Rangel Alves da Costa*
Os dias são outros, seu moço. Tudo diferente,
tudo mudado, tudo transformado. A voraz borracha do tempo vai apagando muito
daquilo que ficou para trás, a chama feroz do modismo vai destruindo tudo que
se tenha como velho, ultrapassado, sem serventia. As manifestações próprias de
um povo, com seus costumes, hábitos e tradições, nem sempre são preservadas com
abnegação suficiente pelas comunidades e acabam sendo devoradas pelos ritos
passageiros de uma modernidade que não sabe o que quer.
Em muitas situações, a tendência é que apenas
os livros registrem as memórias culturais, as crenças e as singelas
manifestações dos grupos sociais. Do mesmo modo que as comunidades familiares
nas regiões mais distantes e escondidas vão perdendo seu sentido perante as
novas gerações, bem assim seus afazeres e usos. E sabido é que dentro desses
grupos foram sendo gestados rituais, folguedos e tradições, que somente com a
preservação pelas novas gerações serão capazes de subsistir com a mesma
vivacidade da gestação.
Mas não é tarefa fácil conservar as
manifestações culturais das comunidades, dos povos, das regiões. Aos poucos
novos ingredientes e elementos vão sendo acrescidos e que, se não houver o
devido cuidado, acabam dando uma feição totalmente diferente ao que foi criado
noutro sentido. Noutras situações ainda é pior, vez que o desinteresse da
própria comunidade vai tornando sua criação em desuso até sua extinção. E com o
desaparecimento daquilo tão importante noutras realidades, somente na memória
será preservado o retrato identificador das manifestações de cada comunidade.
Não existir mais na forma de antigamente ou
não ser mais utilizado com noutros tempos se fazia, não significa, contudo, que
tenha perdido sua validade. Situações e realidades existem que igualmente aos
costumes e tradições apenas arrefecem sem deixar de existir ou perder seu
caráter de continuidade. Mas neste caso será preciso resgatá-los para que não
haja extinção. Buscando um exemplo, os folguedos tão rotineiros nos grupos
sociais de outros tempos, ao passar dos anos foram rareando de tal modo que
tiveram de alcançar o status de folclore para não ser esquecidos. É o caráter
de folclórico que impulsiona o seu resgate e preservação.
Tem-se, assim, que muitas vezes é preciso
forjar a preservação sob pena de as manifestações culturais de gerações acabem
sendo engolidas pelos modismos. Ou se busca na raiz ou não se terá o seu fruto.
Por outro lado, não seria errôneo afirmar que as roupagens impostas às antigas
tradições acabam retirando suas feições peculiares e até mesmo lhes dando um
caráter apenas simbólico. O que fizeram com a quadrilha matuta é um claro
exemplo de que apenas no nome a tradição permanece. De resto é escola de samba,
e da pior qualidade.
Reconheça-se também que nem sempre há
garantia que uma manifestação própria de uma comunidade seja preservada pelos
seus próprios indivíduos. Por trás das caras pintadas, das vestimentas e
adereços típicos estão pessoas que nem sempre fazem parte das comunidades ou
que não possuem nenhum vínculo com os antepassados que geraram aquela tradição
cultural. E assim acontece porque as pessoas das comunidades não são
incentivadas ou esclarecidas acerca da importância da preservação de suas
raízes culturais. Então, através de outras pessoas, reinventa-se para que tudo
não se perca pelo esquecimento.
Diante da possibilidade de desaparecimento
pelo desinteresse ou esquecimento, será preciso uma iniciativa exterior de
reconhecimento e de preservação daquela tradição. Reconhecer o perigo de
extinção e lhe proporcionar um caráter de bem histórico e cultural é o primeiro
passo para sua valorização no contexto do folclore. E, como tal, acobertado de
iniciativas que lhe permitam continuidade e preservação enquanto patrimônio
cultural de determinada comunidade.
Contudo, se as manifestações artísticas de um
povo aos poucos vão ganhando um caráter folclórico e podem se prolongar no
tempo como tradições, o mesmo não ocorre com os costumes próprios de
comunidades. Estes, sempre preservados pelo uso ou pela constância de suas
práticas, tendem a ser relegados quando as novas gerações não mais considerem
aqueles preceitos seculares como algo importante e que mereça ter continuidade
nos mesmos moldes. Eis a imposição do novo diante do antigo.
Os exemplos são muitos neste sentido. Na
região sertaneja de antigamente, em cada comunidade era possível encontrar o
seu profeta da chuva, aquele sertanejo que pressentia a chegada das trovadas
apenas observando a natureza. Hoje tais profetas estão se tornando tão difíceis
de encontrar que os ainda existentes são procurados nas regiões mais distantes
como verdadeiros sábios e salvadores. Também não é tarefa fácil solicitar os
préstimos duma rezadeira ou de alguém que cultive no quintal aquelas plantas
medicinais que garantam a cura de todas as moléstias e enfermidades.
As coisas mais simples e singelas também
estão deixando de existir, desaparecendo de vez. Ninguém mais avista a meninada
brincando de roda e cantando aquelas canções de apertar o coração por recordar
a infância. Os pífanos familiares são pouco encontrados até mesmos nas novenas
e festas religiosas. Pastoreios, cavalhadas, cacumbis, caboclinhos, dentre
outras manifestações, agora fazem parte de calendários culturais, e não mais
como manifestações espontâneas do povo. E assim caminha a cultura do povo, no
passo do descaminho imposto pelos modismos devastadores.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário