SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

“EI, VAMOS NAMORAR”, DIZ A PROSTITUTA DA ESQUINA


*Rangel Alves da Costa


Todos os dias - e a qualquer hora do dia - quem passar pela Rua Florentino Menezes, na região central de Aracaju, vai ouvir coisas assim: “Ei, vamos namorar!”, “Gostoso, vamos fazer neném!”, “Vamos pra cama!”, “Quer me comer?”. E sempre das mesmas bocas: as prostitutas que ali fazem ponto pelas calçadas, esquinas e abaixo das escadarias dos dormitórios.
Parece mais um beco de cabarés, uma vila de puteiros, um aglomerado de casas do sexo, mas apenas um trecho numa rua movimentada no centro da capital sergipana. Desde o amanhecer ao anoitecer, que chova ou faça sol, as prostitutas ali estarão chamando um e outro para namorar.
Não é normal que assim aconteça num centro de capital. Sabe-se muito bem que atrás de portões e portas, muros insuspeitos e fachadas bonitas, existem verdadeiros bordéis. E lá dentro prostitutas, garotas de programa, iniciantes da vida fácil e toda espécie de mulheres que comercializam prazeres.
No centro mesmo existem casas de mulheres assim. Num misto de casa de strip-tease, bar e bordel, outra função não há senão a pura comercialização do sexo. A única diferença é que as mulheres entram e saem dos ambientes sem que levantem qualquer suspeita, vez que jovens arrumadas, aparentando timidez e até muito bonitas.
Quase livre de toda suspeita é a rotina sexual da zona sul e da orla praieira. Casas de luxo, requintadas, com mulheres novas e de todas as formas, sempre se apresentando como universitárias. As mocinhas de programa se juntam àquelas que juram que não são dessa vida, e acabam recebendo aqueles dispostos a ter altos gastos.
Um comércio requintado do sexo onde o impensável de existir acaba se revelando na mera prostituição. E mais tarde, quando as idades já não revelarem as belezas e quando os atributos do corpo já não atraírem mais, então muitas destas acabarão em cabarés comuns, em ralés puteiros, em chinfrins casas da luz vermelha.
Muito diferente ocorre no trecho da Florentino Menezes, onde a partir da porta de um bar (Bar do Zé) as mulheres se espalham pelas calçadas, esquinas e aos pés dos dormitórios que se avizinham nos andares superiores das lojas. Os convites são feitos na rua, e acaso aceitos, ali mesmo nas proximidades ocorrerão as entregas. Basta subir as escadarias para chegar aos quartos miúdos, sujos e tomados de sujeiras envelhecidas de sexo.
Diversamente do que ocorre nos arredores e afastados da cidade, onde os cabarés já não são tão avistados como antigamente, o que chama a atenção naquele trecho é precisamente o fato de as mulheres da vida estarem quase que misturadas com as demais mulheres que passam. As escadarias dos dormitórios são ao lado das lojas, ali chegam pessoas a todo instante, e ali também as prostitutas fazendo o seu outro comércio. Em certas situações, difícil mesmo saber quem está ali fazendo vida ou fazendo compras, que está esperando cliente ou apenas passando.
Não é normal pela forma que se dá naquele trecho, ao lado de supermercado e lojas, bem como pela nenhuma importância que aquelas mulheres dão às famílias que passam. Ora, ali um logradouro comercial, com pessoas de todas as idades passando e voltando. E elas ali, sem se importar que passe o pai ou a mãe, um irmão ou parente, simplesmente esperando freguês. Certamente muitas já tiveram o desprazer de bater de frente com uma vizinha ou um parente. E fazer o que numa situação assim, simplesmente dizer que está ali por que é quenga, é meretriz, é rapariga, é prostituta?
Talvez seja o comum da profissão levado ao estado do tanto faz. Certamente que entre elas não há qualquer timidez ou envergonhamento, e tanto assim que não se escondem nem procuram negar o que fazem ali. E estão ali como putas, como quengas, como meretrizes, como mulheres da vida, em troca de trinta ou cinquenta reais, quando muito. Algumas permanecem dentro do bar, sentadas em mesas, esperando que um ou outro chegue para pagar uma bebida e fazer o tão esperado convite. Algumas se embebedam de bebida barata e fazem do dia mais um dia sem nada. Retornam tristes, chorosas, caindo por dentro e por fora.
Mas neste momento elas estão lá. De canto a outro elas são avistadas chamando quem passa para namorar. Envelhecidas, feias, magras, balofas, simpáticas, jovens, de todos os tipos. Lábios vermelhos, perfume barato, olhos pintados, caçadoras. Pedem cigarros, desejam atenção. Mas sempre passam. Passam, mas tendo que primeiro ouvir: “Ei, vamos namorar?”.


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Lá no meu sertão...



Bruninha, princesinha linda, parabéns pelo seu aniversário. Cinco aninhos de meiguice e formosura!



Bilhetinho a uma menina triste (Poesia)


Bilhetinho a uma menina triste


Não chore assim
menina linda
não fique assim
é cedo ainda
nada já é fim
fique assim não
não chore assim

um passarinho
o teu pranto ouviu

o entardecer
a teu sofrer sentiu

e minha boca
que enfim se abriu

para dizer
te amo tanto, viu

quero você
viu...

queira também
viu...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - canção do exílio


*Rangel Alves da Costa


Já não estou onde gostaria de estar. Não fui a lugar nenhum, mas não permaneço mais. Não sei por que assim acontece, mas fui banido dos sonhos, fui degredado da estrada, fui expatriado de mim mesmo. Que desterro mais cruel. Um ser humano e sua forçada ilha. Um ser humano e o seu mundo indesejado. O que mais dóis, contudo, não é a ausência de onde eu queria estar, mas a presença em reclusão da alma, que se afeiçoa ao mais tenebroso exílio. Tive que deixar para trás os desejos de menino, tive que abdicar dos desejos do adulto, tive que me afastar daquilo mínimo que eu queria ter. Paz, apenas. Ou paz como tudo. A paz de uma rede na varanda, a paz de um adormecer sossegado, a paz de uma leitura sentado num pé de pau, a paz de um banco de praça, a paz de um pássaro cantado ao redor. Que mundo é este, que vida é esta onde não se tem mais paz? Não posso abrir a porta, não posso abrir a porta, não posso abrir a janela, não posso sentar à calçada nem caminhar debaixo da lua grande. Não posso escrever poesia nem uma prosa fantasiosa, pois tudo realista demais. E num real que assusta, que amedronta, que espanta. E que nos torna em exílio forçado. Ter a vida, querer viver e não poder. Impossível retornar ao chão firme de um sensível coração. De alma embrutecida pelos outros e pelas realidades do mundo, abdico de comungar com as violências. Por medo e por não haver outra vida além da vida. Por isso mesmo a canção forçada no peito, no espírito, na alma. O exílio, enfim.


