*Rangel Alves da Costa
No seu famoso “Quadrilha”, diz o poeta Carlos
Drummond de Andrade que “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que
amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim
suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na
história”. Mas o que isto tem a ver com a história de Lampião?
Calma. Chegaremos lá, mas anteciparemos um
quase poema drummondiano para Lampião: O Tenente Liberato de Carvalho amava seu
irmão Coronel João Maria de Carvalho que amava seu compadre Zé Rufino, que
amava os dois e que também amava matar cangaceiros. Liberato perseguia o
cangaço, João Maria protegia cangaceiro e Zé Rufino ao compadre respeitava.
Liberato nunca prendeu Lampião, Zé Rufino nunca arrancou sua cabeça e João
Maria viveu seu coronelato sendo amigo de todo mundo.
Um nó apertado demais para ser afrouxado, não
é mesmo? Talvez uma história intrincada demais para ser entendida, não é mesmo?
Mas explicaremos para que se entenda melhor o tabuleiro de xadrez sob o qual o
cangaço se estendia, em meio a labirintos até hoje incompreensíveis a muitos e
como frangalhos da história que até o presente não foram devidamente juntados. Acrescente-se,
contudo, que o poder de sedução do famoso cangaceiro não só dava nó em pingo
d’água como tornava a seu favor o impensável de acontecer.
E a você, torna-se claramente compreensível
que os irmãos Liberato de Carvalho e João Maria de Carvalho, fraternos amigos
enraizados na baiana Serra Negra (hoje Pedro Alexandre) tenham atuado de lado
opostos perante o cangaço? E que Zé Rufino, com quartel na mesma cidade, fosse
tão implacável na caçada aos cangaceiros e ao mesmo tempo devotado a seu
compadre João Maria, abertamente protetor e acolhedor não só dos guerreiros do
sol como de qualquer um renegado que chegasse à sua varanda?
Liberato Matos de Carvalho (1903-1996), na
condição de Tenente-coronel, foi comandante de volante e participou do famoso
Fogo da Maranduba (ocorrido em 9 de janeiro de 1932, na fazenda Maranduba, no
então distrito sergipano de Poço Redondo), onde seus soldados - ao lado da
força pernambucana sob as ordens do tenente Manoel Neto), foram fragorosamente
derrotados pelos homens de Lampião. Chegou a ser nomeado comandante das forças
unificadas nordestinas no combate ao banditismo.
Seu irmão João Maria de Carvalho (1890-1963),
de patente militar e de latifúndio, caracterizou-se como líder local e
além-fronteiras, exercendo seu poder de mando não só nos seus domínios baianos
como no sertão sergipano, onde era dono de quase uma dezena de grandes
propriedades. Tido por muitos como protetor de bandidos, comandante de jagunços
e amigo de cangaceiros, a verdade é que exerceu sua primazia coronelista sendo
obedecido e respeitado até o fim da vida.
Já o Tenente Zé Rufino (José Osório de Farias,
1906-1969), um ex-sanfoneiro que, segundo dizem, passou a integrar a volante
temendo represália de Lampião por não ter aceitado ser cangaceiro e animar a
cangaceirada com o seu fole, acabou se constituindo num dos mais implacáveis
perseguidores e matadores de cangaceiros, tendo dado cabo de cerca de vinte.
Jamais conseguiu, contudo, enfrentar Lampião no olho a olho. Ou talvez sua
esperteza falasse mais alto, evitando o confronto direto. Seu quartel-general
era situado na baiana Serra Negra, na mesma localidade de mando do Coronel João
Maria, de quem era amigo e se fez compadre.
Há de se indagar, então: Havia algum compromisso
entre João Maria, seu irmão Liberato e Zé Rufino. E mais: O compromisso firmado
entre eles envolvia, não o bando cangaceiro em si, mas a figura de Lampião?
Será que Lampião deveria ser preservado por ordem dada por João Maria ao irmão
e ao compadre? Sabe-se que Liberato enfrentou Lampião no Fogo da Maranduba e
foi derrotado, ainda que as volantes contassem com um número três vezes maior
de homens do que cangaceiros. Será que o comando de Liberato não se empenhou suficientemente
para a derrocada cangaceira?
No seu famoso “Guerreiros do Sol”, relata
Frederico Pernambucano de Mello, às fls. 291, uma confissão de Sila (no seu
livro Sila: uma cangaceira de Lampião) que, se verdadeira, justificaria o
trânsito livre de Lampião perante os irmãos Carvalho e até mesmo por Zé Rufino.
Diz Sila que Liberato e Lampião mantinham secretos laços de amizade. Acreditem:
secretíssimos laços de amizade! Mais adiante diz o autor:
“De seu irmão, fazendeiro João Maria de
Carvalho, chefe político de Serra Negra, Bahia, sempre se soube ser amigo e
protetor de bandidos, especialmente de Lampião e seus cabras, com uma atividade
de coiteiros bastante intensa, como consta deste livro (referindo-se ao livro
de Sila). Quanto a Liberato, seus laços in
pectore com o Rei do Cangaço são nada menos que estarrecedores”. Relata ainda
o autor que Sila diz no seu livro que após dar a luz seu primeiro filho,
Lampião pediu que ela entregasse a criança ao amigo Liberato para criá-la.
Não se deve acreditar muito nos testemunhos
de Sila. Contudo, há um emaranhado ainda não encaixado bem: Por que o Coronel
João Maria atuou livremente na defesa e proteção de cangaceiros, e logo tendo
Liberato e Zé Rufino na sua sala?
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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