SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 31 de agosto de 2014

PAIS E FILHOS E A LIÇÃO DO TEMPO


Rangel Alves da Costa*


Recorda-se daqueles tempos, nos dias distantes ou parecendo que foi ontem, quando você se enraivecia porque seus pais diziam cuidado com isso, não faça assim, nem pense em agir assim novamente?
Lembra-se que você fazia de conta que nem ouvia, ou ouvindo nem demonstrava ter prestado qualquer atenção, quando seus velhos pediam para não deixar tantas luzes acesas, para não colocar no prato além da certeza da fome?
E também quando pediam para não deixar copos sobre o sofá, na estante ou em abandonados pela casa; para não fazer do chão uma lixeira ou não se esquecer de recolher a roupa seca do varal? Certamente você não gostava acaso perguntassem por que havia se demorado tanto noite adentro, onde estava e com quem estava.
Mesmo não agindo assim, muitas vezes você quis dizer que já era bem crescidinho para conhecer o bem e o mal, saber o que era bom e ruim e fazer suas próprias escolhas. E dizer também que já tinha idade suficiente para que ninguém se intrometesse na sua vida. Ora, já era dono do seu mundo.
E quantas e tantas vezes você, tendo ironizar a verdade, quis cantar para que sua mãe ouvisse. “Ei mãe, não sou mais menino, não é justo que também queira parir meu destino. Você já fez a sua parte me pondo no mundo, que agora é meu dono, mãe, e nos seus planos não estão você...”. Sim, faria da música de Erasmo Carlos a sua própria voz de falsa libertação.
Você agindo com falsidade consigo mesmo porque sabia muito bem das verdades contidas em cada palavra e em cada gesto de seus pais. Tinha consciência que as preocupações tinham fundamento, as lições eram justificadas, e simplesmente porque você também já sabia que nem tudo eram flores depois da soleira da porta de casa.
E também sabia que sua mãe começava a orar assim que você colocava os pés na calçada, que seu pai tantas e tantas vezes rondou seus caminhos para ver ao longe como você estava. Não se aproximava mais por medo de sua reação, de um possível descontrole de sua parte. Só Deus sabe como eles se sentiam ao saber que o seu estava nos braços do acaso.
E você sabia que seus pais sequer conseguiam cochilar até que tivessem a certeza de seu retorno. Sua mãe, coitada, se revirando na cama, aflita, de rosário na mão e prece na boca. Seu pai, mesmo não querendo transparecer as preocupações, a todo instante levantava com a desculpa de estar fazendo muito calor. E por isso mesmo precisava tomar um pouquinho de fresca. Calor que nada, pois sua ausência era o que tanto atormentava.
Você sabia de tudo isso, conhecia o medo de seus pais e as motivações para tanto temer. Pais não fingem amor, preocupação ou demonstração de sempre desejar o melhor para o seu. Criam, cuidam, educam, fazem de tudo para oferecer o melhor, e seria doloroso demais depois saber que o mundo havia transformado totalmente o seu.
Mas o tempo passa, avança, corre numa pressa danada. Você realmente cresceu, se fez adulto, criou responsabilidades, passou a ver o mundo de forma diferente e, o que foi mais importante, passou a reconhecer como acertadas todas aquelas atitudes e preocupações de seus pais.
E então reconhecem que seus velhos tinham razão ao pedir e pedir, ao implorar e implorar, pois desejavam somente o melhor para o seu. E reconhece ainda mais: Os pais não cuidam dos seus apenas para que nasçam saudáveis, para que cresçam felizes e tenham plenitude de vida. Eles deixam de serem pais para serem os filhos, e nada justificará viver se estes forem entregues ao sofrimento.
Mas a lição maior do tempo virá depois. Chega um dia que você sente que realmente gosta de alguém, vai construindo um namoro  mais sólido, até que um dia prova a afeição existente com uma aliança. De casamento, união e vida. Ou mesmo que apenas conviva com alguém que ama.
E com os filhos a comprovação das lições, daquelas mesmas lições escritas por seus pais. A situação já está invertida, o pai ou mãe agora é você, e aquelas mesmas palavras ouvidas no passado logo serão novamente pronunciadas. Só que agora de sua boca para o seu filho.
Seu filho é jovem, você entende a idade, mas sente que tem de cumprir aquele mesmo papel. E pede que tenha cuidado, que não se misture às más companhias, que não use drogas, que preste muita atenção na selva perigosa das ruas. E não apenas isto, pois igualmente seus pais fizeram no passado, também ficará noites em claro esperando o filho chegar, rezará a mesma prece que sua mãe orou por você.
Assim com filhos e filhas, com pais e mães, pois a vida vai transformando aprendiz em professor, e o tempo mostrando o passado num imenso espelho. Ali os seus pais, ou será você agora?


Poeta e cronista
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Na esperança (Poesia)


Na esperança


Bebo no copo
porque não tenho o cálice da boca
cheiro a flor
porque não  tenho perfume de corpo
trago a bebida
porque não tenho o lábio para beber
olho a paisagem
porque não tenho a face para apreciar
toco na madeira
porque não tenho a pele para acariciar
mordo a fruta
porque não tenho um corpo para beijar
amo o acaso
porque não tenho um amor para amar
afago a brisa
porque não tenho mãos para acariciar
assim a vida
porque a ausência traz qualquer presença
e na esperança
abraça-se à ilusão para não desesperançar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 717


Rangel Alves da Costa*


“No teu coração...”.
“Há um templo...”.
“No teu coração...”.
“Ecoam os sinos...”.
“No teu coração...”.
“Um reluzente altar...”.
“No teu coração...”.
“Uma arca da aliança...”.
“No teu coração...”.
“Um cálice sagrado...”.
“No teu coração...”.
“A palavra...”.
“No teu coração...”.
“Os mandamentos sagrados...”.
“No teu coração...”.
“O batismo e a conversão...”.
“No teu coração...”.
“O Sermão da Montanha...”.
“No teu coração...”.
“A hóstia e a cruz...”.
“No teu coração...”.
“O vermelho sangue...”.
“No teu coração...”.
“A promessa maior...”.
“No teu coração...”.
“A última ceia...”.
“No teu coração...”.
“A eterna ceia...”.
“No teu coração...”.
“A coroa de espinhos...”.
“No teu coração...”.
“A fé e a devoção...”.
“No teu coração...”.
“O martírio...”.
“No teu coração...”.
“A certeza da salvação...”.
“No teu coração...”.
“O Salmo...”.
“No teu coração...”.
“O Evangelho...”.
“No teu coração...”.
“O cálice derramado...”.
“No teu coração...”.
“A coroa de espinhos...”.
“No teu coração...”.
“A cruz levantada...”.
“No teu coração...”.
“O prego e o martelo...”.
“No teu coração...”.
“A ressurreição...”.
“No teu coração...”.
“Jesus em nome do Pai...”.
“Para sempre...”.


Poeta e cronista
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sábado, 30 de agosto de 2014

O AMIGO DA TERRA


Rangel Alves da Costa*


O verdadeiro sertanejo sequer gosta de se afastar de sua casa, de seus arredores. A vida na cidade lhe parece estranha, insuportável, aterradora. Por isso não vê a hora de terminar suas compras, enganar o aió e embornal e pegar a estrada. Vereda espinhenta que o levará ao paraíso.
Dinheiro pouco, contado, comprou quase nada. Um pedaço de fumo, bala doce pra meninada, um corte de chita pra mulher, uma garrafa de pinga e as encomendas da cozinha sertaneja. Pouca coisa também, apenas um tico disso e daquilo. Arroz, farinha, açúcar, café, sabão em pedra, sal, colorau e tempero. E também um quilo de carne com osso, um quilo de bucho e outro de tripa.
Sabe que é pouco pra tanta boca, mas também sabe que fome de entristecer ninguém passa. Verdade que não há mais caça como antigamente, sequer o preá e a nambu são avistados pelas matarias. O jeito que tem é de vez em quando puxar no cangote de uma galinha e botar na panela. Galinha sempre gorda, criada ciscando à solta, é garantia de comida na mesa por dois dias.
A secura do lugar onde mora não permite a criação de porco, pois o bicho não ia engordar sem resto de comida, água pra se lambuzar e lama pra focinhar, mas possui quatro ou cinco cabeças de bode. Matar pra consumo próprio de jeito nenhum. A esperança é que ganhem uns quilinhos a mais para serem vendidos. Mas dinheiro pouco entra no bolso e sai pela mão.
Não vive contente com a pobreza, logicamente que não. Mas olha ao redor e avista situação muito pior, coisa de cortar coração. Nunca há fartura no prato, mas também não amarga o sofrimento de ter filho chorando de fome. E choro assim é ouvido de palmo a palmo, de lado a outro no seu sertão.
Pelas vizinhanças barriga cheia só do barro escavado da tapera, panelas e pratos vazios e olhares chorosos e entristecidos. Menino correndo atrás de calango para atirar na brasa e saborear, pai de família em tempo de endoidar. Sabugo de mandacaru novo até que é não é ruim, mas tudo seco, esturricado de vez.
Tudo isso acontecendo ao redor. E bem que podia ser com sua família. Dá uma vontade danada de chorar, e chora mesmo. Só que transfere as lágrimas e o sofrimento para o velho berrante. É assim que ao entardecer o berrante ecoa por aquelas paragens, chorando pelos seus irmãos de chão.
Tudo faz para mostrar força diante de tudo. Mas sofre na vida, sofre quando avista a terra seca e sem nenhum pé de pau verdejante, sofre quando a nuvem de chuva vai se dissipando ainda ao longe. O mesmo sofrimento de todos ao redor, a mesma dor suportada por todos.
Mas não arreda pé dali de jeito nenhum. Ali nasceu e ali há de morrer. Ali sua existência, sua razão de lutar pela vida, sua esperança sempre renovada na fé. A mulher se ajoelha perante o oratório, ele retira o chapéu do lado de fora, olha para o céu sertanejo e conversa com Deus: Olhai pra esse povo pobre do sertão, meu Senhor Jesus Cristo. Com as forças de Deus e do Frei Damião e do Santo Padim Padim Ciço, tudo ai de melhorar. E vai!
Não é outro senão a própria terra. Terra e homem se misturam num só, numa entranha inseparável. Ele o grão, a semente, a esperança de fruto que precisa enraizar. Ela o leito que acolhe, que mesmo esturricada cativa e afaga o seu filho. Homem cheirando a terra, terra com feição de sertanejo. E nada sobrevive quando lhe retira o coração.
Por isso mesmo que é tão amigo da terra, tão dependente dela pra tudo. Descalço caminha pela sua secura e sente a carícia do espinho, eis que as flores já estão diante do seu olhar. Tudo seco, fumaçando, mas é como se toda vastidão sertaneja fosse um jardim. E ele o jardineiro prometendo à planta morta que amanhã tudo será diferente. Tudo será melhor.
Amanhã talvez não. Mas um dia será. Com fé em Deus, em Frei Damião e no Santo Padim Padim Ciço.


Poeta e cronista
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O perfume (Poesia)


O perfume

Sim, veio com a brisa
saudade assim tão perfumada
vem do jardim de tua face
em plangente voo de revoada

sim, o que me chega agora
além do último abraço e beijo
é toda a história de um amor
semeado grão a grão de desejo

sim, sei que a brisa segue adiante
e a saudade se demora a seguir
e quero muito mais que perfume
a presença e tudo que há em ti.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 716


