*Rangel Alves da Costa
As memórias interioranas são riquíssimas em
causos, proseados e outras oralidades, que ainda hoje continuam atiçando as
curiosidades. Talvez por que tudo se modernizou demais e os assuntos atuais não
passem de fofocagens de mocinhas grávidas sem namorados, maridos traídos,
politicagens rotineiras e relatos cada vez mais absurdos de violências, é que o
antigo sempre é relembrado para o deleite e também o espanto de tantos.
Muitas são as histórias que se espalham pelas
calçadas entre as comadres, que são relembradas pelos compadres debaixo dos pés
de pau e dos beirais dos assentos, que são rebuscadas pelos amigos nos
proseados da boca da noite e mais adentro. Causos de lobisomens da semana
santa, das pragas rogadas e das aparições surgidas para espantar os sertanejos,
das histórias de “visagens” e espectros avistados nas escuridões, dos
inesperados encontros dos mateiros durante suas caçadas, dentre tantos outros
mistérios e assombrações.
Contudo, alguns relatos eram e ainda são
ditos como de maior relevância e aceitação entre os contadores e os ouvintes,
principalmente pelo relacionamento havido entre a história e o cotidiano das
pessoas, eis que a imaginação sempre afirmando que elas mesmas - de uma forma
ou outra - já haviam testemunhado aquelas situações. No imaginário popular, o
desconhecido e assombroso sempre ganham ares de realismo fantástico e acabam se
tornando quase realidade.
Pois bem. Então o velho contador de histórias
é instigado a relatar o causo do cavaleiro da noite. Porém antes de começar, é
logo aparteado para ouvir que aquilo é de recente acontecido, pois até os dias
atuais conta-se sobre esse tal cavaleiro da noite. E tem gente que jura que
ainda ouve o tal homem em passagem com o seu animal. Não só escutou ao longe
como já ouviu de pertinho aquele trotar misterioso e assustador. E mais: de
repente, cavalo e cavaleiro pareciam parados bem diante da porta, eis que o
trote do animal havia cessado e a sua respiração medonha dava até para ser
sentida.
Mas o velho prosseguiu e dizendo que na
verdade não há uma só história do cavaleiro da noite, mas de muitos cavaleiros
da noite e cada uma vai surgindo de forma diferente segundo a época de
aparecimento. Mas no geral sempre diz que depois da meia-noite, quando as
janelas e portas estão fechadas e os noctívagos andantes já se recolheram, ao
longe é ouvido o trote apressado de um cavalo. Vem correndo, correndo, correndo,
mas depois compassa o passo de modo a permanecer apenas o troteado do animal. E
assim vai passando pelas ruas, virando esquinas, percorrendo todo o lugar.
Achando estranha a presença de cavalo e
cavaleiro àquela altura da noite, já no seio da madrugada, aqueles que ainda
nada sabem sobre aquela misteriosa história, logo levantam e olham pelas
frestas, entreabrem janelas e portas, no intuito de saber quem faz aquele
percurso e em tão estranho horário. O problema é que ouvem o cavalo se
aproximando e até passando adiante, mas sem um vulto sequer. Quer dizer, apenas
os sons do trote do cavalo e mais nada. Nunca é possível avistar nem o animal
nem o seu condutor. Quem será, então?
Outro relato diz que no mesmo horário, entre
a noite adormecida e a madrugada, surge o mesmo trotear de cavalo, mas desta
feita ecoando a voz do cavaleiro. Só que ninguém consegue avistar nada. Ouve-se
apenas o som das patas e os lamentos do cavaleiro, e somente isso. É um trotar
sem cavalo e uma voz sem rosto. E na voz ecoada nas sombras, sempre lamuriosa,
os dizeres de um velho vaqueiro acorrentado pela dor: Não fuja garrote brabo,
não corra vaca pintada, não saia da estrada que tenho de chegar logo aonde a
cruz tá fincada!
Dizia Sinhá Zulmira que não tinha jeito de
impedir a passagem daqueles cavaleiros da noite. Nos tempos antigos, quando as
veredas e as ruas das povoações interioranas eram apenas das carroças, dos
carros-de-bois e dos cavalos, todo tipo de história havia acontecido com
aqueles cavaleiros. Vaqueiros, fazendeiros, tropeiros, viajantes ou mesmo os do
lugar, sempre estavam em cima de cavalos nas suas idas e vindas. Cavaleiros em
viagem que nunca mais retornaram, vaqueiros que perderam suas vidas no meio do
mato, viajantes emboscados e que se findaram sem rever a família. Uma saga de
tristes acontecidos.
Por isso mesmo que aqueles cavaleiros
retornavam do outro mundo no meio da noite. Tanto assim que havia relatos
dizendo que alguns pareciam parar defronte a algumas residências. Acaso fosse
perguntar aos donos da casa se um dia, mesmo num tempo distante, algum
acontecido triste havia ocorrido com um dos seus, então logo se ouvia que um
vaqueiro havia perdido a vida numa caçada de gado ou que outro jamais retornou
de uma pega-de-boi. E depois, até muito tempo após, voltavam no meio da noite.
E retornavam noite após noite.
Mas também o cavaleiro que toda noite parava
o cavalo na porta da amante. Este, segundo diziam, nunca deixou de aparecer.
Conhecia-se que era ele pelo forte cheiro de perfume exalado enquanto passava o
troteado.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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