SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 30 de junho de 2012

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 1 (PADRE ARTUR E O BANDO DE LAMPIÃO)


                                      Rangel Alves da Costa*


Tornou-se célebre o episódio do encontro entre Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e o Padre Artur Passos, ou simplesmente Padre Artur, na residência dos amigos comuns Teotônio Alves China, o China do Poço, e sua esposa Dona Marieta, na povoação sergipana de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Segundo as narrativas, o mês era o de agosto, no tríduo dedicado às comemorações em louvor à santa padroeira da povoação, Nossa Senhora da Conceição. No dia 15, data do festejo principal, havia celebração de missa pelo vigário da Paróquia de Porto da Folha, município sertanejo ao qual estava vinculado Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Assim, no dia 15, antes do meio-dia, chegou à localidade o Padre Artur Passos no intuito de celebrar a tão aguardada missa. Cansado, depois de uma longa viagem em lombo de burro, desceu do animal defronte à casa do seu amigo China, local onde ficava todas as vezes que até ali se dirigia. Descansaria um pouco, almoçaria, e depois emendaria nos preparativos da celebração.
Mas a casa da família China, pessoa renomada e das mais influentes na povoação, se enchia de convidados nesse período festivo. E eis que chega um matuto em disparada para avisá-lo que a cangaceirada já dobrava a curva da estrada naquela direção. China sabia que era pra sua casa que o Capitão Lampião se encaminhava juntamente com o seu bando. Já o havia recebido ali outras vezes.
Antes de sair à porta para esperar a comitiva trajada de sol, China gritou por Dona Marieta, que acorreu esbaforida perguntando pra qual lado o mundo estava se acabando. Quando ouviu a novidade da boca do esposo quase desmaia pra trás. Quando conseguiu abrir a boca, disse ao marido que coisa pior não poderia acontecer. E se danou a rezar.
Se benzendo, logo apontou em direção a uma porta, em cujo local o Padre Artur descansava antes do almoço, e perguntou como haveria de ser agora com a chegada de Lampião e o velho sacerdote estando por ali. E disse ainda que não esperava nada de bom nesse encontro da valentia bandoleira com a cruz da cristandade.
Verdade é que China também não sabia o que fazer, mas resolveu apenas dizer que não haveria de acontecer nada de ruim. Ademais, se de um lado não podia deixar de acolher o da igreja, por outro lado não podia nem pensar em deixar de receber o da guerra sertaneja. Contudo, o desespero do homem não era maior porque conhecia segredos entre os dois que ninguém mais sabia.
Coisa de não acreditar, mas China já sabia, pois ele mesmo intermediário, de uma velha amizade travada às escondidas entre Lampião e o Padre Artur. Ele mesmo já havia enviado diversas missivas para o padre dizendo o local exato onde o bando estava acoitado e que em tal dia o Capitão lhe esperava para o que sempre faziam nessas visitas mais que escondidas. E tudo mantido em segredo tão bem guardado que somente o coiteiro Mané Félix tinha conhecimento.