Rangel Alves da Costa*


“Vou revelar um segredo...”.
“Sou agente secreto...”.
“Mas tão secreto...”.
“Que só posso revelar isso...”.
“Nada mais...”.
“Mas nem tudo...”.
“Impossível não revelar...”.
“O que andei fazendo...”.
“Nos últimos anos...”.
“Miro você à janela...”.
“Sei a roupa que usa...”.
“As cores preferidas...”.
“A altura dos sapatos...”.
“Os livros que lê...”.
“Os lugares que frequenta...”.
“A bebida que aprecia...”.
“O sabor do sorvete...”.
“O jornal recolhido na banca...”.
“As cartas que envia...”.
“O costume de não atender o celular...”.
“Os pratos preferidos...”.
“A música e o artista...”.
“O livro de cabeceira...”.
“Sei até mesmo...”.
“Da hora que deita...”.
“Da hora que acorda...”.
“Da última lágrima...”.
“Do último sorriso...”.
“Da última tristeza...”.
“E também sei do último beijo...”.
“Queria saber muito mais...”.
“Da nudez...”.
“Da máxima nudez...”.
“Do sabor do lábio...”.
“Da umidez da língua...”.
“Da suavidade da pele...”.
“Da força do abraço...”.
“Do calor do abraço...”.
“Do corpo...”.
“Do sexo...”.
“Do prazer...”.
“Da palavra dizendo...”.
“Ou silenciando...”.
“Ou querendo dizer...”.
“Falando num gesto...”.
“Te amo...”.
“Te amo...”.
“Tais segredos...”.
“Ainda não foram revelados...”.
“Mas imagino como serão...”.
“Tais mistérios revelados...”.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

CONFISSÕES


Rangel Alves da Costa*


Fui adiando o quanto pude, mas acabei me confessando que tenho vivido menos que o merecido. Difícil tal reconhecimento, pois exigindo um olhar interior já acomodado com os passos de cada dia.
É realmente difícil reconhecer que a vida ao redor é mais viva e pulsante que o imaginado nela existente. Algo assim que surge iluminada demais e eu permanecendo - por querer próprio - à luz de velas e candeeiros e o cheiro de incenso.
Também difícil que entendam uma pessoa viver no asfalto e continuamente se imaginar pisando descalço na terra morena do sertão. E por isso mesmo renegar o cimento, o barulho, o vai e vem da cidade, a modernidade, pelo pensamento que vive voltado para situações muito mais sublimes e singelas.
Por isso que o tempo passa, a idade avança, tudo se transforma, e eu me conservando ainda matuto, ainda sertanejo, sem jamais aceitar completamente estar vivendo noutro mundo, feito um despatriado do seu berço, do seu sol e de sua lua.
Por estar distante, por viver distante, sinto-me apenas como um forasteiro que nunca acostuma com os vizinhos que não são meus nem a vida que não é minha. Tantos e tantos conhecidos, mas não como aqueles velhos amigos, aqueles irmãos de uma mãe terra sertaneja afetuosa e cativante.
Por isso mesmo não consigo manter um relacionamento afetuoso com a cidade grande. Para se ter uma ideia, há mais de dez anos que não tomo um banho de mar, mesmo morando ao redor de uma imensidão de praias bonitas.
Desde mais de cinco anos que sequer visito uma orla de praia, caminho por suas areias, tomo uma água de coco, lanço o olhar naquelas distâncias molhadas. Já nem sei desde quantos anos que não sento num barzinho para conversar com conhecidos, colocar as conversas em dia, rememorar as vivências de outros tempos.
Ninguém me encontrará passeando pelos shoppings ou sentado numa das mesas das praças de alimentação. Tenho livro à venda em shopping, mas jamais me dei o prazer de apreciar minha obra na vitrine ou estante. Recebo convites. Até confirmo, mas acabo desistindo de participar de tudo.
Dificilmente alguém me avistará almoçando ou jantando num restaurante. E tenho motivos para tal. Não gosto de comer com requinte e sofisticação nem me sinto bem envolto no mundo das etiquetas e formalismos.
Minha rotina é conhecida demais, e a mesma de sempre. Casa, escritório, trabalho. Assim que posso, lá pelas quatro da tarde, o meu passo certeiro segue em direção à catedral. A missa começa perto das quatro e meia, mas reservo uns dez minutos para apreciar a paisagem da praça ao redor. E depois o mesmo caminho de retorno, quando não resolvo passar na Capela de São Salvador.
Todos os dias acordo antes das três da madrugada, ainda que vá deitar um pouco mais tarde. A rede parece me despertar pontualmente. E logo uma prece, um café forte e sem açúcar, um banho, e a primeira letra escrita. Antes das três e meia já estou escrevendo, letra a letra, ponto a ponto.
Verdade é que não sei mais ser ou fazer diferente. Confesso que é uma rotina transformada em mesmice, costumeira demais, mas pouco pode ser mudado. Acaso pudesse trocaria tudo pelo silêncio de uma ilha ou a solidão de um mosteiro.
Confesso que sou discípulo do silêncio e da solidão. Evito o máximo conversar qualquer coisa além do necessário. Gosto muito mais do silêncio e da reflexão a qualquer palavra que me chegue vã.
Assim, quem tiver solidão e não quiser mais pode me ofertar, pois sou devoto de sua feição e de sua mudez. Não a solidão entristecida, dolorosa, angustiante, mas aquela que faz distanciar da realidade e permitir aproximação interior.  
Tudo em mim poderia ser sintetizado nos versos da música: “Eu que tinha tudo, hoje estou mudo, estou mudado... Não estou bem certo se ainda vou sorrir sem um travo de amargura...”. Na verdade, eu “Daria tudo por meu mundo e nada mais...”.