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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

POR QUE NÃO PRESERVAR O QUE RESTA DO POÇO DE CIMA?


*Rangel Alves da Costa


O Poço Redondo (município dos sertões sergipanos) que se tem hoje nasceu como Poço de Cima, depois foi Poço de Baixo, até passar a ter a denominação atual. E sem esquecer que, para os antigos, sempre foi Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, denominação, aliás, muito mais apropriada para um município que desde muito vem definhando sua fé.
Poço de Cima por que povoação surgida em local mais elevado e nas proximidades de cacimbas ou “poços” existentes no riachinho logo adiante. Poço de Baixo pela denominação dada às fazendas que surgiram mais abaixo e se espalharam pelas distâncias. Com as fazendas, um novo núcleo habitacional formado principalmente por forasteiros. E Poço Redondo por outro “poço” existente no Riacho Jacaré e que em época de seca grande servia para iludir a sede dos bichos. “Aonde vai compadre?”. “Vou ali no ‘poço redondo’ dar água ao gado”. Assim surgiu Poço Redondo.
Pois bem, como dito, Poço Redondo nasceu no Poço de Cima, povoação logo um pouco mais acima do centro da cidade e que ainda subsiste somente no nome, na Capela de Santo Antônio de Poço de Cima e em alguns toscos casebres que insistem em se manter de pé, e por verdadeiro milagre. E também por um cemitério que resolveram inventar por lá, vez que aquele local nunca foi espaço público para enterros. Somente os originários do local possuíam e ainda devem possuir o privilégio de ter descanso ao redor da capelinha.
Mas por que não preservar o que ainda resta das antigas moradias daquele embrião sertanejo e que foi lar de nascimento de muitas famílias ainda frondosas? Os Sousa, os Cardoso, os Lucas, os Feitosa, dentre outras, vingaram naquela povoação e somente depois desceram a estrada. Imaginar que um dia ali as famílias e suas posses, os currais, os rebanhos, os escravos, os senhores e as sinhazinhas, a religiosidade incontida de um povo. E missas na igrejinha logo construída.
O que se tem hoje, contudo, são apenas restos e escombros de uma história que jamais poderia ser relegada ao esquecimento. Três casinhas demonstram bem o triste momento chegado pelo Poço de Cima. A primeira e a mais destruída, fica logo no início da estrada para que vai em direção ao hoje cemitério do Poço de Cima. A segunda fica defronte à capelinha e a última, logo adiante, ao redor de uma imensa barriguda, servindo apenas como depósito de velharias. Todas caindo aos pedaços, com o barro despencando mais e mais a cada sopro do tempo, do vento e das trovoadas que surgem num tempo e noutro.
A primeira casinha praticamente já não existe mais. O barro foi deixando uma desalentada nudez e os varais de madeira recurvando aonde raízes sertanejas se firmaram um dia. O mesmo acontecerá com as demais acaso nada se faça. É apenas uma questão de tempo para que o Poço de Cima desabe inteiramente na sua última moradia. Por que deixar que tudo aconteça assim, sem que ninguém se preocupe em, ao menos, jogar uma mão de barro por cima daqueles restos?
Sim, atualmente prega-se a destruição de toda e qualquer casa de barro para que em seu lugar seja levantada uma de tijolos. Mas este não é o caso daqueles restos ainda existem no Poço de Cima. Aquelas casinhas têm de ser preservadas, cuidadas e mantidas, pelo próprio significado histórico que possuem. Os seus donos devem ser alertados para a necessidade de preservação e caso não possam - por dificuldades financeiras - fazer os reparos necessários, então que os poderes públicos ajam para que a história não desabe de vez e, mais tarde, tenha-se que construir uma que faça relembrar aquele passado tão grandioso para a história e a memória de Poço Redondo.
Eu, como nada posso fazer, apenas fotografo para que os retratos sejam o meu álbum de tristeza e dor. Mas também de felicidade: o prazer de ter convivido com a história primeira de Poço Redondo. Fato que certamente, pelo passo do descaso, não mais será vivenciado pelas futuras gerações.


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Lá no meu sertão...


Na noite sertaneja, sempre assim. Sozim...



A canção (Poesia)


A canção


Minha canção
é um canto de mar

de prantos tantos
querendo naufragar

uma canção tão triste
que tenho de cantar

mas era outra canção
que eu queria cantar

essa canção tão triste
não quero mais cantar

mas sequer tenho outra
que seja o meu cantar

falando de flores
de um tempo de amar

relembrando nós dois
e nossas vozes a ecoar

a mais bela canção
de corações a cantar

poesia de outro mar
mar amar...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - vida ribeirinha ou o lamento das águas


*Rangel Alves da Costa


Perante o meu olhar, uma fotografia do Rio São Francisco e suas beiradas, com algumas embarcações e um leito raso de água. Lá em Bonsucesso, povoação sertaneja em Poço Redondo. Mas poderia ser em Curralinho, em Cajueiro, em Jacaré. Aquele que avista a fotografia logo se enche de encantamento. Não poderia ser diferente, pois tudo emoldurado numa beleza poética sem igual. O Velho Chico, mesmo padecente como está agora, magro e ossudo e com suas veias esvaídas, não deixa de encantar o seu beiradeiro e o seu visitante. Logo o espírito e alma bebem da magia do alvorecer e do entardecer. Verdadeiramente não há cenário mais mágico e cativante. Contudo, seria preciso avistar além da moldura para adentrar nas raízes do próprio rio, de seu meio e de seu habitante. A pintura de cores vivas se mostra apenas uma aparência. Há, na alma do rio e do seu povo, um âmago tomado por sensações muito diferentes daquelas tidas apenas pela visão do cenário. É um rio que sofre e um povo que sofre, é um rio que pranteia e um povo que chora, é um rio que vai se exaurindo nos braços aflitos de seu ribeirinho. Somente quem vive o dia a dia conhece a real situação. Somente quem nasceu e se criou nas suas beiradas conhece a dor da saudade de um passado de águas grandes, piscosas, cheias de vida e de embarcações. Hoje há apenas um leito. E quase de morte. Os vapores não passam mais, os navegantes seguiram outro porto. Cadê o surubim, há de se perguntar. Tudo passou, tudo seguiu na curva do rio. E nas beiradas ficou o seu habitante, o beiradeiro, o ribeirinho. Aquele que sorri no olhar e chora no coração.


