*Rangel Alves da Costa
A casa parece vazia. O silêncio espalhado
pelos espaços vai acentuando ainda mais o semblante de solidão. Mas acaso o
olhar se lance pelos cantos da sala, próximo ao umbral da janela aberta, logo
avistará a cadeira de balanço e o seu dono de todo instante. Ali, no cantinho
da casa, em meio ao silêncio e à solidão, a velhice sentada em sua cadeira de
balanço.
Mas não apenas no silêncio e na solidão, não
somente nos cantos da casa, nas salas e quartos, pois também nas varandas,
calçadas e sombreados de arvoredos. Aonde as cadeiras de balanço sejam levadas
e os ambientes sejam propícios ao repouso, ao descanso e à meditação, aí as
pessoas de mais idade serão avistadas em seus silêncios e em seus gritos
interiores. As folhagens caem ao redor, os pombos chegam pertinho, a brisa vai
passando mais devagar, olhos profundos e faces enrugadas em moldura tão bela
quanto melancólica.
Os meninos, a juventude e os adultos na força
do vigor físico, saem pelas ruas, andejam por todo lugar, levam seu passo às
distâncias e sequer possuem hora certa para retornar. Brincam, correm, namoram,
trabalham, lançam-se em aventuras, cansam e descansam quando os suores do dia
começam a cair. O mesmo não ocorre com outras pessoas que já passaram pelo
mesmo processo de existência, mas que de repente têm de se contentar com o
repouso nos quartos, entre paredes, nas solidões dos dias e das noites, ou
simplesmente sentadas em suas cadeiras de balanço.
As cadeiras de balanço sintetizam a velhice em
sua mais plena moldura. Não aquela velhice que abdica da idade e vai ao
enfrentamento da realidade como se noutra idade estivesse. E muito ocorre
assim. Pessoas existem que buscam em si todas as suas forças e correm atrás dos
prazeres, dos passeios, das viagens, das alegrias da vida. Há que se dizer,
contudo, que tudo isso demanda vontade, ânimo e principalmente meios
financeiros para tal. E infelizmente tais aspectos não se fazem presentes na
maioria dos idosos, seja dos centros urbanos ou das regiões mais distantes.
Dizer que as cadeiras de balanço sintetizam a
velhice implica também em afirmá-las enquanto molduras de uma situação
existencial. Não somente costumou-se ter a velhice como um estágio de vida de
inércia e forçado recolhimento como a própria realidade passou a confirmar tal
situação. Onde está a maioria dos velhos senão em seus recolhimentos sombrios e
solitários? Onde está a maioria das pessoas em idade avançada senão prostradas
rente as janelas ou em cima do desalento das camas ou cadeiras de balanço? Onde
estão os velhos senão nos esconderijos de qualquer lugar?
Não significa dizer que a velhice é
completamente abandonada. Mas a idade avançada vai fazendo com que as pessoas -
e até familiares - a veja como um móvel antigo que deve ficar intocado no seu
lugarzinho sob pena de se desfazer. Deixa ali num canto, de lado, como relíquia
que vá se consumindo por si mesma. A poucos interessa que a velhice tenha
importância, que seja ouvida, que compartilhe das decisões e do cotidiano
familiar. Dependendo da situação financeira ou da estirpe do velho, tudo é
cuidado simplesmente como uma relíquia de inestimável valor. Mas ainda assim
permanecendo apenas no seu lugarzinho. Não mais que isso.
Perante tais situações, necessário indagar:
Será que a velhice merece apenas uma cadeira de balanço ou uma cama forrada?
Será que a velhice necessita apenas de remédios na hora certa, de comida na medida
e hora certas, de palavras dizendo o que pode e o que não pode fazer? Ora,
dentro de cada ser humano há uma infinitude de sentimentos. Em cada ser vivo há
emoções, pulsações, desejos, sentimentos que afloram e retraem a todo instante.
E a velhice é um estágio onde tais pulsações continuam normalmente aflorando.
Então, mais uma indagação: O que se passa na cabeça do idoso ao sentir que foi
transformado apenas num velho quadro de parede, de moldura carcomida de tempo e
com traças prestes a distorcer sua imagem?
As respostas possíveis somente serão
encontradas nas cadeiras de balanço nas calçadas, dentro dos quartos, rente às
portas e janelas, pelos cantos da casa. Nas tardes de aragem e frescor, debaixo
dos sombreados do sol já posto, então o velho começa a dialogar com seus
pensamentos, a conversar sozinho, a meditar sobre passado e presente, e vai
fazendo desse palavreado íntimo a confissão que lhe resta fazer. Talvez sem
mágoa e sem angústias, apenas sendo ele mesmo perante o que o mundo lhe ofertou
depois de tanto viver e de tanto lutar.
“Mas vejam, quem sou eu senão um velho. Um
velho que já fui moço, que já vivi todas as vidas que poderia existir. E o que
sou agora? Vejo as folhas secas sendo carregadas pela ventania, e ali sou eu.
Vejo as cores de um outono desbotado e triste, e ali sou eu. Vejo um pombo que
é tão amado, mas que também é negado e renegado por todos. Serei eu esse pombo
que simboliza amor, mas que todos passam distantes pelo medo dos males
propalados. Sim. Também sou eu!”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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