Rangel Alves da Costa*
Recorda-se daqueles tempos, nos dias
distantes ou parecendo que foi ontem, quando você se enraivecia porque seus
pais diziam cuidado com isso, não faça assim, nem pense em agir assim
novamente?
Lembra-se que você fazia de conta que nem
ouvia, ou ouvindo nem demonstrava ter prestado qualquer atenção, quando seus
velhos pediam para não deixar tantas luzes acesas, para não colocar no prato
além da certeza da fome?
E também quando pediam para não deixar copos
sobre o sofá, na estante ou em abandonados pela casa; para não fazer do chão
uma lixeira ou não se esquecer de recolher a roupa seca do varal? Certamente
você não gostava acaso perguntassem por que havia se demorado tanto noite
adentro, onde estava e com quem estava.
Mesmo não agindo assim, muitas vezes você
quis dizer que já era bem crescidinho para conhecer o bem e o mal, saber o que
era bom e ruim e fazer suas próprias escolhas. E dizer também que já tinha
idade suficiente para que ninguém se intrometesse na sua vida. Ora, já era dono
do seu mundo.
E quantas e tantas vezes você, tendo ironizar
a verdade, quis cantar para que sua mãe ouvisse. “Ei mãe, não sou mais menino,
não é justo que também queira parir meu destino. Você já fez a sua parte me
pondo no mundo, que agora é meu dono, mãe, e nos seus planos não estão você...”.
Sim, faria da música de Erasmo Carlos a sua própria voz de falsa libertação.
Você agindo com falsidade consigo mesmo
porque sabia muito bem das verdades contidas em cada palavra e em cada gesto de
seus pais. Tinha consciência que as preocupações tinham fundamento, as lições
eram justificadas, e simplesmente porque você também já sabia que nem tudo eram
flores depois da soleira da porta de casa.
E também sabia que sua mãe começava a orar
assim que você colocava os pés na calçada, que seu pai tantas e tantas vezes
rondou seus caminhos para ver ao longe como você estava. Não se aproximava mais
por medo de sua reação, de um possível descontrole de sua parte. Só Deus sabe
como eles se sentiam ao saber que o seu estava nos braços do acaso.
E você sabia que seus pais sequer conseguiam
cochilar até que tivessem a certeza de seu retorno. Sua mãe, coitada, se
revirando na cama, aflita, de rosário na mão e prece na boca. Seu pai, mesmo
não querendo transparecer as preocupações, a todo instante levantava com a
desculpa de estar fazendo muito calor. E por isso mesmo precisava tomar um
pouquinho de fresca. Calor que nada, pois sua ausência era o que tanto
atormentava.
Você sabia de tudo isso, conhecia o medo de
seus pais e as motivações para tanto temer. Pais não fingem amor, preocupação
ou demonstração de sempre desejar o melhor para o seu. Criam, cuidam, educam,
fazem de tudo para oferecer o melhor, e seria doloroso demais depois saber que
o mundo havia transformado totalmente o seu.
Mas o tempo passa, avança, corre numa pressa
danada. Você realmente cresceu, se fez adulto, criou responsabilidades, passou
a ver o mundo de forma diferente e, o que foi mais importante, passou a
reconhecer como acertadas todas aquelas atitudes e preocupações de seus pais.
E então reconhecem que seus velhos tinham
razão ao pedir e pedir, ao implorar e implorar, pois desejavam somente o melhor
para o seu. E reconhece ainda mais: Os pais não cuidam dos seus apenas para que
nasçam saudáveis, para que cresçam felizes e tenham plenitude de vida. Eles
deixam de serem pais para serem os filhos, e nada justificará viver se estes
forem entregues ao sofrimento.
Mas a lição maior do tempo virá depois. Chega
um dia que você sente que realmente gosta de alguém, vai construindo um
namoro mais sólido, até que um dia prova
a afeição existente com uma aliança. De casamento, união e vida. Ou mesmo que
apenas conviva com alguém que ama.
E com os filhos a comprovação das lições,
daquelas mesmas lições escritas por seus pais. A situação já está invertida, o
pai ou mãe agora é você, e aquelas mesmas palavras ouvidas no passado logo
serão novamente pronunciadas. Só que agora de sua boca para o seu filho.
Seu filho é jovem, você entende a idade, mas sente
que tem de cumprir aquele mesmo papel. E pede que tenha cuidado, que não se
misture às más companhias, que não use drogas, que preste muita atenção na
selva perigosa das ruas. E não apenas isto, pois igualmente seus pais fizeram
no passado, também ficará noites em claro esperando o filho chegar, rezará a
mesma prece que sua mãe orou por você.
Assim com filhos e filhas, com pais e mães,
pois a vida vai transformando aprendiz em professor, e o tempo mostrando o
passado num imenso espelho. Ali os seus pais, ou será você agora?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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