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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

CAVALEIROS DA NOITE


*Rangel Alves da Costa


As memórias interioranas são riquíssimas em causos, proseados e outras oralidades, que ainda hoje continuam atiçando as curiosidades. Talvez por que tudo se modernizou demais e os assuntos atuais não passem de fofocagens de mocinhas grávidas sem namorados, maridos traídos, politicagens rotineiras e relatos cada vez mais absurdos de violências, é que o antigo sempre é relembrado para o deleite e também o espanto de tantos.
Muitas são as histórias que se espalham pelas calçadas entre as comadres, que são relembradas pelos compadres debaixo dos pés de pau e dos beirais dos assentos, que são rebuscadas pelos amigos nos proseados da boca da noite e mais adentro. Causos de lobisomens da semana santa, das pragas rogadas e das aparições surgidas para espantar os sertanejos, das histórias de “visagens” e espectros avistados nas escuridões, dos inesperados encontros dos mateiros durante suas caçadas, dentre tantos outros mistérios e assombrações.
Contudo, alguns relatos eram e ainda são ditos como de maior relevância e aceitação entre os contadores e os ouvintes, principalmente pelo relacionamento havido entre a história e o cotidiano das pessoas, eis que a imaginação sempre afirmando que elas mesmas - de uma forma ou outra - já haviam testemunhado aquelas situações. No imaginário popular, o desconhecido e assombroso sempre ganham ares de realismo fantástico e acabam se tornando quase realidade.
Pois bem. Então o velho contador de histórias é instigado a relatar o causo do cavaleiro da noite. Porém antes de começar, é logo aparteado para ouvir que aquilo é de recente acontecido, pois até os dias atuais conta-se sobre esse tal cavaleiro da noite. E tem gente que jura que ainda ouve o tal homem em passagem com o seu animal. Não só escutou ao longe como já ouviu de pertinho aquele trotar misterioso e assustador. E mais: de repente, cavalo e cavaleiro pareciam parados bem diante da porta, eis que o trote do animal havia cessado e a sua respiração medonha dava até para ser sentida.
Mas o velho prosseguiu e dizendo que na verdade não há uma só história do cavaleiro da noite, mas de muitos cavaleiros da noite e cada uma vai surgindo de forma diferente segundo a época de aparecimento. Mas no geral sempre diz que depois da meia-noite, quando as janelas e portas estão fechadas e os noctívagos andantes já se recolheram, ao longe é ouvido o trote apressado de um cavalo. Vem correndo, correndo, correndo, mas depois compassa o passo de modo a permanecer apenas o troteado do animal. E assim vai passando pelas ruas, virando esquinas, percorrendo todo o lugar.
Achando estranha a presença de cavalo e cavaleiro àquela altura da noite, já no seio da madrugada, aqueles que ainda nada sabem sobre aquela misteriosa história, logo levantam e olham pelas frestas, entreabrem janelas e portas, no intuito de saber quem faz aquele percurso e em tão estranho horário. O problema é que ouvem o cavalo se aproximando e até passando adiante, mas sem um vulto sequer. Quer dizer, apenas os sons do trote do cavalo e mais nada. Nunca é possível avistar nem o animal nem o seu condutor. Quem será, então?
Outro relato diz que no mesmo horário, entre a noite adormecida e a madrugada, surge o mesmo trotear de cavalo, mas desta feita ecoando a voz do cavaleiro. Só que ninguém consegue avistar nada. Ouve-se apenas o som das patas e os lamentos do cavaleiro, e somente isso. É um trotar sem cavalo e uma voz sem rosto. E na voz ecoada nas sombras, sempre lamuriosa, os dizeres de um velho vaqueiro acorrentado pela dor: Não fuja garrote brabo, não corra vaca pintada, não saia da estrada que tenho de chegar logo aonde a cruz tá fincada!
Dizia Sinhá Zulmira que não tinha jeito de impedir a passagem daqueles cavaleiros da noite. Nos tempos antigos, quando as veredas e as ruas das povoações interioranas eram apenas das carroças, dos carros-de-bois e dos cavalos, todo tipo de história havia acontecido com aqueles cavaleiros. Vaqueiros, fazendeiros, tropeiros, viajantes ou mesmo os do lugar, sempre estavam em cima de cavalos nas suas idas e vindas. Cavaleiros em viagem que nunca mais retornaram, vaqueiros que perderam suas vidas no meio do mato, viajantes emboscados e que se findaram sem rever a família. Uma saga de tristes acontecidos.
Por isso mesmo que aqueles cavaleiros retornavam do outro mundo no meio da noite. Tanto assim que havia relatos dizendo que alguns pareciam parar defronte a algumas residências. Acaso fosse perguntar aos donos da casa se um dia, mesmo num tempo distante, algum acontecido triste havia ocorrido com um dos seus, então logo se ouvia que um vaqueiro havia perdido a vida numa caçada de gado ou que outro jamais retornou de uma pega-de-boi. E depois, até muito tempo após, voltavam no meio da noite. E retornavam noite após noite.
Mas também o cavaleiro que toda noite parava o cavalo na porta da amante. Este, segundo diziam, nunca deixou de aparecer. Conhecia-se que era ele pelo forte cheiro de perfume exalado enquanto passava o troteado.


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Lá no meu sertão...


Vida sertaneja




Você aqui (Poesia)


Você aqui


Um abraço agora
me faria bem
um beijo agora
me faria bem
ter você aqui
me faria tão bem
que esqueceria
o amanhã e tudo
por você agora

então venha agora
ter aqui meu bem
me faria tão bem.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - cadê a outra paixão do brasileiro?


*Rangel Alves da Costa


Nos últimos dias, o que mais se viu foi uma guerra de paixões políticas: os contra e os a favor de Lula. Não se falava noutra coisa, com discordâncias de parte a parte e xingamentos a todo instante. Observou-se um fervor político acima da normalidade brasileira, principalmente por que a passividade e a falta de reação perante as arbitrariedades cometidas pelos poderes é a característica mais negativa de grande parte da população. Então, agora que ficou demonstrado que quando o povo quer tem bala na agulha, por que não utilizar sempre o mesmo fervor no combate às mazelas e aos abusos do poder? Deixando de lado a política partidária, unido numa só voz e numa mesma ação, o povo deve reagir fortemente toda vez que aumentar o preço do gás de cozinha, da gasolina, do imposto, etc. Os inconformismos com as reformas escravagistas estão sendo demonstrados por todos? Como vai a saúde, como está a educação, aonde existe segurança? Que eu saiba, somente os movimentos de esquerda (ainda que de cunho partidário) possuem coragem de sair às ruas, de fechar estradas, de erguer bandeiras, de esbravejar contra os absurdos governamentais. E isto deveria ser ação de todos, de toda a população brasileira vitimada e escravizada, e cada dia mais empobrecida pela gula dos governantes. Então, que a paixão política tome feição de paixão cidadã, de paixão pela defesa de direitos, de paixão pelo respeito à sua dignidade humana. E que a explosão dessa paixão faça doer bem na alma do poder, de modo que os de lá de cima sintam que toda força existente está mesmo e somente na força do povo.


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domingo, 28 de janeiro de 2018

“POR ONDE FOR QUERO SER SEU PAR...”


*Rangel Alves da Costa


Entristecido, ouço a canção que diz:
“Vim tanta areia andei, da lua cheia eu sei, uma saudade imensa. Vagando em verso eu vim vestido de cetim, na mão direita rosas vou levar. Olha a lua mansa a se derramar, ao luar descansa meu caminhar, seu olhar em festa se fez feliz, lembrando a seresta que um dia eu fiz. Por onde for quero ser seu par...”.
Andança, andança... Nunca mais caminhei levando rosas na mão, versos na boca e cantigas no olhar. Nunca mais caminhei com o coração assim tão cheio de saudade, com os braços ávidos para abraçar, com a boca esperançosa de um beijar.
É que a solidão afastou do caminho toda flor. É que a tristeza de mim os versos levou. É que a solitude me deu um silêncio de pedra e um espinho de jardim outonal. Somos pétalas e sempre imaginando na dureza da rocha.
Que dureza essa que se esvai em pó? Não. Não quero a rigidez da montanha se o amor me tornou aquele resto de outono, aquela folha de outono. Entristecido pelo amor que tanto queria, mas...
Que ilusão terrível é essa do impossível amar. Ou até do possível amar. Mas do que adianta tanta amar sem desta fruta nem um beijo, nem o sumo nem um sabor? Eu queria morder, beber, sentir, viver...
Depois de amar e de tanto amar e de repente ter apenas o passado como alento. E ainda ter no lábio aquele tremor, ainda ter na boca aquele sabor, ainda ter no corpo todo o estupor febril da busca e do encontro.
E ontem senti saudade. E hoje senti saudade. E tanta saudade eu ainda sentirei. Saudade de amar, apenas. Mas não há amor na saudade, não há querer somente na distância.
O amor é laço e nó, é dois num só, é corrente que não se aparta. Mas para quem ama e é correspondido, e não o apego incompreendido.
O que é amor, então? Insisto em perguntar. O que é amar? Insisto em buscar respostas. O que é ser feliz no amor e no amar? Não. Não. Jamais conseguirei responder.
Mas ainda não descansei, ainda não desisti, ainda não joguei ao longe as flores e os versos que tenho, ainda não abdiquei de querer abraçar e beijar.
Quem sabe um dia, talvez. Cinderelas não existem nem Contos de Fada. Nenhuma bela mulher esqueceu seu sapatinho perto de mim.
Oh que mundo real! Oh que mundo cruel onde o amor é lâmina e o amar é fel! Mas haverei de amar. Haverei de ser compreendido no amar e assim poder, enfim, entregar minhas rosas, os meus versos, o meu beijo, o meu olhar.
E, então, cantar: “Por onde for quero ser seu par...”.


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Lá no meu sertão...


Será que vai chover no sertão?



Flor de lua e de sol (Poesia)


Flor de lua e de sol


Tenho uma flor de lua
e tenho uma flor de sol

entrego a lua em flor
na noite do meu amor

entrego o sol em flor
a cada dia de meu amor

mas a lua e o sol
brilham em resplendor

a qualquer instante
que floresce nosso amor.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – meu pé de laranja lima


*Rangel Alves da Costa


De vez em quando sinto a mesma tristeza que o menino Zezé sentiu quando cortaram seu pé de laranja lima. Quando perco coisas cativadas no coração ou mesmo me sinto distanciado daquilo que tanto amo, então é como o pé de laranja lima de minha vida estivesse sendo cortado. Nenhuma saudade sequer se aproxima daquilo que se perdeu ou que distante está. Nenhuma esperança de novamente ter faz com que a tristeza e a lágrima se dissipem. Por isso mesmo procuro amar o máximo que eu possa amar. Por isso mesmo que preciso cuidar com o máximo de carinho e atenção daquilo que temo um dia perder. Uma flor de jardim, um bilhete antigo, uma roupa velha, um retrato em preto e branco. Tudo isso faz doer quando de repente se perde. Imagine uma pessoa, um amor, um convívio, uma vida. Não. Não quero que cortem o meu pé de laranja lima.


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sábado, 27 de janeiro de 2018

QUEM SOU EU AGORA?


*Rangel Alves da Costa


Apaguei todos os rastros meus. Na minha estrada já não existe por onde caminhei. Olhar atrás já não se avista por onde passei. Quem sou eu agora?
Risquei por cima de todos os escritos meus. Borrei, sujei, estraçalhei todo o começo e todo o fim, todo ponto e toda vírgula, até mesmo o que eu rabisquei. Quem sou eu agora?
Desamei como desama quem amava por erro ou inocência. Num coração que não cabe em si mesmo, não há lugar para o que por ilusão um dia encontrei. Quem sou eu agora?
Rasguei todos os retratos de ontem até o primeiro dia. Não me quero mais avistar naquilo que já fui e que já não sou mais por que desbotei. Quem sou eu agora?
Findei com o sonho que persistia em me fazer sonhar. A cada dia sonhando e a cada dia vendo que com o sonhado jamais cheguei perto do que procurei. Quem sou eu agora?
Pintei de outra cor onde havia uma cor diferente. O arco-íris não precisa de tanta cor assim. No céu todo azul um monte de amarelo joguei. Quem sou eu agora?
Chorei todo rio, todo mar e todo oceano que havia em mim de uma vez só derramei. Fiz-me tempestade e trovoada e todas as minhas dores eu despejei. Quem sou eu agora?
Pranteei, solucei, lamuriei, e depois de refeito da dor eu me enxuguei. Mil lenços levados ao varal pelo que passei, para não mais dilacerar o que dilacerei. Quem sou eu agora?
Lancei na bacia da fé o que tanto acreditei. Só precisava de um Deus e com Deus eu fiquei. O resto de toda crença eu desacreditei. Mas com Deus eu fiquei. Quem sou eu agora?
Perguntei a mim mesmo se é normal viver envolto à solidão como sempre me dei. E como resposta ter a mesma solidão por que assim quis e sempre procurei. Quem sou eu agora?
Indaguei se é do prazer humano amar para o sofrimento, adorar para o padecimento, querer tanto para o exaurimento. E depois chorei pelo que me perguntei. Quem sou eu agora?
Aplaquei sem o furor do ódio, sem a insensatez da ira, quando reconheci todos os meus erros cometidos. E por isso mesmo ajoelhado me perdoei. Quem sou eu agora?
Queimei os velhos álbuns, os velhos baús, as velharias e os imprestáveis amontoados na alma existentes. Em fogueira grande, imensa, a tudo queimei. Quem sou eu agora?
Rabisquei o último verso para depois rasgar. Por que a poesia se já não há flor, se já não há canção, se o amor não existe mais. Do poeta em mim desgostei. Quem sou eu agora?
Inventei um jeito novo de ser feliz sem forçar o sorriso ou abraçar gelado. Ser apenas o que sou sem nada além. E pensar que fui outro e nunca evitei. Quem sou eu agora?
Reneguei o pão da falsa mão e o abraço da traição. Afasto-me de tudo para não querer ser alcançado pela covardia. Oh quanto fui traído quando me doei. Quem sou eu agora?
Amassei e fora joguei mil bilhetes e cartas. Já não me convence corações desenhados nem lábios de beijo em papel. Talvez não tenha aprendido o que ensinei. Quem sou eu agora?
Perdoei a mim mesmo pelo muito que errei. Errei por amor, errei por paixão, errei pela ilusão, errei. Procurei sempre acertar, mas sei que errei. E me perdoei. Quem sou eu agora?
Encontrei enfim uma voz silenciosa que havia escondida dentro de mim. E ontem mesmo eu a escutei. Ela disse: “Ei, goste de você, eu já lhe falei!”. Quem sou eu agora?
Acreditei que somente mudando eu me reencontraria. E caminhando mais firme do que sempre andei. E buscando mais sabedoria do que agora sei. Quem sou eu agora?
Perguntei, perguntei, perguntei: Quem sou eu agora?
Responderei: humano apenas. E tão humano sempre serei que reconheço ser impossível mudar muito do que imaginei. E por fim direi que amo, amei e sempre amarei!


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Lá no meu sertão...


Dona Zefa da Guia - uma benção e uma reza!




Questão de gosto (Poesia)


Questão de gosto


Não gosto
de vermelhos
vermelhos
nem de amarelos
amarelos

um sol na noite
e a lua no dia
nudez na roupa
beijo sem boca
sexo no olhar

nada diferente
o ser humano
precisa ser
o outro
não ele mesmo.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a casa de Dona Quininha e Seu Zé de Lola


*Rangel Alves da Costa


Apenas com algumas reformas, a casa de Dona Quininha e Seu Zé de Lola é uma das casas mais antigas da Praça da Matriz, na cidade sertaneja de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, no Sergipe. Casa que bem reflete parte da história do lugar, sempre de portas abertas para a acolhida de amigos. Nas festanças de antigamente, principalmente na Festa de Agosto, por estas portas entravam os amigos da Serra Negra, com rede já armada esperando o Coronel João Maria de Carvalho. Na janela grande abaixo da placa, logo depois do meio-dia, e Dona Quininha estendia sua tábua de cocada branca. Não dava pra quem queria. Enquanto isso, Zé de Lola caçoava com seus clientes no seu botequim, que era pelos lados da atual pracinha do Banese e depois passou a ter como endereço quase a esquina da Praça Eudócia com Prefeito João Rodrigues. Tanto vendia como entornava uma pinguinha. Hoje a casa é monumento à saudade, à recordação. E nela ainda vivendo a filha Neném, com toda sua solteirice e eterna mocidade. Toda tarde, assim que o sol descamba um tiquinho, então ela puxa sua cadeira e senta envolta em observâncias e recordações. Neném, aliás, muito conhecida na história de Poço Redondo, pois no passado foi, ao mesmo tempo, secretária, enfermeira e assistente do Dr. Jaime, um médico aracajuano que todo sábado atendia à população sertaneja. Chegava no táxi de Freire e já encontrava Neném esperando com a listagem daqueles que seriam atendidos naquele dia. Amanhã mesmo ao entardecer, basta olhar na direção da velha casa que na sua calçada logo avistará a amiga Neném. A idade? Deus me livre de perguntar!


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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

CADEIRA DE BALANÇO


*Rangel Alves da Costa


A casa parece vazia. O silêncio espalhado pelos espaços vai acentuando ainda mais o semblante de solidão. Mas acaso o olhar se lance pelos cantos da sala, próximo ao umbral da janela aberta, logo avistará a cadeira de balanço e o seu dono de todo instante. Ali, no cantinho da casa, em meio ao silêncio e à solidão, a velhice sentada em sua cadeira de balanço.
Mas não apenas no silêncio e na solidão, não somente nos cantos da casa, nas salas e quartos, pois também nas varandas, calçadas e sombreados de arvoredos. Aonde as cadeiras de balanço sejam levadas e os ambientes sejam propícios ao repouso, ao descanso e à meditação, aí as pessoas de mais idade serão avistadas em seus silêncios e em seus gritos interiores. As folhagens caem ao redor, os pombos chegam pertinho, a brisa vai passando mais devagar, olhos profundos e faces enrugadas em moldura tão bela quanto melancólica.
Os meninos, a juventude e os adultos na força do vigor físico, saem pelas ruas, andejam por todo lugar, levam seu passo às distâncias e sequer possuem hora certa para retornar. Brincam, correm, namoram, trabalham, lançam-se em aventuras, cansam e descansam quando os suores do dia começam a cair. O mesmo não ocorre com outras pessoas que já passaram pelo mesmo processo de existência, mas que de repente têm de se contentar com o repouso nos quartos, entre paredes, nas solidões dos dias e das noites, ou simplesmente sentadas em suas cadeiras de balanço.
As cadeiras de balanço sintetizam a velhice em sua mais plena moldura. Não aquela velhice que abdica da idade e vai ao enfrentamento da realidade como se noutra idade estivesse. E muito ocorre assim. Pessoas existem que buscam em si todas as suas forças e correm atrás dos prazeres, dos passeios, das viagens, das alegrias da vida. Há que se dizer, contudo, que tudo isso demanda vontade, ânimo e principalmente meios financeiros para tal. E infelizmente tais aspectos não se fazem presentes na maioria dos idosos, seja dos centros urbanos ou das regiões mais distantes.
Dizer que as cadeiras de balanço sintetizam a velhice implica também em afirmá-las enquanto molduras de uma situação existencial. Não somente costumou-se ter a velhice como um estágio de vida de inércia e forçado recolhimento como a própria realidade passou a confirmar tal situação. Onde está a maioria dos velhos senão em seus recolhimentos sombrios e solitários? Onde está a maioria das pessoas em idade avançada senão prostradas rente as janelas ou em cima do desalento das camas ou cadeiras de balanço? Onde estão os velhos senão nos esconderijos de qualquer lugar?
Não significa dizer que a velhice é completamente abandonada. Mas a idade avançada vai fazendo com que as pessoas - e até familiares - a veja como um móvel antigo que deve ficar intocado no seu lugarzinho sob pena de se desfazer. Deixa ali num canto, de lado, como relíquia que vá se consumindo por si mesma. A poucos interessa que a velhice tenha importância, que seja ouvida, que compartilhe das decisões e do cotidiano familiar. Dependendo da situação financeira ou da estirpe do velho, tudo é cuidado simplesmente como uma relíquia de inestimável valor. Mas ainda assim permanecendo apenas no seu lugarzinho. Não mais que isso.
Perante tais situações, necessário indagar: Será que a velhice merece apenas uma cadeira de balanço ou uma cama forrada? Será que a velhice necessita apenas de remédios na hora certa, de comida na medida e hora certas, de palavras dizendo o que pode e o que não pode fazer? Ora, dentro de cada ser humano há uma infinitude de sentimentos. Em cada ser vivo há emoções, pulsações, desejos, sentimentos que afloram e retraem a todo instante. E a velhice é um estágio onde tais pulsações continuam normalmente aflorando. Então, mais uma indagação: O que se passa na cabeça do idoso ao sentir que foi transformado apenas num velho quadro de parede, de moldura carcomida de tempo e com traças prestes a distorcer sua imagem?
As respostas possíveis somente serão encontradas nas cadeiras de balanço nas calçadas, dentro dos quartos, rente às portas e janelas, pelos cantos da casa. Nas tardes de aragem e frescor, debaixo dos sombreados do sol já posto, então o velho começa a dialogar com seus pensamentos, a conversar sozinho, a meditar sobre passado e presente, e vai fazendo desse palavreado íntimo a confissão que lhe resta fazer. Talvez sem mágoa e sem angústias, apenas sendo ele mesmo perante o que o mundo lhe ofertou depois de tanto viver e de tanto lutar.
“Mas vejam, quem sou eu senão um velho. Um velho que já fui moço, que já vivi todas as vidas que poderia existir. E o que sou agora? Vejo as folhas secas sendo carregadas pela ventania, e ali sou eu. Vejo as cores de um outono desbotado e triste, e ali sou eu. Vejo um pombo que é tão amado, mas que também é negado e renegado por todos. Serei eu esse pombo que simboliza amor, mas que todos passam distantes pelo medo dos males propalados. Sim. Também sou eu!”.