Poeta e cronista
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Oferendas (Poesia)


Oferendas

Mandei o passarinho
cantar na sua janela
mandei a borboleta
voar no seu quarto
mandei a brisa
perfumar o seu sono
mandei a primavera
ofertar bela flor
mandei minha poesia
mostrar meu amor
mandei o silêncio
repetir que te amo
mandei que a canção
ecoe em seu coração
falta-me a mim mandar
que eu siga, que eu vá
e diante do seu olhar
apenas peça um sorriso
e a esperança de amar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 715


Rangel Alves da Costa*


“O homem...”.
“Não é o homem...”.
“Tantas vezes visto...”.
“O homem...”.
“Não é o ser...”.
“Assim transformado...”.
“O homem...”.
“Não é a pessoa...”.
“Com a feição adquirida...”.
“O homem...”.
“Não é o sujeito...”.
“Dessa ação de agora...”.
“O homem...”.
“Não é o indivíduo...”.
“Propenso a agir assim...”.
“Pois o homem...”.
“É antes de tudo...”.
“O ser de essência...”.
“O ser natural...”.
“O ser de grandeza...”.
“O ser de potência...”.
“A virtude maior...”.
“Do desejo divino...”.
“E não esse homem...”.
“O avesso do ser...”.
“O ser tão travesso...”.
“O homem é pássaro...”.
“E não a serpente...”.
“O homem é luz...”.
“E não a escuridão...”.
“O homem é rocha...”.
“E não a poeira...”.
“O homem é semente...”.
“E não o grão infrutífero...”.
“O homem é pétala...”.
“E não o espinho...”.
“O homem é coragem...”.
“E não o medo...”.
“O homem é virtude...”.
“E não o pecado...”.
“O homem é fruto...”.
“E não a flacidez...”.
“O homem é luta...”.
“E não negligência...”.
“O homem é bondade...”.
“E não o perverso...”.
“O homem é manhã...”.
“E não derrocada...”.
“O homem é um deus...”.
“Nos desígnios de Deus...”.


Poeta e cronista
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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

VOCÊ CONHECE OS AQUISITORES?


Rangel Alves da Costa*


O termo Aquisitores certamente soará com estranheza para grande número de pessoas. De fato, são poucos aqueles que se voltam para escritos sobre o tema e mais difícil ainda encontrar pessoas falando acerca de seu conceito e atuação. Desse modo, para de logo espantar o desconhecimento de alguns, eis uma primeira pista: há sempre alguém ou algum grupo se aproximando e interferindo no poder, senão atuando com influência no próprio Estado, para atrair para si todos os tipos de lucros e benesses, sejam políticos, de mando ou meramente econômicos.
Uma segunda pista: existem forças poderosas, porém agindo nas sombras ou mesmo ocultamente, de modo a não deixar que se reconheça sua influência no curso dos fenômenos, mas que sempre estão presentes para moldar as situações ao seu modo e conveniência. E tais forças agem nos partidos políticos, nas esferas governamentais, perante os políticos, nas casas legislativas, em qualquer lugar que lhes garanta lucros nas suas diversas feições e modos.
Uma terceira pista: grupos, setores, lideranças empresarias, representantes de clãs ou oligarquias, a burguesia econômica e tantas outras influências, sempre possuem interesses que precisam ser preservados ou alimentados. E para tal destinam volumosas quantias para o financiamento de campanhas políticas ou mesmo para que as votações legislativas e os gastos governamentais estejam coadunados com seus interesses. Não raro que se arvoram de serem os verdadeiros fazedores de governantes.
Última pista: grandes grupos empresariais investem em regiões ou setores que lhes garantam não só grandes lucros financeiros, mas também de dominação política e administrativa. Contudo, tais investimentos são realizados em grande parte pelos governantes, que não podem negar a realização de tais gastos por já estarem atrelados aos interesses daqueles grupos. E atrelados porque tiveram suas campanhas financiadas pelos grandes grupos, nada podendo negar sob pena de serem destruídos pelos seus próprios sustentáculos.
Tudo acima exposto leva a um só nome: Aquisitores. Desse modo, tem-se pela denominação de Aquisitores grupos de poder que agem com o único intuito de dominação, seja atuando no meio político, governamental, religioso ou perante a sociedade civil. Formam algo como um governo oculto, não raramente mais forte e influente que o governo institucionalizado, conduzindo a vida estatal em prol de seus interesses. Os seus membros, originários de poderosos setores empresariais ou de grupos familiares tradicionais, atuam de modo a manipular as esferas política, econômica e social. Uma prática usual é não permitir o progresso indistinto, vez que quanto mais desenvolvida sua esfera de interesse mais difícil será de controlá-la.
Parece contraditório delimitar o progresso para dele extrair dividendos, mas não o é. Os avanços descontrolados e os desenvolvimentos sem rédeas tendem a tirar dos grupos, das famílias e das pessoas poderosas o poder de abarcamento sobre tudo. Quanto mais a sociedade se desenvolve mais tende a fragilizar as velhas ferramentas de manipulação e submissão, daí que buscam refrear as ações e reorientá-las a seu modo a partir dos governos, dos partidos, das casas legislativas, da igreja e das sociedades organizadas. E nisso tudo a força oculta e poderosa dos Aquisitores.
A força dos Aquisitores é tamanha que fabrica governadores, senadores, deputados, vereadores e ainda mantém sob suas rédeas inúmeras lideranças políticas e de todos os setores. Também indicam ministros, secretários, dirigentes estatais, toda uma gama de pessoas que certamente agirão segundo suas ordens ou sem se contrapor aos seus desejos. Há grandes investimentos nas ações, mas plenamente justificados diante dos objetivos de continuidade de dominação. O cidadão comum geralmente vê tal atuação como expressão de força política ou econômica, mas sequer imagina como tudo é forjado e quais os reais objetivos.
Alguns historiadores afirmam que os Aquisitores surgiram como um braço de atuação dos Illuminati. Esta é a denominação de uma sociedade secreta que age mundialmente e cujo objetivo maior é controlar secretamente os assuntos que envolvem as nações, de modo a estabelecer uma nova e única ordem mundial sob o seu império e mando. Pessoas infiltradas no governo e nas demais instituições acabam conspirando contra a própria nação em nome dos interesses ocultos dos Illuminati. E que não são tão ocultos assim, vez que buscam moldar o mundo segundo suas aspirações. Saliente-se que ao renunciar, Jânio Quadro se referiu a forças terríveis que o impediam de governar. Anteriormente, Getúlio Vargas, na famosa carta-testamento, já afirmava que as forças e os interesses contra o povo o condenavam.
Quais forças ocultas, quais as forças terríveis que condenavam os governantes e os impediam de governar com as suas próprias forças? Ora, as poderosas e ocultas forças de dominação mundial, as mesmas forças que fazem, depõem e destroem governantes. Basta que se contraponham aos interesses das reais forças que se escondem sob seus escudos e estarão fadados ao desprezo, à ineficácia administrativa, ao descalabro total. E, o que é pior, forçados a se submeterem às ordens ocultas. E na submissão do governante o jugo de toda a nação e de seu povo.
Mas, como afirmado, não somente perante as nações agem os Aquisitores, segundo as lições aprendidas dos Illuminati, pois também a nível local, regional, estadual. E não será surpresa alguma encontrar sombras desses poderes também em Sergipe. Basta imaginar quantas pessoas e famílias poderosas estão por trás dos financiamentos de campanhas políticas, atuando em setores sociais e religiosos, firmando suas presenças, ainda que agindo silenciosa e ocultamente. E nada é feito apenas por serem boazinhas. É bom que se saiba disso.


