*Rangel Alves da Costa
Com o passar dos anos, as raízes culturais de
um povo tendem a esmorecer, principalmente quando as novas gerações já não se
interessam mais pelas tradições, pelos costumes e rituais de seus antepassados.
Os mais jovens, envoltos que vivem perante as chamas e tentações dos modismos,
passam a simplesmente relegar ao esquecimento aquilo que sua família ou sua
comunidade sempre valorizou.
Dificilmente um jovem vai ser encontrado
talhando madeira para construir um cavaquinho como seu pai e seu avô faziam no
passado. Dificilmente uma jovem vai pedir a sua mãe ou parentes que lhe ensinem
a rodar como rodam as pastorinhas. Nem ciranda debaixo da lua nem cantiga de
roda se avista mais. Será uma raridade encontrar alguém da juventude
preservando de corpo e alma os velhos folguedos e as antigas tradições. A
situação só muda quando está no próprio sangue familiar o senso da preservação
ou quando o jovem sente que participando de grupo folclórico estará alçado à
condição de artista.
Mas nem tudo está perdido. Pelo contrário,
tudo ainda está garantido, não com a força que se esperaria, mas com a
semeadura suficiente para a preservação. E assim por que as culturas, as
manifestações folclóricas, os folguedos e outras tradições, ainda estão
presentes por todo o sertão sergipano. E o mais impressionante que muito mais
nas povoações e nos lugarejos mais afastados que mesmo nos centros urbanos. De
repente, dos escondidos sertanejos vão aparecendo os reisados, os pastoris, as
autênticas quadrilhas juninas, os xaxados, os sambas quebrados no miudinho do
pé.
Da povoação ribeirinha de Bonsucesso, às
margens do Rio São Francisco, no município sertanejo de Poço Redondo, chega a
Cavalhada Mirim (cavalos de pau com cabeças de cavalos feitas de garrafas pet),
o Reisado, o São Gonçalo e o Pastoril. Da região do Quilombo Serra da Guia, no
mesmo município, Dona Zefa da Guia (parteira e rezadeira por excelência) traz o
seu Samba-de-coco. De outras povoações locais vão surgindo grupos folclóricos
com suas danças, seus batuques, suas enfeitadas encenações.
Pela cidade já passaram a cavalgada e a
apresentação da cavalhada. Cortejos azuis e encarnados, lanças com fitas,
cavalos e cavaleiros em disputa. Mas não há vencedor senão a cultura local e a
população que ávida e prazerosamente assiste e aplaude cada acerto na argola e
cada lança colocada ao umbro daquele convidado a colocar uma nota de dinheiro
como premiação. Avista-se em deslumbramento, mas nada de novo naquele chão.
Ainda continuam famosos os antigos cavalheiros de imponência sem igual, fossem
representando cristãos ou mouros, mais parecendo príncipes em cima de seus
portentosos e enfeitados cavalos.
Igual encantamento quando os grupos de xaxado
se apresentam nas feiras culturais ou noutras programações. O xaxado, um tipo
de pisada dançante tipicamente nordestina, mais difundida como folguedo
cangaceiro onde os bandoleiros marcavam na batida dos rifles o compasso de sua
dança, torna-se mais atraente pelas vestes cangaceiras recobrindo seus
integrantes. Lenços, embornais, cartucheiras, cantis, chapéus estrelas,
ornamentos dourados, tudo muito colorido e brilhoso. Também os gritos de
guerra, os cantos, toda uma teatralização que tornam ainda mais fascinantes as
apresentações. Atualmente o mais famoso do sertão sergipano é o Xaxado na
Pisada de Lampião, de Poço Redondo, que possui também uma versão mirim de igual
qualidade.
Além dos gritos cangaceiros na marcação do
xaxado, mesmo ao longe, inconfundíveis são os sons dos pífanos. Taboca furada
nas laterais, canudo trabalhado com maestria, a flauta matuta ecoando os sons
passados de gerações a gerações. O pífano em si é apenas um instrumento fazendo
parte de um grupo maior de instrumentos, tendo sempre a inafastável companhia do
surdo, do tarol e da zabumba. Tocadores do mato, homens da roça, de mãos
calejadas, sempre com a mesma garbosidade dos grandes artistas. Na região
sertaneja de Sergipe, famosos são os Pífanos da Família Vito, de longa raiz
familiar e cujos integrantes vão se revezando com os avanços das idades.
Os Pífanos da Família Vito estão sempre
presentes nas festas religiosas e nos raros leilões caipiras que ainda
persistem no sertão sergipano. Não leilão de gado, de prendas novas e modernas,
mas um festejo diferente, nos moldes tradicionais, onde os objetos colocados em
lance vão desde o bolo de milho à garrafa de cachaça. Em tempos mais antigos,
quando as casas eram iluminadas por candeeiros ou lamparinas, ao longe se
avistava a fogueira crepitando ao som do pífano, da sanfona e a voz aguda do
leiloeiro perguntando quem dá mais por uma goiabada, uma panelada de galinha
caipira, uma abóbora ou melancia.
Observação: O presente texto foi
originalmente publicado na Revista Cumbuca, Ano V, n. 16, Aracaju/Edise.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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