SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

CADEIRA DE BALANÇO


*Rangel Alves da Costa


A casa parece vazia. O silêncio espalhado pelos espaços vai acentuando ainda mais o semblante de solidão. Mas acaso o olhar se lance pelos cantos da sala, próximo ao umbral da janela aberta, logo avistará a cadeira de balanço e o seu dono de todo instante. Ali, no cantinho da casa, em meio ao silêncio e à solidão, a velhice sentada em sua cadeira de balanço.
Mas não apenas no silêncio e na solidão, não somente nos cantos da casa, nas salas e quartos, pois também nas varandas, calçadas e sombreados de arvoredos. Aonde as cadeiras de balanço sejam levadas e os ambientes sejam propícios ao repouso, ao descanso e à meditação, aí as pessoas de mais idade serão avistadas em seus silêncios e em seus gritos interiores. As folhagens caem ao redor, os pombos chegam pertinho, a brisa vai passando mais devagar, olhos profundos e faces enrugadas em moldura tão bela quanto melancólica.
Os meninos, a juventude e os adultos na força do vigor físico, saem pelas ruas, andejam por todo lugar, levam seu passo às distâncias e sequer possuem hora certa para retornar. Brincam, correm, namoram, trabalham, lançam-se em aventuras, cansam e descansam quando os suores do dia começam a cair. O mesmo não ocorre com outras pessoas que já passaram pelo mesmo processo de existência, mas que de repente têm de se contentar com o repouso nos quartos, entre paredes, nas solidões dos dias e das noites, ou simplesmente sentadas em suas cadeiras de balanço.
As cadeiras de balanço sintetizam a velhice em sua mais plena moldura. Não aquela velhice que abdica da idade e vai ao enfrentamento da realidade como se noutra idade estivesse. E muito ocorre assim. Pessoas existem que buscam em si todas as suas forças e correm atrás dos prazeres, dos passeios, das viagens, das alegrias da vida. Há que se dizer, contudo, que tudo isso demanda vontade, ânimo e principalmente meios financeiros para tal. E infelizmente tais aspectos não se fazem presentes na maioria dos idosos, seja dos centros urbanos ou das regiões mais distantes.
Dizer que as cadeiras de balanço sintetizam a velhice implica também em afirmá-las enquanto molduras de uma situação existencial. Não somente costumou-se ter a velhice como um estágio de vida de inércia e forçado recolhimento como a própria realidade passou a confirmar tal situação. Onde está a maioria dos velhos senão em seus recolhimentos sombrios e solitários? Onde está a maioria das pessoas em idade avançada senão prostradas rente as janelas ou em cima do desalento das camas ou cadeiras de balanço? Onde estão os velhos senão nos esconderijos de qualquer lugar?
Não significa dizer que a velhice é completamente abandonada. Mas a idade avançada vai fazendo com que as pessoas - e até familiares - a veja como um móvel antigo que deve ficar intocado no seu lugarzinho sob pena de se desfazer. Deixa ali num canto, de lado, como relíquia que vá se consumindo por si mesma. A poucos interessa que a velhice tenha importância, que seja ouvida, que compartilhe das decisões e do cotidiano familiar. Dependendo da situação financeira ou da estirpe do velho, tudo é cuidado simplesmente como uma relíquia de inestimável valor. Mas ainda assim permanecendo apenas no seu lugarzinho. Não mais que isso.
Perante tais situações, necessário indagar: Será que a velhice merece apenas uma cadeira de balanço ou uma cama forrada? Será que a velhice necessita apenas de remédios na hora certa, de comida na medida e hora certas, de palavras dizendo o que pode e o que não pode fazer? Ora, dentro de cada ser humano há uma infinitude de sentimentos. Em cada ser vivo há emoções, pulsações, desejos, sentimentos que afloram e retraem a todo instante. E a velhice é um estágio onde tais pulsações continuam normalmente aflorando. Então, mais uma indagação: O que se passa na cabeça do idoso ao sentir que foi transformado apenas num velho quadro de parede, de moldura carcomida de tempo e com traças prestes a distorcer sua imagem?
As respostas possíveis somente serão encontradas nas cadeiras de balanço nas calçadas, dentro dos quartos, rente às portas e janelas, pelos cantos da casa. Nas tardes de aragem e frescor, debaixo dos sombreados do sol já posto, então o velho começa a dialogar com seus pensamentos, a conversar sozinho, a meditar sobre passado e presente, e vai fazendo desse palavreado íntimo a confissão que lhe resta fazer. Talvez sem mágoa e sem angústias, apenas sendo ele mesmo perante o que o mundo lhe ofertou depois de tanto viver e de tanto lutar.
“Mas vejam, quem sou eu senão um velho. Um velho que já fui moço, que já vivi todas as vidas que poderia existir. E o que sou agora? Vejo as folhas secas sendo carregadas pela ventania, e ali sou eu. Vejo as cores de um outono desbotado e triste, e ali sou eu. Vejo um pombo que é tão amado, mas que também é negado e renegado por todos. Serei eu esse pombo que simboliza amor, mas que todos passam distantes pelo medo dos males propalados. Sim. Também sou eu!”.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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