E durante essas visitas, sempre saindo no lombo de burro mas chegando à pé e depois de vencer os desafios das pontas de paus, xiquexiques e mandacarus, pedrarias e verdadeiros abismos, o velho sacerdote se transformava totalmente. Ou quase, pois sempre guardava alguns momentos para confessar os cangaceiros, ouvir o que lhes afligia, proporcionar algum conforto espiritual diante daquelas durezas cotidianas.
E como sempre chegava acompanhado do coiteiro carregado de tecidos, bebidas e mantimentos, nem se sentia culpado por passar horas e horas jogando baralho com Lampião, bebericando vinho de jurubeba, taliscando uma perna de preá assado na brasa. Não só o vinho, mas também, cachaça, e da limpinha, da boa mesma. E dizem até que quando o fogo lhe chegava às ventas, logo gritava pedindo um fole e se danava a dedilhar. E era uma festança só no meio da cangaceirada.
Antes de retornar, e quase sempre no outro dia, chegava o momento daquilo que mais apreciava fazer, que era lançar o olhar pidão sobre as mãos do Capitão Lampião e pedir devotadamente que fosse presenteado com aquele anel maior e mais brilhoso. E por mais que o rei dos cangaceiros dissesse que não podia se desfazer assim do presente enviado por este ou aquele coronel do sertão, acabava cedendo aos rogos do amigo vigário.
Com o valioso presente escondido debaixo dos panos, voltava o velho sacerdote em direção à sua paróquia, onde já no dia seguinte começava a esbravejar contra aqueles malditos assassinos, bandoleiros imprestáveis que andavam assolando o sertão de mortes e atrocidades, pecadores que mereciam o tacho fervente ainda em vida. Mas tudo da boca pra fora, pois enquanto falava o anel cangaceiro reluzia na sua mão. E que coisa mais bonita de se ver.
Por ter conhecimento da velada amizade entre os dois é que China procurou se acalmar e dizer à esposa que tudo logo seria resolvido da melhor maneira possível. E ao chegar e tomar conhecimento de que o padre já estava hospedado ali, Lampião foi logo dizendo que tinha grande interesse em encontrá-lo o mais rapidamente possível.
Talvez por momentâneo esquecimento de que China sabia de tudo, ao tomar conhecimento da proposta o padre quis espernear e jurar que jamais colocaria a cruz do Senhor diante de um cangaceiro. Mas em seguida lembrou-se da asneira que dizia ao amigo, porém pediu por todos os santos que não deixasse ninguém perceber que os dois mantinham grande relacionamento de amizade.
Então Padre Artur revestiu-se de falsa ojeriza ao rei dos cangaceiros e saiu do quarto como se quisesse matar uma fera apenas com o olhar. Mas baixou a guarda diante do Capitão e nem pensou duas vezes quando o mesmo lhe chamou num canto e disse que naquele dia todo o bando assistiria a celebração da missa. E a única exigência ouvida foi que deixassem as armas do lado de fora da igreja. Ao menos as de cano longo.
E assim foi feito, depois de uma maravilhosa buchada de bode gordo, coisa de lamber os beiços e repetir o prato. E quanta alegria esfomeada no da batina, e quanta voracidade no da pistola.



