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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

CULTURAS, TRADIÇÕES E RESISTÊNCIAS NO SERTÃO SERGIPANO - I


*Rangel Alves da Costa


Com o passar dos anos, as raízes culturais de um povo tendem a esmorecer, principalmente quando as novas gerações já não se interessam mais pelas tradições, pelos costumes e rituais de seus antepassados. Os mais jovens, envoltos que vivem perante as chamas e tentações dos modismos, passam a simplesmente relegar ao esquecimento aquilo que sua família ou sua comunidade sempre valorizou.
Dificilmente um jovem vai ser encontrado talhando madeira para construir um cavaquinho como seu pai e seu avô faziam no passado. Dificilmente uma jovem vai pedir a sua mãe ou parentes que lhe ensinem a rodar como rodam as pastorinhas. Nem ciranda debaixo da lua nem cantiga de roda se avista mais. Será uma raridade encontrar alguém da juventude preservando de corpo e alma os velhos folguedos e as antigas tradições. A situação só muda quando está no próprio sangue familiar o senso da preservação ou quando o jovem sente que participando de grupo folclórico estará alçado à condição de artista.
Mas nem tudo está perdido. Pelo contrário, tudo ainda está garantido, não com a força que se esperaria, mas com a semeadura suficiente para a preservação. E assim por que as culturas, as manifestações folclóricas, os folguedos e outras tradições, ainda estão presentes por todo o sertão sergipano. E o mais impressionante que muito mais nas povoações e nos lugarejos mais afastados que mesmo nos centros urbanos. De repente, dos escondidos sertanejos vão aparecendo os reisados, os pastoris, as autênticas quadrilhas juninas, os xaxados, os sambas quebrados no miudinho do pé.
Da povoação ribeirinha de Bonsucesso, às margens do Rio São Francisco, no município sertanejo de Poço Redondo, chega a Cavalhada Mirim (cavalos de pau com cabeças de cavalos feitas de garrafas pet), o Reisado, o São Gonçalo e o Pastoril. Da região do Quilombo Serra da Guia, no mesmo município, Dona Zefa da Guia (parteira e rezadeira por excelência) traz o seu Samba-de-coco. De outras povoações locais vão surgindo grupos folclóricos com suas danças, seus batuques, suas enfeitadas encenações.
Pela cidade já passaram a cavalgada e a apresentação da cavalhada. Cortejos azuis e encarnados, lanças com fitas, cavalos e cavaleiros em disputa. Mas não há vencedor senão a cultura local e a população que ávida e prazerosamente assiste e aplaude cada acerto na argola e cada lança colocada ao umbro daquele convidado a colocar uma nota de dinheiro como premiação. Avista-se em deslumbramento, mas nada de novo naquele chão. Ainda continuam famosos os antigos cavalheiros de imponência sem igual, fossem representando cristãos ou mouros, mais parecendo príncipes em cima de seus portentosos e enfeitados cavalos.
Igual encantamento quando os grupos de xaxado se apresentam nas feiras culturais ou noutras programações. O xaxado, um tipo de pisada dançante tipicamente nordestina, mais difundida como folguedo cangaceiro onde os bandoleiros marcavam na batida dos rifles o compasso de sua dança, torna-se mais atraente pelas vestes cangaceiras recobrindo seus integrantes. Lenços, embornais, cartucheiras, cantis, chapéus estrelas, ornamentos dourados, tudo muito colorido e brilhoso. Também os gritos de guerra, os cantos, toda uma teatralização que tornam ainda mais fascinantes as apresentações. Atualmente o mais famoso do sertão sergipano é o Xaxado na Pisada de Lampião, de Poço Redondo, que possui também uma versão mirim de igual qualidade.
Além dos gritos cangaceiros na marcação do xaxado, mesmo ao longe, inconfundíveis são os sons dos pífanos. Taboca furada nas laterais, canudo trabalhado com maestria, a flauta matuta ecoando os sons passados de gerações a gerações. O pífano em si é apenas um instrumento fazendo parte de um grupo maior de instrumentos, tendo sempre a inafastável companhia do surdo, do tarol e da zabumba. Tocadores do mato, homens da roça, de mãos calejadas, sempre com a mesma garbosidade dos grandes artistas. Na região sertaneja de Sergipe, famosos são os Pífanos da Família Vito, de longa raiz familiar e cujos integrantes vão se revezando com os avanços das idades.
Os Pífanos da Família Vito estão sempre presentes nas festas religiosas e nos raros leilões caipiras que ainda persistem no sertão sergipano. Não leilão de gado, de prendas novas e modernas, mas um festejo diferente, nos moldes tradicionais, onde os objetos colocados em lance vão desde o bolo de milho à garrafa de cachaça. Em tempos mais antigos, quando as casas eram iluminadas por candeeiros ou lamparinas, ao longe se avistava a fogueira crepitando ao som do pífano, da sanfona e a voz aguda do leiloeiro perguntando quem dá mais por uma goiabada, uma panelada de galinha caipira, uma abóbora ou melancia.
Observação: O presente texto foi originalmente publicado na Revista Cumbuca, Ano V, n. 16, Aracaju/Edise.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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