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Lá no meu sertão...


Em Curralinho, povoação ribeirinha em Poço Redondo, sertão sergipano



A bela flor (Poesia)


A bela flor


Não há jardim
primavera
ou perfume

flores
o que são
flores?

uma janela
uma rosa
tão bela

a flor
tão bela
é ela.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - sempre assim


*Rangel Alves da Costa


Lavo minhas roupas. Costuro minhas roupas. Passo ferro em minhas roupas. Cuidadosamente penduro em cabides as minhas roupas. Gosto do que é meu. Cuido do que é meu. Gosto de fazer assim. Quem fará por mim? Varro meu quarto, varro meu escritório, limpo de canto a outro. Gosto do que é meu. Cuido do que é meu. Gosto de fazer assim. Quem fará por mim? Compro minha comida, preparo o que vou comer, depois lavo pratos e panelas, limpo o fogão, separo o lixo em sacolas, e na hora certa coloco do lado de fora. Sempre fui assim, sempre agi assim, sempre fiz assim. Sozinho ou com alguém, nada disso se afastou de mim. Não forro a cama por que durmo de rede. Não digo boa noite ou bom dia por que sempre deito e acordo sozinho. Mas diálogo na prece e na oração. Somente na saudade é que me chega a outra presença. Mas não adianta. Sempre estou sozinho e só. Sou muito sozinho. Mas aprendi a viver assim.


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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

ANDARILHOS, BRINCANTES E REPENTISTAS


*Rangel Alves da Costa


A velhice do passado é tão renovada na nossa memória, que a todo instante está colocando seu espelho perante a nossa recordação e o nosso olhar de agora. Contudo, só tem o dom de avistar aquele que valoriza as tradições de gerações a gerações, as raízes das manifestações culturais, os ofícios e os afazeres de um povo nos tempos idos.
Muito do antigo já não existe mais. O que foi perdido se deu principalmente pelo desinteresse dos mais novos e pela falta de preservação daqueles aos quais caberia a manutenção da riqueza artística e cultural de povos e comunidades. Hoje apenas raramente, mas ainda é possível avistar - principalmente nos encontros culturais - grupos folclóricos, folguedos e outras tradições. Observando-se sempre que geralmente são as pessoas de mais idade que insistem em preservar seu samba-de-coco, sua quadrilha, seu reisado, seu pastoril.
Nos dias de hoje, povoações de Poço Redondo como Sítios Novos e Guia, ainda possuem grupos folclóricos formados basicamente por pessoas já enraizadas no tempo. As recentes apresentações na sede da cidade demonstram a pujança motivadora desse povo e seu compasso na tradição. Muitas vezes, falta apenas um incentivo que desperte a continuidade ou mesmo uma pequena ajuda financeira para que os integrantes se sintam mais prestigiados e valorizados. Contudo, ante a ausência de qualquer ajuda de custo, o que se tem é a vontade pessoal em não deixar que sucumbam as tradições.
Mas nem tudo está perdido, principalmente considerando que o Xaxado na Pisada de Lampião, criado na cidade de Poço Redondo, vem - já desde muito - formando gerações de artistas da terra, contando também com um grupo infantil como aprendizado para ascensão ao grupo principal. E a povoação ribeirinha de Bonsucesso sempre se constituindo como um verdadeiro celeiro de grupos folclóricos formados por jovens e até crianças. De Bonsucesso Reisado, o São Gonçalo, a Cavalhada adulta e mirim, o Pastoril, dentre outras manifestações culturais.
Olhando muito mais além, contudo, reencontra-se aquilo que a juventude de agora sequer imaginou que pudesse existir. Certamente que hoje seria totalmente desprezado, discriminado, evitado a tudo custo. Basta ver, por exemplo, o que fizeram com os circos, com os palhaços, os picadeiros, as rumbeiras, os trapezistas, os cuspidores de fogo. Acaso apareça um pequeno circo pelos arredores da cidade, dificilmente um jovem estará disposto a conhecer sua arte mambembe. Até mesmo os pais só resolvem visitá-lo por que os filhos pequenos insistem em conhecer aquela coisa tão diferente.
Saibam, contudo, que pelos caminhos do sertão sergipano - e igualmente por todos os rincões nordestinos -, houve um passado glorioso de grandes circos, de artistas famosos cantando no picadeiro, de solitários artistas que chegavam trazendo sua mala de surpreendentes diversões, de brincantes forasteiros anunciando apresentações debaixo de lonas, de cantadores e repentistas que chegavam com suas violas debaixo do braço e se assentavam nas vendas e nas residências a dedilhar e a trovar os mais intrigantes desafios. Um sertão também de andarilhos e pessoas que simplesmente chegavam com um mundo de alegria em bonecos de madeira, arame e pano.
Muitos andarilhos cruzavam as estradas sertanejas e iam parando de cidade a cidade. Alguns retornavam tempos depois, tornando-se verdadeiros conhecidos das comunidades, mas outros apenas seguiam em frente. Aonde chegavam sempre mostravam um caderno indicando os locais por onde haviam passado, bem como milhares de assinaturas de pessoas que os ajudavam na caminhada aventureira. Perguntados por que assim viviam, indo de canto a outro sem fixar moradia, respondiam apenas que era pelo prazer do passo na estrada. Um e outro carregando livros, demonstrando serem inteligentes e até cultos. Outros levando cordéis e outros objetos para ajuda na caminhada. Batiam às portas, explicavam suas condições de andarilhos, recebiam alimentos e ajudas e logo se despediam. 
Os artistas mambembes também eram costumeiros pelos sertões. Com trupe mista de bonecos e manipuladores, muitas vezes uma só pessoa, chegavam com seus personagens dentro de malas, armavam tendas e anunciavam os espetáculos. Muito famoso na região de Poço Redondo era o Cassimicoco de Julinho. Este senhor, visitando povoação a povoação, apresentava teatro de bonecos onde encontrasse um local para estender sua lona e tivesse quem desejasse assistir. Depois cada pessoa jogava um trocado numa bacia e cheia de contentamento saía após aplaudir a intriga entre o coronel de açoite e o sacristão com a cruz.
Já os repentistas fizeram parte de um auge onde as radiolas só aceitavam vinil e as feiras livres chamavam todo tipo de repentista. Além de cegos cantores e violeiros chegados de todos os lugares, muitos eram os discos de repentistas famosos espelhados em esteiras nos dias de feira. A aceitação era tanta que de vez em quando duplas de renome apareciam para pelejas ainda hoje inesquecíveis. Vozes e violas afinadas, os repentistas pediam que o povo desse o mote e daí em diante o que se ouvia era a maestria de uma arte tão criativa quanto original. E rima a rima, cada um rebatia o outro para o espanto e alegria geral.
Mas onde está tudo isso? Nas molduras do tempo, nas memórias, nos escritos que hoje guardam as recordações das artes, dos passos e dos ofícios de um povo.