Poeta e cronista
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Depois da noite vem o dia (Poesia)



Depois da noite vem o dia


Tanto te espero meu amor
que nem durmo pensando na manhã
e nem penso em acordar para o dia
mas abrir a porta e te avistar na estrada
como flor que volta ao seu jardim
depois que o chamado do outono
transformou-a em folha ao vento
levando pelo ar tanta esperança minha
de abraçá-la e tê-la ao meu lado
sem temer a solidão que logo viria

tanto sofrimento de lágrima e janela
um olhar perdido nas distâncias do mundo
tentando enxergar algum sinal de flor
diante da aridez que se fez no meu peito
por não colher da semente plantada
como meio de sobrevivência do coração
que pensou em se partir em muitos
e também sumir na ventania da tarde
pensando em ser refeito ao teu lado
na nuvem ou céu onde pudesse estar

mas porque depois da noite vem a manhã
e depois da tristeza um sorriso a brotar
é que nem durmo direito te esperando
nesta manhã ou na manhã de amanhã
um dia antes que toda esperança morra
e não tenha tua mão e teu olhar a velar
quem se contentou apenas em esperar
para a presença e talvez o compartilhar
um sonho tão grande que parece milagre
o milagre que acontece ao poder amar.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (66)


                                                    Rangel Alves da Costa*


Como não ouviu outro barulho na porta, Crisosta então pensou que deveria ter sido algo trazido pela ventania da noite ou mesmo fruto de sua imaginação. Por isso mesmo fez suas orações ali mesmo deitada e procurou pensar em coisas boas para o sono chegar logo.
Depois de voar igual passarinho, navegar num barquinho no leito de um lago azul, brincar de pular corda num jardim primaveril, morar num castelo bonito e ser chamada princesa, acabou cochilando. Viagem de sono é partida inesperada, passagem diante das surpresas que a mente traz.
Após adormecer, muitas vezes somente o corpo da pessoa permanece no local da dormida, na cama, na esteira ou na rede. Eis que furtivamente se faz viajante, turista, alguém que se levanta ou alça voo, sai correndo ou despencando da montanha mais alta, vivendo situações extremamente inesperadas.
Outras vezes não, pois apenas sai de si para o encontro com os antepassados, com a linhagem familiar até já esquecida, com aqueles que ainda desejava ter ao lado, mas cujo reencontro só é possível à força da mente sonhadora. E surgem os mortos, os sumidos, desaparecidos, os rostos e palavras que causam tanto tormento ao despertar no meio da noite ou na manhã seguinte.
Seria muito bom que a pessoa deitasse com a certeza que teria um sono tranquilo, pesado, sem sobressaltos ou pesadelos, despertando somente na manhã e com plena disposição para o enfrentamento do dia. Mas nunca o dormir se faz assim, leve e suavemente, mas segundo a predisposição mental para o portal do sonho. Ou do pesadelo.
E sonhou com a pedrinha doada ao seu irmão jogada defronte da casa, um pouco mais adiante, já perto da estradinha onde carro podia passar. A mesma estradinha onde um dia seu irmão esperou o caminhão pau-de-arara para seguir viagem. E no mesmo local onde o rapazinho retirou a pedrinha do bolso, resolveu não levá-la consigo, e jogou-a no meio do tempo.
E no sonho, alguém caminhava em direção à pedrinha, colocava a mão sobre ela e a retirava dali. Tentava a todo custo visualizar quem poderia ser aquela pessoa, mas infelizmente não conseguia enxergar nada de sua feição, do seu semblante. Somente os pés caminhando e a mão descendo no meio do mato rasteiro. E em seguida, os passos da pessoa em direção à sua casa, caminhando lentamente, até parar.
Via que a pessoa estava parada. Não era noite nem era dia, apenas uma cor diferente emoldurando a paisagem, tingindo o tempo, um sombreamento que ia mudando de tonalidade. Um zumbido de vento vinha de longe, sibilante silêncio. Folhagens passeavam pelo ar, o mato soturno parecia estender seus olhos indagativos sobre o local onde a pessoa estava.
A pessoa continuava parada, em pé, estática, olhando na direção da casa, certamente da porta, ou mesmo pensando em quem estava lá dentro. E deveria conhecer muito bem quem estava do outro lado daquela madeira já corroída. Mas qual sua feição neste momento, olhando naquela direção, seria de alegria, tristeza, dor, angústia? Bem que o sonho poderia mostrar a realidade dos sentimentos, mas não...
 Desse modo, não lhe era possível enxergar o rosto nem sentir seu estado naquele momento. Mas viu quando a mão foi estendida, levantada em posição de arremesso. E depois sentiu o arremesso dado, a pedra saindo da mão e seguindo a direção pretendida. Numa cena inacreditável, parecendo close de filme, enxergou o objeto velozmente cortando o ar.
Logo em seguida, como consequência dessa veloz travessia, ouviu um barulho da pedra batendo na madeira, dando um baque numa porta. E apareceu sua porta, a entrada fechada de sua casa, e a pedrinha caída ali debaixo, quase imperceptível entre uns garranchos que estavam ao redor.
Em seguida os pés novamente caminharam fazendo o caminho de volta, e a cada passo que davam iam desaparecendo, deixando apenas marcas, para em seguida não deixar mais nada. E ao fundo, talvez para onde a pessoa tivesse se dirigido, viu a mataria. E era o mato agrestino, de catingueira e aroeira, xiquexique e mandacaru, existente defronte e ladeando sua casa.
E ainda no sonho, se viu abrindo a porta, olhando amedrontada para os lados, e em seguida correndo naquela direção, no mesmo passo da pessoa desconhecida.
Continua...   


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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O OUTRO LADO AO CONTRÁRIO (Crônica)