Poeta e cronista
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Os fins e os meios (Poesia)


Os fins e os meios


Entre uma cocada
e um beijo na boca
prefiro o doce de coco
e depois beijar sem pressa
espalhando tanta doçura
que a boca açucarada
vai logo sentir sede
e pedir água de beijo
e beber e sugar o lábio
e dizer quero mais

entre o vento frio
e um abraço qualquer
prefiro a friagem voraz
e depois estender os braços
oferecendo tanto aconchego
que o seu corpo trêmulo
vai logo se enlaçando
e pedindo que aperte mais
até que juntinho a mim
sinta todo o meu calor.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 714


Rangel Alves da Costa*


“O cais...”.
“No silêncio da noite...”.
“No murmúrio das ondas...”.
“Na tristeza infinita...”.
“O cais...”.
“Jurei não amar...”.
“E esse amor...”.
“Um dia ser um cais...”.
“Solitário...”.
“Chorando...”.
“Molhado...”.
“Jamais...”.
“Tudo triste...”.
“Sem passos na areia...”.
“Sem flor espalhada...”.
“Sem vela...”.
“Sem nada...”.
“Apenas um cais...”.
“E jurei não querer...”.
“Não desejar como um cais...”.
“Que vive...”.
“Que acolhe...”.
“Que vê a partida...”.
“Que se enche de gente...”.
“Que grita...”.
“Que chora...”.
“Que espera...”.
“E abraça...”.
“Mas depois solidão...”.
“Açoite do vento...”.
“Tanta escuridão...”.
“Grãos de tristeza...”.
“Ondas de aflição...”.
“Nada chega...”.
“Nem parte...”.
“Nada mais...”.
“Do cais...”.
“A luz do farol...”.
“Ilumina a areia...”.
“Brilha nas águas...”.
“Tenta enxergar...”.
“Alguém que virá...”.
“Mas a noite avança...”.
“O coqueiro embalança...”.
“A tristeza do cais...”.
“Do amor de um dia...”.
“E nunca mais...”.
“Subiu no barco...”.
“Sumiu nas águas...”.
“E deixou atrás...”.
“O cais...”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

CRISTALEIRAS, ORATÓRIOS E BORDADOS


Rangel Alves da Costa*


Atualmente está tudo muito diferente. As residências são guarnecidas por móveis modulados, de madeira prensada ou mesmo de materiais requintados e de fino acabamento. Visualmente são maravilhosos, mas de curtíssima duração. Como dizia a velha comadre, já não se faz nada que tenha serventia como antigamente. E tem razão a velha comadre. As estantes, cadeiras e mesas de hoje, bem como todo o aparato mobiliário, não duram muito e logo começam a ficar tronchos, a esfarelar e a cair.
Mas nem sempre foi assim. Ainda hoje, com mais de cinquenta anos de varanda ou alpendre, de frio e calor, de chuva e sol, muitos assentos continuam inteiros e firmes por esse mundão afora. E o sertão tem exemplo de sobra. As mesas, bancos, cadeiras e tamboretes venceram gerações e mudaram somente a cor, pois ficaram mais envernizados, mais bonitos. Pelas salas e alpendres das fazendas se avistavam aqueles bancos enormes, compridos, com mais de três metros, todos em madeira de lei. Nenhum cupim jamais se deu ao prazer da destruição.
Tais bancos ainda são encontrados, mas com maior raridade. As igrejas utilizam da mesma madeira sertaneja nos seus assentos imorredouros. Aroeira, maçaranduba, peroba, angico, bonome, baraúna, tudo madeira que cupim não rói, por isso mesmo duradoura, resistente, apropriada para ser utilizada onde se deseja firmeza e resistência. Também por isso que gerações desaparecem e os bancos que ainda restam nos telheiros continuam com feição irretocável.
Contudo, ao aderirem aos modismos mobiliários, tantos as povoações interioranas como os centros urbanos foram fragilizando os seus costumes. Igualmente aos modismos que chegam, destroem e somem, os costumes mobiliários demonstram as fragilidades desse novo tempo. Dificilmente se encontra uma casa onde a mesa seja de madeira autêntica, nobre, antiga, tingida pelo verniz do tempo. O que se vê comumente são móveis novos, bonitos, brilhentos, coloridos, porém todos prensados, de fórmica ou um material qualquer de curta durabilidade.
Somente nas casas das fazendas, nos sítios mais distantes e algumas povoações, ainda é possível ter a satisfação de encontrar móveis antigos ainda em pleno uso e com feições de eternidade. Ainda é possível encontrar um velho pilão dos tempos da escravidão, com sua mão enorme e ainda o eco da batida no café, no milho, no grão de outras gerações. Mesas imensas, para acolher toda a família em almoço e confraternização. Cadeiras e bancos que de tão pesados mais parecem uns troncos trazidos da mataria ao redor.
Também nas povoações mais distantes, principalmente nas residências mais antigas e de famílias com maiores posses, ainda é possível encontrar cristaleiras que são verdadeiras relíquias. Aqueles armários antigos, construídos com madeira nobre e artesanalmente adornados, geralmente colocados nas salas de refeições, davam um toque requintado aos rústicos ambientes. Olhando através das vidraças eram avistados os copos finos, as taças, os cristais, as garrafas antigas.
O mesmo acontece com os oratórios. Ora, na região sertaneja os oratórios são tidos e conservados como verdadeiras miniaturas de igrejas, como locais de fé e orações, como lugar reservado para encontros e diálogos com Deus, santos e anjos. Alguns são tão antigos e trabalhados que se tornaram verdadeiras raridades. E muitos destes com imagens ainda mais antigas, de madeira, lindamente trabalhados nos mínimos detalhes. Daí serem tão raros, caros e preciosos. Atualmente são poucos os oratórios que são encontrados em bom estado de conservação, principalmente porque o desaparecimento dos mais velhos vai deixando a fé sertaneja carente de devoção. E as novas gerações nem sempre acendem uma vela ao lado ou se ajoelham perante o templo de madeira para expressar sua religiosidade.
Os velhos oratórios continuam nos quartos ou pelos cantos das salas, mas o mesmo não acontece com os santos esculpidos em madeira. As imagens sacras foram levadas, muitas vezes a preço de esmola, para as estantes ou as coleções dos endinheirados da cidade grande. E para servir apenas como enfeites e forjamento de uma religiosidade que mais se afeiçoa a um grande pecado. Verdade que o sertanejo não sabia valorizar a arte nos seus santos, também não sabia que sua santinha era tão cobiçada para outros fins. E no seu jeito humilde de ser, comumente entregou ao estranho sua protetora achando que talvez ela tivesse serventia milagrosa para aquela alma carente. Mas que pecado.
A receptividade do sertanejo já serviu como porta para muitas ações insidiosas perpetradas por espertalhões. Durante muito tempo forasteiros pagaram preço de banana por toalhas e colchas rendadas e trabalhadas por mais de três meses seguidos. Sentadas nas calçadas ou debaixo do pé de pau em todos os momentos que não estivessem nas lides da casa, as amigas bordavam verdadeiras obras de arte. Do mesmo modo as velhas senhoras com suas almofadas e bilros, numa maestria peculiar, fazendo surgir rendados de paraíso. E depois entregar ao forasteiro por quantia que nem sempre cobria os custos das linhas, dos panos e das espetadas das agulhas nos dedos.
Tantas riquezas e o povo sertanejo alheio ao seu real valor. Coisas antigas e preciosas, heranças familiares, simplesmente foram relegadas pelo desconhecimento de sua importância cultural e até afetiva. Até mesmo os velhos baús foram abandonados. Ou não, pois talvez estejam enfeitando as salas de visita da burguesia que busca na antiguidade a simbologia da riqueza.


Poeta e cronista
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Presença (Poesia)


Presença


Sim, sou eu aquele olhar
que sabes te acompanhar
sim, sou eu aquela voz
que pareces ouvir chamar
sim, sou eu aquela presença
que imaginas a te admirar
sim, sou eu aquela flor
que aparece na tua janela
e também o verso de amor
tudo sou eu te querendo
tudo sou eu te amando

tudo sou eu e nada sou
o meu todo à tua procura
e o nada que em mim restou
é retrato sem tua moldura.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 713


Rangel Alves da Costa*


“No silêncio...”.
“A verdade...”.
“Na solidão...”.
“A confissão...”.
“Mágoas
“E culpas...”.
“Arrependimentos...”.
“E rogos...”.
“Tudo surge assim...”.
“Nos instantes solenes...”.
“Sempre sinceros...”.
“Do silêncio...”.
“E da solidão...”.
“Chegam as saudades...”.
“E as recordações...”.
“Os beijos não dados...”.
“Os lábios molhados...”.
“Os abraços apertados...”.
“A fome e a sede...”.
“De corpo e sexo...”.
“Tudo também surge...”.
“Na paisagem viva...”.
“Ainda que distante...”.
“Do silêncio...”.
“E da solidão...”.
“E todas as verdades...”.
“Todas as realidades...”.
“Fingidas noutros instantes...”.
“Reaparecem acesas...”.
“No silêncio e na solidão...”.
“A lágrima chega...”.
“A dor lancinante...”.
“O enrubescimento...”.
“O sorriso tardio...”.
“O sofrimento...”.
“O sorriso leve...”.
“Tudo tem lugar...”.
“No breve momento...”.
“De estar diante...”.
“Do silêncio...”.
“De estar perante...”.
“A solidão...”.
“Vê-se um oratório...”.
“Vê-se um ato de confissão...”.
“Vê-se um rito de penitência...”.
“Vê-se a devoção...”.
“Vela acesa nas sombras...”.
“Procurando iluminar-se...”.
“No silêncio...”.
“E na solidão...”.


Poeta e cronista
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terça-feira, 26 de agosto de 2014

“ERA UM ALVOROÇO DA MOLÉSTIA!”