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Lá no meu sertão...


Poço Redondo, sertão sergipano: noturno de fé!



Janela aberta para o jardim (Poesia)


Janela aberta para o jardim


Eu não queria amanhecer assim
com olhos na aurora entristecidos
diante da janela aberta para o jardim
com saudade tanta dos tempos idos
vendo na flor seu olhar em jasmim

oh minha amada além da estrada
retrato que trago agora no coração
um adeus e sem dizer mais nada
deixando um jardim e uma solidão

mas eu não queria acordar assim
depois de sonhos tão esperançosos
abrir a janela e uma saudade sem fim
para sentir na face rios lacrimosos
molhadas tristezas da dor que há em mim.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a “descondenação”


*Rangel Alves da Costa


A palavra “descondenação” talvez não exista na língua portuguesa, mas o seu sentido sim, vez que nunca esteve tão em voga desde ontem, após o julgamento do recurso de Lula no TRF-4 e a manutenção de sua condenação, com aumento da pena imposta na sentença de origem. Após a decisão, da lavra petista e do petismo surgiu uma enxurrada de estapafúrdias afirmações: “conluio dos julgadores para condenar um inocente”, “justiça que se tornou militante política”, “um tribunal como serventia da Globo”, “perseguição judicial a um homem honesto”, “julgamento e condenação sem provas”. Fora o fato de insistirem na negação das consequências da condenação. Para muitos, não houve absolutamente nada e Lula será candidato de todo jeito. Para outros, Lula não só é candidato como já está eleito. E ainda outros afirmando que Lula só pode condenado pelas urnas e não pela justiça. Nesta seara de ilusões e utopias, até já lançaram a candidatura do condenado como se nada, absolutamente nada tivesse ocorrido. Tudo isso demonstra, muito além da ignorância jurídica do petismo, a clara e deliberada tentativa de ridicularizar o judiciário brasileiro e afrontosamente rasgar a lei.


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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

UM MUNDO DE URUBUS


*Rangel Alves da Costa


Recentemente escrevi um pequeno texto onde caracterizo as ações e as atitudes de determinadas pessoas como a de verdadeiros urubus. Peço perdão à ave adoradora de restos mortos e carniças pela comparação com aqueles que gostam mesmo é de dizimar pessoas vivas, definhar e exaurir o próximo, deixar em aberto as entranhas do espírito e da alma. E tudo pela maldade, pelo gosto de ser carnicento da vida do outro.
Perto de certas pessoas, os urubus são um doce de ave. Aliás, estas aves escurecidas e que gostam de dar rasantes nas proximidades dos animais mortos e dos restos já em estado de putrefação, não só prestam um excelente serviço ao equilíbrio ecológico como debelam focos de vermes e doenças oriundas das carniças encontradas. Seus organismos são perfeitamente adaptados ao consumo do putrefato sem que, com isto, se tornar um transmissor automático de doenças. Isto não significa que o ser humano esteja livra de contaminação no seu manuseio ou proximidade. Mas, de qualquer modo, muito menos perigosos que os urubus humanos.
No texto acima referido, recentemente publicado, assim afirmei: “Coitados dos urubus que avoejam pelos ares em busca de qualquer apodrecimento para saciar sua estranha fome. Estes são inocentes demais perante certas pessoas. Estes são como pássaros do paraíso perto de determinados seres humanos. Aliás, muitas pessoas - e muitas mesmo - são infinitamente piores que todas as aves carnicentas, agourentas, de presságios ruins. Coitado do urubu, do gavião, do carcará, do abutre, da rasga-mortalha.
Coitado do bicho perto do humano. Pessoas existem que são mais podres que as carniças tão desejadas pelos seus deploráveis instintos. Pessoas existem que são mais destrutivas que os bicos afiados e sujos de sangue das rapinas. Pessoas existem que são mil vezes mais agourentas que um milhão de rasga-mortalhas. Vivemos rodeados de uma verdadeira selva. Já conhecemos os lobos pelas ações violentas, pelos uivos que não escondem os ataques. Já conhecemos as cobras pelas espreitam que sempre fazem e pelos botes que traiçoeiramente dão.
Mas nada igual aos urubus humanos, aos carnicentos humanos, cujo olhar, voz e expressões, para outra coisa não servem senão premeditar a maldade no outro, a caída do outro para que se refastelem de seus restos. Para que? Nada. Apenas pela maldade. Desejam carniça nos outros, mas acabam engolindo seus próprios vermes”.
Os fatos comprovam o afirmado. Pessoas existem que possuem bicos apunhalados, garras de fogo e sempre desmedidamente afiadas, uma fome contínua da vida do outro, uma sede permanente para sangrar e exaurir toda a seiva da vida do próximo. Agem sempre através de ações pérfidas, nojentas, execráveis em todos os sentidos. Agem pelo mórbido prazer de destruir, de diminuir, de aniquilar.
Pelos ares, com jeito de quem não quer nada, os urubus vão fazendo ronda e, lentamente, se aproximando, mais e mais. De repente, em rasantes, já estarão rodeando os restos mortos de algum animal. Daí em diante um destripamento descomunal. Contudo, o animal já estava morto ou já em estado de putrefação. Acaso fossem carcarás e gaviões, bastaria que o animal estivesse já sem forças para se reerguer.
E como acontece com o homem urubu? Como faz o ser humano carnicento? Olha o outro já com ciúme, com inveja, com o olhar da maldade. E vai logo dissecando. Depois vomita inverdades, mentiras e falsidades, a quem lhe der ouvidos. Compraz-se em derrotar o outro pela palavra, em dizimar o outro pela mentira. E assim vai vivendo da carniça que é a sua própria vida e a sua deplorável pessoa.