                         
                                             Rangel Alves da Costa*


É preciso muito cuidado para não querer transformar demais as coisas, os fatos e as realidades. De tanto forçar, revirar e remexer, acaba chegando ao avesso do avesso, precisamente ao contrário do outro lado. Quer dizer, no mesmo.
O outro lado ao contrário talvez seja a maior prova de que quem quer esconder demais acaba revelando o que pensou ter escondido. Não adianta negar, fingir, mentir, dissimular, se determinada realidade tende a aparecer pelo outro lado, exatamente onde se pensa estar imune à descoberta.
Desde os tempos antigos que lições são repassadas de boca a boca e sempre dizendo que o tempo destrói a feição e mostra a face; que o espelho guarda no outro exatamente aquilo que a pessoa não quis enxergar; que até a pedra se torna areia e depois espelho; que colocar cadeado na porta da frente será de nenhuma valia com a porta detrás aberta.
E diziam ainda que para falar um segredo ao ouvido seja preciso primeiro tapar o outro; que quem faz tudo para guardar segredo próprio acaba contando ao próprio pensamento; que quem desconfia demais, de tudo e de todos, conhece em si mesmo a razão de não confiar; que se vento estiver soprando ao redor não é bom nem pensar aquilo que não quer que as folhas saibam.
As lições e os exemplos são muitos. Até quando se mantém em segredo uma traição adulterina, uma confissão que uma amiga pediu por tudo na vida que não fosse repassada nem ao silêncio, um desejo íntimo que se mantém escondido até que o acaso revela o disfarce, uma vida que forçosamente se mantém na feição que não existe intimamente?
Muitas pessoas se acham reservadas demais, responsáveis demais, invioláveis demais, verdadeiros cofres cujas chaves nem sabem mais onde estão de tão guardadas. Como acontece com a água que vai batendo no rochedo até furar e o vento que vai transformando pedra em pó, aos poucos tais pessoas vão sendo traídas pelos exageros em tanto esconder.
Assim como o medo não oculta o temor, o inesperado é o maior inimigo do disfarce. Parece coisa misteriosamente premeditada, aquilo que está procurando se esconder atrás de uma rocha ou fingir que não está por trás de uma parede, de repente outra coisa que surge precisamente atrás da rocha e da parede torna escondido em descoberta rapidamente.
A formiga coloca na sua cabeça a folha inteira e repentinamente surge quase do meio da rocha, caminhando pelas suas fendas; o vento bate e levanta o perfume ou o odor, a abelha ferroa fazendo gritar. A sombra sai do espaço e ultrapassa o lado de fora da parede. Ninguém se mantém fechado por tanto tempo, principalmente quando há uma janela adiante.
Outro problema diz respeito ao se esconder por inteiro, algo que é quase impossível. Não adiante ocultar a parte da frente se atrás fica vulnerável; não adianta encobrir um lado quanto outro pode ser surpreendido a qualquer momento. E quem quer dissimular tudo ao mesmo tempo acaba se traindo pela própria fraqueza e fragilidade.
Por essas e outras é que não adianta insistir e persistir na mentira, no engodo, na enganação; não adianta tentar dar continuidade a uma situação que não tem a força de se transformar em verdade; não adianta querer impor somente aquilo que lhe favorece se nem tudo na vida sempre estará a seu favor.
Ora, só quem aceita a mesmice mentirosa de sempre é o espelho, e assim mesmo um dia cisma e quebra bem na cara do embusteiro. E chega a um ponto que a própria pessoa não se suporta mais, não sabe mais o que fazer, não encontra mais meios para continuar com sua novela. Daí se tornar fácil reconhecer a fala e o olhar de quem mente; sua falta de firmeza, ainda que ache que está agindo com férrea veracidade.
Como diria Caetano, tudo “Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. E por ser assim, não há outra coisa a esperar a não ser continuar sendo o mesmo da frente em qualquer lado que esteja querendo esconder.


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Aroma e sabor (Poesia)



Aroma e sabor


Às vezes penso
que é manga
outras vezes goiaba
talvez jabuticaba
um cheiro de tudo
de fruta madura
de pomar colorido
aos meus olhos
que pedem à boca
que pede à mão
para colher
e experimentar

e fico imaginando
a árvore frondosa
que vejo em você
fruta brilhosa no olhar
fruta gostosa no lábio
fruta deliciosa
no seu corpo inteiro
e essa vontade imensa
que me chega assim
quando tenho fome
quando quero saborear
um gosto diferente
um apetite de amar.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (65)


                                                Rangel Alves da Costa*


Crisosta deitou cedo. Após caminhar um pouquinho ao redor da casa, apreciando as belezas da noite agrestina, resolveu se recolher bem antes do horário normal. E normal por ali era sempre quando a escuridão caía de vez e os bichos deixavam de barulhar dentro da mataria.
Os bichos também procuravam suas tocas, suas locas de pedras, suas camas de capim para descansar. Quando o barulho próprio que faziam durante todo o dia começava a arrefecer, então era sinal de que já estava na hora de fechar a porta da casa para deitar.
Mas nem sempre era assim não. Em muitas daquelas casinhas que se espalhavam agreste adentro, nas longínquas distâncias do deus-dará, os vizinhos mais próximos costumam se reunir defronte às moradias, e sentados nos troncos de paus, em banquinhos ou tamboretes, proseavam até mais tarde, cantarolavam modinhas, experimentavam o dedilhar na viola ou o passeio desafinado na sanfona.
De vez em quando, uma voz cortava o negrume e era espalhada pelo vento: “Linda noite de luar, noite de amor pra tanto amar. Mas quem sente a dor que sinto, derramado vinho tinto feito sangue a se espalhar, chora no meio da noite, sem ter amor, só ter penar. Venha lua me afagar, venha lua cochichar que há esperança na vida, que vai curar essa ferida e fazer me apaixonar...”.
Nesses momentos, quando providencialmente tinha porque cuidadosamente guardada no cantinho do armário, o copo de pinga era passado de boca em boca, talagando a vida, fazendo esquecer por instantes os tantos dissabores por ali vividos. E depois os beiços se lambem e se enchem de vontade de querer mais. Mas se contenta com duas, pois amanhã é dia de trabalho duro.
 Mas não só a pinga da boa, branquinha de engenho não. De vez em quando se faz verdadeira festa. E chega a xícara de café quentinho, o pedaço de bolo de leite ou de macaxeira, a novidade saborosa que a comadre preparou com tanto gosto e carinho. É sempre de grande valia o prazer de poder viver esses momentos, essa amizade tão necessária nas lonjuras do mundo, debaixo da planta dos pés de tantos desvalidos.
Noutras casas, a porta também é fechada mas os candeeiros lá dentro continuam crepitando, as pessoas acordadas e os últimos afazeres do dia ainda ganhando força. A velha senhora, quase sem enxergar o buraco da agulha, tenta a todo custo remendar os fundilhos da calça já imprestável do marido. Outra debulha feijão de corda, bota o feijão fradinho de molho, rala logo o milho seco para o cuscuz de cedinho.
Os afazeres do homem sertanejo, ainda que de porta fechada, continuam sendo uma extensão do seu cotidiano de gente de toda sina, de vaqueiro, de trabalhador braçal, de cultivador da própria lavoura, de um faz-de-tudo para sobreviver. Por isso mesmo aproveita a noite fechada para amolar o facão, a foice, a enxada; passa óleo de coco no alforje e no gibão, sacode o chapéu de couro, conserta o estribo, faz raspagem no berrante, carrega a espingarda, coloca fumo num embrulhinho como oferenda pra caipora.
É um perigo entrar na mata tendo esquecido de levar o precioso presentinho para os seres protetores da mata. Quem tem pinga leva uma garrafinha de pinga e deixa por cima da pedra, mas quem for caçar não pode esquecer o pacotinho de fumo de jeito nenhum.
Se a caipora se der conta do esquecimento, coisa boa não vai acontecer com o caçador. Ou ele se perde na mata, ou não consegue avistar qualquer caça, ou ainda toma uma surra das boas. E apanha de chorar e ficar todo lanhado sem ao menos saber quem está lhe maltratando. É o encantamento do ser encantado...
Mas ainda que fique até um pouco mais tarde, o agrestino é um povo que deita antes da meia-noite, sempre. Por volta das quatro da manhã, ou mesmo bem antes disso, o homem e a mulher já estão de pé preparando o café, ajeitando as coisas para o dia inteiro de durezas. Quando abrem a porta ainda está um tanto escurecido, mas logo virá a cor mais bonita do mundo, cor da manhã sertaneja.
E Crisosta deitou na rede cedo. E também cedo ouviu um barulho na porta. Era como se uma pedra tivesse sido jogada. Esperou o barulho se repetir, coisa que não aconteceu. E não se repetiria porque não havia mais de uma pedra a ser jogada. Apenas uma. E aquela pedrinha.
Mas quem teria arremessado aquela pedrinha na porta, e logo o seu pequeno objeto de devoção e que pensava estar com seu irmão?
Continua...


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quinta-feira, 28 de junho de 2012

NOSSA SENHORA DA VELA APAGADA (Crônica)