Rangel Alves da Costa*


O meu avô gostava de conversa de pé de pau, debaixo da imensa tamarineira. Era autêntico sertanejo, e sertanejo possui guarida garantida no proseado do entardecer, ao redor de iguais, de gente com causos na ponta da língua de não acabar mais. E um proseado onde surgia de tudo, desde a seca que já despontava às relembranças dos tempos cangaceiros na região.
Ele mesmo amigo de Lampião, já tendo acolhido o Capitão na sua casa na povoação sergipana de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, ocasião em que o inusitado fez sentar à mesma mesa, para o mesmo regabofe, a cruz e a espada, o pecado e a salvação. Os dois ilustres visitantes na mesma casa, já tendo chegado Padre Arthur e estando recolhido para uma soneca, quando o Capitão apareceu não havia nada a fazer, a não ser acomodá-lo e anunciar a presença do vigário. Ao toque na porta do quero, o padre levantou assustado e perguntou quem tinha a petulância de incomodar a igreja durante seu repouso. Ao ouvir o nome de Lampião quis esconjurar todo mundo, esbravejou, prometeu dar o que o cangaceiro merecia. Mas acabou abrindo a porta sem arma em punho e em paz dividiu a mesa com o pecador. E comeram como dois esfomeados, indo do capão gordo à buchada de bode mais gorda ainda. Por isso que o meu avô não gostava muito de tecer considerações acerca do cangaço, como se sentindo entristecido e saudoso.
Por isso mesmo que tive de recorrer a um amigo seu de pé de pau para conhecer melhor a história das carreiras. Adiante-se que carreiras eram as fugidas apressadas da população matuta assim que tomava conhecimento que o bando cangaceiro se aproximava, já estando pelas matarias ao redor da povoação. Não todos, mas a maioria, temerosa demais, achava melhor não esperar tempo ruim e se danava a correr em busca de refúgio. Desembestava num desespero tão grande que sequer fechavam as portas. Comida esturricava na panela, gente deixava a caneca d’água pela metade, pés descalços iam encontrar os espinhos.
E Zé do Aió assim me contou, e acreditei, por isso mesmo que repasso segundo a pronúncia que ouvi. E sabendo que sou neto de China do Poço, o famoso Teotônio Alves China, amigo de todos os amigos sem distinguir a hóstia ou a bala, não se demorou a debulhar suas memórias.
“Meu fio, aquerdite que só mermo Deus pra sarvá nóis daquela aflição. Eu mermo num tinha medo não, inté dava vontade de correr, mai ficava, inté debaixo da cama já me escondi. E eles chegaro e sairo sem fazer nada que fosse do outro mundo. O pobrema todo, e por isso mermo o medo do povo, era aquele montão de gente tudo pareceno uns bicho saino da mata e tomano conta do lugar. Tudo armado inté os dente, de cara feia, de modo que num tinha quem não tivesse medo. E os que avistava era pruque oiava pelas fresta, pelos escondido, pelos buraco na parede. Ninguém era besta de abrir a porta e botar um pé fora de casa. Eles podia passar e num fazer nada, mai tomem ninguém sabe se...”.
“Ninguém sabe se a mardade tava naquele dia em cada um. Por isso mermo que a maioria dos daqui se arribava no meio do mundo que chega a perna batia na bunda. Meu fio, o trupé era tão feio que inté véio tinha de arranjar força nas perna e correr. Era muié em correria cum menino novo arranchado nos quarto, menino e mocinha correno feito bicho da mata, home perdeno a valentia na hora, muita gente toda mijada e cagada, sei disso. Tinha gente que dismaiava só em saber da chegada do Capitão e era deixada pra trais. Tinha gente que corria tanto, tão desembestado que tava, que adespois num sabia vortá, ficava perdido na mataria fechada. E o povo só vortava quano os que tinha ficado se embrenhava pra avisar que a cangaceirama já tinha arribado. Mai nem todo mundo fugia..”.
“Eu mermo, que num sou besta, corria era pra casa de China, seu avô. Além de ficar portegido, adespois ainda comia da sobra muita da comida. E era muita comida, e tinha de ser assim. Num era só Lampião, mai o bando intero a comer das panelada feita por Dona Marieta e suas amiga. Mai ao meno aqui os cangacero nunca reviraro tudo não, nem sairo atirano no que encrontasse. Da urtima veiz que avistei eles por aqui, e foi quano armoçou mai o vigário na casa de China, adespois foi todo mundo pra missa. Pade Arthur aceitou os home na igreja e só disse que as arma tinha de ficar do lado de fora. E assim acunteceu. Eu mermo vi Lampião ajoieiado, rezano, cheio de fé. Coisas difici de aquerditá, mai eu vi. E com esse oio que a terra há de comer”.


Poeta e cronista
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Caderno de poesia, último verso (Poesia)


Caderno de poesia, último verso


No teu passo caminhei até aqui
imaginando tua face como poesia
cada verso a expressão do sentir
luz de amor que a tudo irradia

ainda tenho mil versos a escrever
tenho afetos e flores a te oferecer
retalhos de sonhos ainda a tecer
e esperanças para ao teu lado viver

mas agora ofereço a minha voz
com palavras singelas apenas
e dizer que não há vida sem nós
e que te amar é viver em poemas.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 712


Rangel Alves da Costa*


“A coragem sempre guarda algum medo...”.
“Bastaria uma casa, mas sonha com mansão...”.
“Ninguém enche copo com a gota de orvalho...”.
“O espírito é o fiel calendário...”.
“Uma poesia que se matou desiludida...”.
“Não se amanhece pensando no ontem...”.
“Nunca há apenas uma curva na estrada...”.
“O galo ouve o galo interno cantar para despertar...”.
“Ninguém lê completamente a carta na nuvem...”.
“A nuvem na lua de cá não é a nuvem na lua de lá...”.
“A semente espera o afago da terra...”.
“Água e fogo são amantes escondidos...”.
“Folha de outono possui a face da morte...”.
“O relógio manda o segundo se apressar...”.
“Água na bacia é visão de destino...”.
“Acreditar em algo já o torna existente...”.
“A mesma face não possui a mesma feição...”.
“Diversos retalhos para um pano só...”.
“Canções são ouvidas sem músicas...”.
“A dor da saudade revela fotografias...”.
“Olhos molhados navegam em barcos...”.
“A solidão do fogo se queima sozinha...”.
“Havia um lápis sem ponta que escrevia tudo...”.
“A coragem vence o monstro inexistente...”.
“A força da palavra irrompe a pedra...”.
“Em toda solidão há mais que uma presença...”.
“A colheita de agora não é a fartura de sempre...”.
“O lábio fica molhado antes do beijo...”.
“Com asas de cera voou para a morte...”.
“Os sinos tocam no templo da montanha sagrada...”.
“Deus passou por aqui e já voltou...”.
“Todo julgamento é parcial na parte que esquece o homem...”.
“A verdade é que os vermes são seres...”.
“Seremos somente quando insistimos em sermos...”.
“Os olhos da mente não precisam de óculos...”.
“Leve sempre consigo as palavras antigas...”.
“Todo espinho gosta de carinho...”.
“As sombras escondem medonhas sombras...”.
“Uma gaivota passou com um verão e depois voltou...”.
“Barco sem norte é tristeza no cais...”.
“Ao calar e consentir, não se intimide de se ajoelhar...”.
“Eis a cor da rosa, rosa vermelha...”.
“A noite do cego possui arco-íris...”.
“Quando abro a porta cumprimento o vento...”.
“Qualquer fronteira é temerosa, principalmente a da vida...”.
“Dentro da Bíblia há um céu na terra...”.
“Nossas escolhas aperfeiçoam-se na imperfeição...”.
“E no silêncio dizemos adeus...”.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A CALÇADA E A CIDADE (O CAOS ADMINISTRATIVO COMEÇA EM ALGUM LUGAR)