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Lá no meu sertão...


Entardecer nas calçadas sertanejas



Flores de eterno amor (Poesia)


Flores de eterno amor


Jamais me esquecerei das flores
que um dia distante te prometi
ainda que jamais tivesse dito um sim
ainda que jamais tivesse me beijado
jamais me esquecerei das flores
que um dia distante te prometi

o amor já envelhecido não morreu
não foi levado no vento o meu desejo
de acariciá-la e beijá-la como a uma flor
nada do que tanto senti já esmoreceu
senão acresceu em tão viva esperança
de um dia tê-la inteira em meus braços

então minha imensa e eterna amada
aviste este buquê florido à sua janela
segure-o e nele sinta a minha presença
e talvez o perfume já tão envelhecido
exale no teu peito a verdade de sempre
o amor que sinto e por ti sempre sentirei!


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - e agora, qual será o mote petista?


*Rangel Alves da Costa


O petismo e o lulismo - pois se diferenciam no fanatismo e no exacerbo das paixões - são mestres em levantar teorias conspiratórias, em criar teses estapafúrdias, em inventar motes e desculpas para boi dormir. Não faz muito tempo, durante o processo de impeachment de Dilma, que o lema em defesa do indefensável era “É golpe!”. É golpe, é golpe, é golpe, por todo lugar, até que a tese do golpe saiu pela culatra e ficou por isso mesmo após a destituição da presidente. E agora, ante os fatos acusatórios, o processo e a sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro em desfavor de Lula, mas principalmente perante o julgamento do recurso pelo TRF-4, a questão de ordem petista foi “Não há provas!”. E sem provas não pode haver condenação. Só que mais uma vez a tese do “Não há provas!” não surtiu nenhum efeito no resultado do julgamento. Na fundamentação dos julgadores, as provas “comprovadamente” existiam, tanto assim que a condenação foi mantida e até aumentada a pena. E agora, indaga-se: qual será o próximo mote petista e a próxima tese lulista? Será que vão dizer que Lula, por ser santidade, jamais poderia ou poderá ser julgado pelos homens?


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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A FALSA RELIGIOSIDADE NAS REDES SOCIAIS


*Rangel Alves da Costa


As redes sociais estão repletas de falsos religiosos, de pérfidas religiosidades. São uns falsários da fé e da própria religião, que apregoam aquilo que verdadeiramente não sentem, não praticam, não comungam.
Ora, religiosidade é coisa séria, é ato de profunda devoção e não mero objeto onde se tenta expor o que está de outra forma dentro de si. Não é expondo uma devoção não sentida que a pessoa vai ser acreditada pelos que a conhece.
Conceitualmente, a religiosidade reflete a espiritualidade da pessoa através de suas crenças. Através da religiosidade o ser humano abraça suas crenças, sua religião em si, sua fé e sua devoção.
É através da religiosidade que a pessoa compartilha das crenças sagradas, dos ensinamentos advindos dos livros bíblicos ou outros escritos, que introduz no seu comportamento as noções de pecado.
A religiosidade implica ainda na conduta, na moral, na ética, nos costumes e nas tradições. Quem é verdadeiramente religioso sempre procura se pautar pelas diretrizes básicas de sua religião. E cada religião procura ensinar como as pessoas devem se conduzir nos seus atos de vida.
Como observado, toda religiosidade possui preceitos a serem seguidos. Não há religiosidade ao acaso nem de qualquer jeito. Não há religiosidade por conveniência instantânea nem por brincadeira.
O que seria, então, a religiosidade que tanto vem sendo usada e abusada nas redes sociais? Ora, simplesmente a religiosidade como mera demonstração de uma devoção inexistente. Uma religiosidade de fachada, de mentira, de falsidade.
A religiosidade tão espalhada nas redes sociais é aquela da conveniência segundo o meio. A pessoa quer se passar como virtuosa, respeitosa, decente, temente aos ensinamentos sagradas, então começa a postar falsas simbologias.
A pessoa nunca vai a uma igreja, não sabe sequer se benzer, e se mostra a mais religiosa do mundo. A pessoa nunca leu um Salmo, não sabe o que é um Evangelho, nunca se ajoelhou em oração, mas de repente se apresenta como a santidade em pessoa.
Se perguntados o que é uma missa, certamente dirão apenas que é um padre falando para algumas velhas. Se indagados se sabem alguma oração, certamente que dirão que não. Mas sabem a letra inteira das baladas e cantam até em inglês.
O pior é que, muitas vezes, as pessoas que avistam as postagens religiosas conhecem muito bem a rotina e os costumes daqueles que fazem tais postagens. Sabem que não respeitam pais e mães, que não possuem boa conduta pessoal, que sempre preferem as coisas mundanas da vida.
Logicamente que muitos se espantam com tamanha religiosidade naqueles que só vivem de copo à mão, que só vivem curtindo festanças, que viram noites e madrugadas em farras e outros prazeres. Mas que de repente se mostram os mais religiosos do mundo.
Grande parte de suas postagens são com santos, orações, escritos religiosos, tudo numa santidade sem fim. Mas pessoalmente são adeptos mesmos é da falsidade, da intriga, da fofoca, da discórdia, da inimizade.
Mas por que fazem assim? Certamente tentando ludibriar os outros. Certamente querendo passar uma imagem de refazimento pessoal e assim atrair aqueles que se encantam com tamanhas “virtudes”.
Contudo - e como se diz -, o mundo é pequeno demais. E nas redes sociais todos se conhecem ou acabam se conhecendo. E toda a santidade falsa acaba se revertendo na outra realidade sem escudo ou ocultação: apenas o pecado.


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Lá no meu sertão...



Velho e lindo Chico