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sábado, 2 de agosto de 2014

USOS E DESUSOS: GESTAÇÃO E EXTINÇÃO DE COSTUMES E TRADIÇÕES


Rangel Alves da Costa*


Os dias são outros, seu moço. Tudo diferente, tudo mudado, tudo transformado. A voraz borracha do tempo vai apagando muito daquilo que ficou para trás, a chama feroz do modismo vai destruindo tudo que se tenha como velho, ultrapassado, sem serventia. As manifestações próprias de um povo, com seus costumes, hábitos e tradições, nem sempre são preservadas com abnegação suficiente pelas comunidades e acabam sendo devoradas pelos ritos passageiros de uma modernidade que não sabe o que quer.
Em muitas situações, a tendência é que apenas os livros registrem as memórias culturais, as crenças e as singelas manifestações dos grupos sociais. Do mesmo modo que as comunidades familiares nas regiões mais distantes e escondidas vão perdendo seu sentido perante as novas gerações, bem assim seus afazeres e usos. E sabido é que dentro desses grupos foram sendo gestados rituais, folguedos e tradições, que somente com a preservação pelas novas gerações serão capazes de subsistir com a mesma vivacidade da gestação.
Mas não é tarefa fácil conservar as manifestações culturais das comunidades, dos povos, das regiões. Aos poucos novos ingredientes e elementos vão sendo acrescidos e que, se não houver o devido cuidado, acabam dando uma feição totalmente diferente ao que foi criado noutro sentido. Noutras situações ainda é pior, vez que o desinteresse da própria comunidade vai tornando sua criação em desuso até sua extinção. E com o desaparecimento daquilo tão importante noutras realidades, somente na memória será preservado o retrato identificador das manifestações de cada comunidade.
Não existir mais na forma de antigamente ou não ser mais utilizado com noutros tempos se fazia, não significa, contudo, que tenha perdido sua validade. Situações e realidades existem que igualmente aos costumes e tradições apenas arrefecem sem deixar de existir ou perder seu caráter de continuidade. Mas neste caso será preciso resgatá-los para que não haja extinção. Buscando um exemplo, os folguedos tão rotineiros nos grupos sociais de outros tempos, ao passar dos anos foram rareando de tal modo que tiveram de alcançar o status de folclore para não ser esquecidos. É o caráter de folclórico que impulsiona o seu resgate e preservação.
Tem-se, assim, que muitas vezes é preciso forjar a preservação sob pena de as manifestações culturais de gerações acabem sendo engolidas pelos modismos. Ou se busca na raiz ou não se terá o seu fruto. Por outro lado, não seria errôneo afirmar que as roupagens impostas às antigas tradições acabam retirando suas feições peculiares e até mesmo lhes dando um caráter apenas simbólico. O que fizeram com a quadrilha matuta é um claro exemplo de que apenas no nome a tradição permanece. De resto é escola de samba, e da pior qualidade.
Reconheça-se também que nem sempre há garantia que uma manifestação própria de uma comunidade seja preservada pelos seus próprios indivíduos. Por trás das caras pintadas, das vestimentas e adereços típicos estão pessoas que nem sempre fazem parte das comunidades ou que não possuem nenhum vínculo com os antepassados que geraram aquela tradição cultural. E assim acontece porque as pessoas das comunidades não são incentivadas ou esclarecidas acerca da importância da preservação de suas raízes culturais. Então, através de outras pessoas, reinventa-se para que tudo não se perca pelo esquecimento.
Diante da possibilidade de desaparecimento pelo desinteresse ou esquecimento, será preciso uma iniciativa exterior de reconhecimento e de preservação daquela tradição. Reconhecer o perigo de extinção e lhe proporcionar um caráter de bem histórico e cultural é o primeiro passo para sua valorização no contexto do folclore. E, como tal, acobertado de iniciativas que lhe permitam continuidade e preservação enquanto patrimônio cultural de determinada comunidade.
Contudo, se as manifestações artísticas de um povo aos poucos vão ganhando um caráter folclórico e podem se prolongar no tempo como tradições, o mesmo não ocorre com os costumes próprios de comunidades. Estes, sempre preservados pelo uso ou pela constância de suas práticas, tendem a ser relegados quando as novas gerações não mais considerem aqueles preceitos seculares como algo importante e que mereça ter continuidade nos mesmos moldes. Eis a imposição do novo diante do antigo.
Os exemplos são muitos neste sentido. Na região sertaneja de antigamente, em cada comunidade era possível encontrar o seu profeta da chuva, aquele sertanejo que pressentia a chegada das trovadas apenas observando a natureza. Hoje tais profetas estão se tornando tão difíceis de encontrar que os ainda existentes são procurados nas regiões mais distantes como verdadeiros sábios e salvadores. Também não é tarefa fácil solicitar os préstimos duma rezadeira ou de alguém que cultive no quintal aquelas plantas medicinais que garantam a cura de todas as moléstias e enfermidades.
As coisas mais simples e singelas também estão deixando de existir, desaparecendo de vez. Ninguém mais avista a meninada brincando de roda e cantando aquelas canções de apertar o coração por recordar a infância. Os pífanos familiares são pouco encontrados até mesmos nas novenas e festas religiosas. Pastoreios, cavalhadas, cacumbis, caboclinhos, dentre outras manifestações, agora fazem parte de calendários culturais, e não mais como manifestações espontâneas do povo. E assim caminha a cultura do povo, no passo do descaminho imposto pelos modismos devastadores.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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