Rangel Alves da Costa*


A administração de um município ou cidade abrange todos os setores da vida urbana e periférica, buscando sempre resolver os problemas surgidos nos mais diferentes lugares e objetivando transformar positivamente a sua feição. E isto em nome da qualidade de vida da população e do desenvolvimento da própria cidade e arredores. Nasce de um plano de governo que se colocado em prática com eficiência e continuidade terá por consequência o progresso conjunto.
O trabalho eficiente de um administrador de capital, por exemplo, exige uma percepção da cidade tanto partindo da periferia para o centro como deste em direção às áreas mais carentes e estruturalmente problemáticas. É a visão conjunta e a ação perante o todo, ainda que a partir de obras específicas, que vão transformando a feição da cidade e fazendo reconhecida a atuação do administrador. Contudo, quando problemas de fácil resolução são simplesmente ignorados ou tratados com persistente cegueira, logo será reconhecido o total descompromisso com a cidade.
Ademais, como uma metástase que vai surgindo de um pequeno problema não resolvido e depois se alastra irremediavelmente pelo corpo inteiro, a cidade também vai se enfermizando e deteriorando cada vez mais quando sintomas de má administração são detectados e não resolvidos. E o mais grave é que o descaso com problemas tidos como de fácil resolução por qualquer administração responsável acaba se tornando o diagnóstico exato da feição deplorável de toda a cidade.
E assim porque quem não tem capacidade, não quer ou não está nem aí para resolver um pequeno problema surgido num determinado ponto do lugar que administra, também se mostra sem compromisso algum com a resolução de problemas maiores. Ora, quando a administração municipal conhece os locais onde os pequenos problemas ocorrem, é alertada e cobrada pela população, e nada faz para resolver uma coisa simples, pequena, de modo fácil e rápido, logo testemunha a sua ineficiência como um todo. E assim porque o que é pequeno e não resolvido se torna na metástase, na proliferação do caos administrativo.
Em Aracaju, os exemplos são muitos neste sentido, mas um especialmente impressiona pela forma como contradiz os discursos de cidade limpa, atraente, urbanisticamente organizada e com eficiente serviço de limpeza urbana, sem esquecer a tão propalada qualidade de vida. O problema todo reside num lixão que todo santo dia, chovendo ou fazendo sol, surge tomando toda a calçada de uma das principais ruas do centro da cidade, que é a Rua Santo Amaro, no trecho entre as ruas Geru e São Cristovão.
Quem desejar comprovar basta que após as duas horas da tarde se dirija até aquela rua e tente passar pela calçada na altura do número 311. Talvez não consiga e tenha que dividir a rua com os veículos em alta velocidade. Assim acontece porque ali funciona um restaurante que após o almoço fecha as portas e coloca todo o lixo em cima da calçada. E não é pouco resíduo não, pois são sacolões imensos, sacos, caixas e toda uma parafernália cheia de restos de tudo, desde cascas de verduras a restos de comida. O lixo é em quantidade tão grande que vai tomando toda a calçada, impedindo que as pessoas caminhem por ali. E não raro que as bolsas estourem e uma lama aquosa e putrefata vá se acumulando ao redor.
Tal fato ocorre todos os dias, e desde muito tempo, sempre a partir das duas horas da tarde, sempre no mesmo lugar, causando os mesmos transtornos para pedestres, as lojas ali instaladas e comerciários, e nenhuma providência jamais foi tomada pelo órgão municipal de limpeza urbana, que é a EMSURB. Mas não por falta de provocação nem de pedido para a tomada de providências. Há uns três meses este articulista enviou dois comunicados via e-mail para o órgão, sendo um deles respondido pela chefia de gabinete da presidência. E esta comunicou que estaria repassando o relato para seu superior, porém até hoje nada foi feito para resolver o problema daquele lixão.
Mas o problema não se resume apenas ao lixo em grande quantidade que todos os dias é indevidamente colocado naquela calçada. Por si só já é inaceitável o fato de as pessoas não poderem passar por um local que todas as tardes é tomado por detritos e imundícies, e por terem de caminhar ao lado de líquidos malcheirosos escorrendo dos sacolões. O problema maior está no fato que é inadmissível que tal absurdo esteja ocorrendo, e desde muito, numa das principais ruas do centro comercial da cidade.
Não se trata, pois, de fato que ocorra apenas uma vez ou outra, mas todos os dias e a partir do mesmo horário. Do mesmo modo, a EMSURB jamais pode alegar que não tem conhecimento desse lixão urbano. Ademais, nem precisaria ter sido informada por este articulista, vez que é também de sua competência tomar conhecimento e fiscalizar tais ocorrências. Mas se nada faz, se não notifica o responsável pelo local para que imediatamente providencie outra destinação aos seus resíduos, apenas demonstra o descaso com a limpeza urbana, a feição da cidade e o respeito a todos os aracajuanos e visitantes.
Como demonstrado, a partir do que ocorre numa simples calçada da cidade pode ser visualizada a feição geral de uma administração municipal. Quando um problema pequeno não é resolvido, então não se imagine que grandes soluções urbanísticas virão. É o velho ditado: pelo pó acumulado se conhece o cuidado do dono da casa.


Poeta e cronista
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Eternidade (Poesia)


Eternidade

A morte
a separação
o amor
e a solidão
é possível
amar
na solidão
é cabível
paixão
na solidão
é possível
o outro
na solidão

o amor
a morte
a separação
e a solidão
é possível
amar
na solidão
é cabível
paixão
na solidão
saudade
a presença
no coração

o amor
não morre
na morte.


Rangel Alves da Costa