelos canais televisivos o “filho da putin” mandando avançar mais, ordenando mais ataques e mais mortes.

Como dito, as imagens que chegam são suficientes para mostrar a dimensão desumana e terrificante dessa guerra forjada objetivando a usurpação de um povo e sua pátria. As imagens, contudo, não mostram os olhos das crianças e dos idosos ucranianos.

Mas vejo e sinto cada face e cada olhar. Não há palavra que expresse o que vejo e sinto, contudo. Não há mais olhar, apenas a reflexão do medo, a profundidade da dor e o negrume da desesperança.

E eu aqui sabendo que logo estarei em minha cama, que tenho comida quente e uma porta e janela para fechar. E eu aqui pensando que tenho pouco e que me falta muito. E eu aqui pensando que sou infeliz.

 
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


Lá no meu Sertão...


Moldura de Tempo e de Vento



A ti (Poesia)


A ti


A ti a noite
e esta lua linda
o céu de estrelas
de graça infinda
 
a ti o sonho
que será sonhado
como deusa que vem
deitar a meu lado 

a ti o amanhecer
e as flores do jardim
perfume de amor
tua vida em mim.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – “é preciso amar as pessoas...”


*Rangel Alves da Costa

 

Muitas vezes, apenas um cumprimento. Outras vezes, apenas uma palavra. E ainda outras vezes, apenas um olhar e um sorriso. Mas também, e principalmente, a aproximação e o diálogo. E sempre a retribuição naquela pessoa que sequer imaginaria ser recordada com qualquer gesto de atenção. Assim acontece. E se a gente imaginasse quanto bem nos faz o reconhecimento, o respeito, a amizade, a cordialidade e a valorização do próximo, certamente não caminharíamos tão sozinhos pelos passos da vaidade e do egoísmo. É preciso amar e valorizar as pessoas, é preciso reconhecer no outro as suas lições e os seus passos pela estrada. De vez em quando eu passo e avisto Dona Maria Dias em sua janela, ou mais lá dentro sentadinha no sofá. De vez em quando eu andejo por outros locais e avisto pessoas de mais idade ou já envelhecidas em suas portas, calçadas ou janelas. Será que perco tempo ou pedaço de mim é retirado se cumprimento, se sorrio e brinco, se mais me aproximo para um proseado? Pelo contrário. Se passo sozinho e divido minha palavra com o conterrâneo, com aquela pessoa em sua calçada ou janela, certamente que sozinho não mais seguirei. Comigo levarei a lição do que imaginava saber, mas ainda não sei.




sábado, 5 de março de 2022

FRASES BOBAS EM PENSAMENTOS LOUCOS


*Rangel Alves da Costa

 

Criaram o amor. Não ensinaram a amar. Quanto mais se deseja aprender a amar, mais se erra por avistar somente o espelho do prazer, e não a profundidade do verdadeiro querer.

A solidão é melhor, muito melhor que a multidão. O silêncio é melhor que o grito, a janela fechada é melhor que a ventania entrando. Perante o outro a paz não existe, pois o encontro interior e a autoestima sempre pedem o exílio interior.

O sexo, ou ato sexual em si, é impuro e asqueroso. Na vida social ou em seu cotidiano, a maioria das pessoas também é impura e asquerosa, mas sempre fingindo seriedade, caráter e até inocência. Como os seus pensamentos sempre agem de modo contrário, de forma pervertida e lasciva, o sexo se torna apenas na confirmação daquilo que verdadeiramente é.

Pobreza, carência, miséria, tudo com um nome só: a desvalia na vida. Mas não há desvalia maior que fazer de sua condição econômica uma chama à submissão, à humilhação, à escravização. Onde há retidão e caráter não há lugar para que o cabresto do voto lhe tire o desejo de mudança e da escolha do que achar melhor.

A puta de hoje é a mesma rampeira de ontem. Uma no shopping e outra no cabaré. A puta de luxo de hoje é a mesma prostituta do bordel da luz vermelha de ontem. A garota de programa de hoje é a mesma piranha de esquina escura de ontem. Michê, garoto de programa, ontem era o mesmo rapaz que fazia o mesmo negócio. Nada mudou, apenas progrediu e se desenvolveu em número assustador.

