*Rangel Alves da Costa
Poderia ser Ataque dos Cães, mas melhor
Ataque dos Cachorros mesmo. E assim por que a selvageria é a mesma, a
voracidade é a mesma, a mordida por gestos e atitudes é a mesma.
Que mundo selvagem este. Não mais aquele
tempo de conquistas do velho oeste americano, de saloons com seus bêbados
violentos, de carruagens sendo atacadas por índios ferozes, de xerifes com
estrela no peito, de duelos ao pôr do sol.
Mas um mundo de asfalto, de modernidade e as
mesmas violências. Mas com uma violência pior ainda: a perda da paz interior
pelos ataques dos cachorros ao redor. Todos humanos, porém.
Quando os cachorros humanos se põem ao ataque
- e sempre atacam a todo instante – não há mais liberdade, não há mais
integrante física ou mental, não há mais direito de escolha, não há mais cada
um sendo dono de sua própria vida. Logo chegam os ataques e as mordidas.
Os carnívoros humanos agem quase sempre iguais
aos animais, aos canídeos. Muitas vezes se mostram mansos, mas apenas um
disfarce às suas pretensões. Com instinto de traição, e de repente já estão
avançando com unhas e dentes sobre sua presa. Sempre rosnam, sempre uivam, mas
não pela valentia, e sim para atemorizar.
E assim o homem vai se tornando presa do
homem, do cachorro em sua mais deplorável concepção. Ora, quando se diz que determinado
sujeito é um cachorro, quis dizer que não vale nada. Quando diz que é pior de
cachorro, então coloco o outro na fundura da desonra.
Certamente que os cães não merecem tais
comparativos com os humanos. O cachorro de rua, também conhecido como
vira-lata, possui personalidade animal muito superior à humana. Mesmo sendo de
rua, ataca quando é atacado, andeja para sobreviver, possui sua vida de esquina
e esquina sem se importar nem ter inveja do cachorro da madame ou do cão de
raça bem protegido atrás do muro.
O cachorro humano – voltando à caracterização
desprezível que muitos indivíduos possuem – é certamente o pior animal do
mundo. O canídeo não mente pretensiosamente, o carnívoro não trai por exacerbação
de maldade, o cachorro não apunhala falsamente o outro da espécie pelas costas.
O pior é que ninguém, absolutamente ninguém,
está devidamente protegido dos ataques dos cachorros humanos. Parece uma horda
faminta por ferir, por denegrir, por macular, por desonrar, por atingir de
qualquer modo a paz do outro. Com palavras, gestos e atitudes, que são mais
perigosos que o veneno, então vão espalhando os seus ódios e suas desumanidades
sobre todos.
Quando atacam, e sempre atacam, os cachorros
humanos gostam de escolher aspectos sensíveis ao outro. Ora, o que uma pessoa
tem a ver com as escolhas do outro, com a vida sexual do outro, com a opção sexual
do outro, com a cor da pele do outro, com a condição socioeconômica do outro?
Mas sempre tem e sempre ataca. Não gosto de
preto, não gosto de pobre, não gosto de viado nem de sapatão, não gosto de quem
luta honestamente para sobreviver, não gosto que seja um centímetro maior do
que eu. O outro tem que ser mais baixo, e em tudo. E tem que se ajoelhar
perante às suas maldades. E há muito cachorro pensando e agindo assim.
E uma difícil luta contra os ataques dos
cachorros. A vida íntima de cada um parece ser vigiada a todo instante. Quando
não há nada a ser dito, então a mentira toma o lugar da verdade. E daí em
diante as fofocas cumprem o seu papel de macular as inocências e as boas
atitudes daqueles que estão de janelas e portas fechadas exatamente para se
proteger do ataque dos cachorros.
Mas, como dito, não há jeito. Os cachorros
sempre atacam.
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