Rangel Alves da Costa*
Não, não tinha uma pedra no meio do caminho,
eis que no meio do caminho havia uma flor. Drummond semeou na aridez cortante
da estrada, mas onde havia espinho ameaçador foi logo surgindo a flor.
No lugar do espinho, a rosa; no lugar da
pedra, a pétala; no lugar do medo, a alegria; no lugar da dor, o contentamento.
Eis que tinha uma rosa no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma flor...
Entristecido abri a janela. O olhar tristonho
tingiu de sombras a paisagem e se negou a avistar o passarinho que adiante
voava. Não havia mais manhã, tarde ou noite que fizesse ressurgir o
contentamento e a esperança. Dia após dia assim...
Olhava adiante e avistava um deserto medonho
e solitário. Os caminhos ameaçadores, as curvas perigosas, labirintos em cada
vertente. Mas era por ali que haveria de seguir se quisesse fechar a porta e a
janela e dar adeus aos mesmos dias e às mesmas noites de sofrimentos.
Tinha de partir, não duvidava. Lá dentro o
baú lacrado, as velhas memórias guardadas para qualquer dia, os escritos e
rabiscos deixados à voracidade do tempo. Na mão retratos e velhas cartas,
apenas. E na mente o poema de Drummond:
“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma
pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca
me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca
me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio
do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra”.
No meio do caminho, mas o temor maior é que a
pedra já estivesse no início do caminho e fosse ponteando por toda estrada. O
medo maior era ter de suportar as feridas do espinho já no começo do caminho.
Mas eu tinha de partir, e por cima desse chão espinhento, dessa terra pontuda
de pedra.
Descalço, somente de calça já muito
desgastada pelo tempo, sem pão nem cantil, sem mapa nem destino, apenas
pendurei nas costas o embornal com as cartas e os retratos e me despedi. Fechei
a janela, olhei mais uma vez em direção ao baú, coloquei no bolso uma folha
seca, e depois fechei a porta. E segui adiante.
E antes mesmo da porteira as palavras do
poeta passaram a ecoar mais forte: No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha
uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma
pedra. Mas eu as tentava apagar, repetindo: No meio do caminho tem uma rosa,
tem uma flor no meio do caminho...
Andando descalço, com a aridez do caminho
fazendo despontar espinhos e pedras a cada passo, logo as pontadas se
transformaram em dor, e a dor em agonia; logo as fisgadas começaram a ferir a
pele, e a pele querendo sangrar. Quanto dolorosas são as pedras no meio do
caminho, me punha a pensar. Mas ainda era só o começo da caminhada.
Resoluto, decidido a não voltar nem a me
curvar diante das dores da estrada, tudo fazia para fazer ecoar o meu único
estímulo: Há uma rosa no meio do caminho, no meio do caminho há uma flor. E
talvez um jardim. E por isso mesmo eu tinha de seguir, de fazer surgir qualquer
flor diante de meus olhos.
Sei que as flores não destroem os espinhos
nem tornam as pedras em pó, mas também sei que as flores na estrada fortalecem
os passos sofridos na caminhada. E mesmo que nenhuma rosa seja avistada, ou uma
flor do campo qualquer, ainda assim as flores estarão presentes nos canteiros
da mente.
Por isso, mesmo que os espinhos e as pedras
estejam por toda estrada, mesmo que sangrem e atormentem a alma, ainda assim
encontrarei meu destino de jardineiro. Eis que levo comigo a certeza que tem
uma rosa no meio do caminho, no meio do caminho tem uma flor.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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