Não há como atender aos apelos do mundo moderno. O ser humano não possui a mesma propulsão que a máquina, não possui a força do motor, não se torna novamente novo com um simples reparo. Desse modo, não adianta ser moderno e avançado dentro de um corpo que não é tecnológico nem agindo por comandos informatizados. Ademais, até o ferro enferruja.

Não há decisão maior do que deixar de votar. Não votar em mais ninguém, e pronto. Liberta-se de uma vez do remorso de um voto errado, de uma escolha que mais adiante traga entristecimento. Lavar as mãos. Mesmo que os frutos das más escolhas não recaiam apenas nos que escolheram, ao menos haverá o conforto de dizer que sofre sem ter ajudado a causar tanto sofrimento.

A nudez é uma coisa engraçada. A vestimenta também. Inegavelmente que é muito mais bonito e atraente uma pessoa com roupa que lhe caia bem, que seja até vista como sensual. Na sensualidade do corpo vestido há todo um jogo de encanto, de fascinação e de imaginação. Logo se imagina a beleza daquele corpo em plena nudez. Mas na nudez avista-se apenas um corpo nu, e já sem aquele despertar da imaginação.

Poesia melosa, floreada demais, não é poesia. Poesia tecida na rima forçada não é poesia. Poesia cuidando dos mesmos elementos do coração, do mesmo amor impossível e da mesma paixão desenfreada não é poesia. Poesia é o belo com simplicidade. É o dizer de outra forma aquilo que o leitor se sensibiliza ao folhear.

Tem muita gente sofrendo neste momento. Na Ucrânia, na Síria, na África, bem ali. Tem gente sofrendo tanto neste momento que é até impossível imaginar o tamanho do sofrimento. A dor corporal, a dor da fome, a dor da indignação, a dor do abandono, a dor da desumanidade, a dor da perda da pátria e do lar, a dor de não ter pra onde ir e de sequer saber se terá um amanhã. Uma dor tamanha, uma dor tão forte, que é impossível imaginar a capacidade de o ser humano suportar.

Ontem choveu e hoje mais cedo também. Sem ter muito que fazer, então eu peguei um lenço e saí enxugando tudo, as ruas, os horizontes, até as nuvens. Quando mais eu enxugava mais eu me sentia encharcado. Eu quis enxugar o mundo e não percebi que estava chorando. Esqueci-me de enxugar as lágrimas de meus próprios temporais.

  
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com


Lá no meu Sertão...


No Sertão, encontros e despedidas...



Ciranda de amor pra cantar (Poesia)


Ciranda de amor pra cantar

 
A noite é de lua
a leveza da brisa no ar
a ciranda no meio da rua
mão na mão na roda a girar
 
menina bela
é sua essa flor na minha mão
depois da ciranda
ela vai perfumar o seu coração
 
vai rodando a ciranda
e minha mão segurando a flor
sua mão na minha mão
e eu cirandando de amor
 
menina linda
é sua essa flor que carrego
depois da ciranda
a flor entre os lábios entrego.
 
Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – saudade de minha terra


Rangel Alves da Costa*

 

Basta um fim de semana sem Poço Redondo, sem o meu sertão sergipano, e é como a velha canção sertaneja ficasse o tempo inteiro ecoando dentro de mim: “De que me adiante viver na cidade se a felicidade não me acompanhar... Lá pro meu sertão eu quero voltar...”. Quanta falta me faz os caminhos de chão, as estradas ladeadas por xiquexiques e mandacarus, as porteiras rangendo para as visitas e os proseados. Casas, casinhas, casebres, tudo diante do meu passo e do meu olhar. Moradias de varanda boa e também moradas de barro e cipó. Curral antigo cheirando a estrume, velho umbuzeiro na malhada adiante. A sonolência de um carro-de-bois já sem uso e um menino brincando com ponta de vaca. Sua fazenda, a riqueza de sua infância sertaneja! Uma porta se abre, da janela entreaberta vai surgindo um olhar. E então estendo a mão para o conterrâneo de sol e de lua. Andejar sem pressa, sentar em tamborete, guardar na memória as histórias contadas. Guardar no embornal um sertão inteiro e depois escrever sobre o mundo que há. E agora mesmo, distante de minha terra e neste amanhecer chuvoso de sábado na capital, a velha canção novamente chega para inundar os olhos e o coração: “De que me adiante viver na cidade se a felicidade não me acompanhar... Lá pro meu sertão eu quero voltar...”.