                          
                                              Rangel Alves da Costa*


Falei sobre Nossa Senhora da Vela Apagada porque também existe uma Nossa Senhora da Vela Acesa. Sou devoto das duas e de todas as Nossas Senhoras que possam existir.
Há tempo certo atrás desconhecia totalmente tanto a da vela acesa como a da vela apagada. Contudo, depois que adquiri um oratório e o coloquei por cima de um móvel, bem guarnecido por algumas belíssimas imagens sacras, estas duas santas, numa só santidade, passaram a fazer parte do meu cotidiano religioso.
Eis que acostumei ter sempre uma vela acesa ao lado do oratório, logicamente bem protegida contra algum incidente que provoque incêndio. E pela necessidade de ela estar sempre acesa, então optei por utilizar velas de sete dias. Uma vez acesa, somente depois desses dias para renovar a chama.
Contudo, pessoas conhecidas chegam diante do meu oratório e logo procuram também acender uma vela, só que dessas menores, comuns, que sempre tenho à disposição numa espécie de armário envidraçado ao lado do pequeno templo.
E quando as pessoas se aproximam, em tom de brincadeira, vou logo perguntando se veio acender uma vela para Nossa Senhora da Vela Apagada. Tal fato virou costume e tradição, ditado normal que todo mundo acostumou a repetir: Vim acender uma vela pra Nossa Senhora da Vela Apagada!
Lembram da vela apagada, acendem a chama, e depois começam a orar para Nossa Senhora da Vela Acesa. Não que exista uma imagem representativa de uma ou outra santa, apenas a vela acesa ou apagada, mas certamente há uma intencionalidade tão forte que pressuponho a mais pura afirmação da fé.
Ora, à primeira vista, uma vela apagada, ou apenas um restinho de vela, ou ainda somente o local de colocá-la, não possui nenhuma significação especial. Contudo, basta lembrar o fato de que o pensamento na vela apagada logo desperta a necessidade de acendê-la na intenção de Nossa Senhora, então logo se conclui da força significativa que possui essa vela ainda inexistente ou abrandada.
A vela apagada chega à mente como uma necessidade espiritual, algo de fé que precisa ser providenciado. Lembrar que naquele local existe uma vela e que precisa ser acesa para que sua prece, sua oração ou seu pedido seja atendido, caracteriza-se como devotamento e reconhecimento da importância até daquela chama que falta e precisa ser acesa.
Mas há que se considerar que o fato de a vela estar apagada ou acesa não implica em pensar em luz e escuridão, em treva e fulgor, em obscuridade e clareza. Não se concebe assim porque a chama apagada está na presença de uma Nossa Senhora, do mesmo modo quando está acesa. Há que se considerar, isto sim, que uma Nossa Senhora espera a presença do devoto para fazer-se luz conjuntamente; enquanto que a outra Nossa Senhora confirma a luz do devotamento.
Compreender a importância de Nossa Senhora da Vela Apagada seria também entender o significado profundo que possui uma vela que ainda não foi acesa. E para que os cristãos, devotos, beatos e demais religiosos precisam de velas? Ora, basta a sua visão ou imaginação para afirmá-la como luz, como instrumento de aproximação da santidade, como chama clareando o encontro com a divindade.
Ainda que esteja apagada, a vela logo é luz aos olhos de todos. Daí a importância de Nossa Senhora da Vela Apagada, que nada mais é do que essa ideia de chama, esse brilho poderoso adormecido, onde alguém é convidado a acendê-lo para chamar outra santa para a benção da fé. Para invocar Nossa Senhora da Vela Acesa.
Como observado, o que começou como verdadeira brincadeira logo se transformou em crença absoluta. Ao menos para mim e aqueles que compartilham do meu oratório. E assim também é com a religião, a fé e a inabalável crença que possuímos na força da santidade. Tudo existe, mas cabe a cada um, dentro do seu pensamento e do seu coração, confirmar sua existência.



Poeta e cronista
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Pele (Poesia)



Pele


Pela pele
pela maciez
da pele
viajo viagem
de passarinho
coisa de manhã
coisa de voo
de asas
um sentir
um tocar
um sabor
na fruta
que se mostra
fruta carente
de ser mordida

pela pele
pelo pé
da árvore
frutífera
no pomar você
passo o olhar
sinto aroma
e vem a sede
vem a fome
ânsia de pele
de toque
de beijo
de carinho
de ir além
da pele
pelo prazer
em ter a fruta
mulher
tão macia
pele na pele
do corpo.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (64)


                                            Rangel Alves da Costa*


Talvez a prece, o pedido feito, houvesse realmente lhe fortalecido o espírito. Num estado de calma e tranquilidade, mais voltada para si mesma e dando mais importância ao mundo ao redor, dois meses se passaram sem que ela mostrasse preocupação com o sumiço das plantas, com o desaparecimento do seu pequeno jardim de sepultura.
Pensou mesmo em mandar consertar o velho carro de boi, transformá-lo talvez em uma carroça, arranjar algum burro bom e atrelá-lo para sair pelas estradas fazendo visitas aos moradores das proximidades. Ficou pensando nisso seriamente, mas decidindo que chegaria o tempo certo de colocar tal ideia em prática.
E seria muito bom que fizesse isso mesmo. Nada melhor que logo ao alvorecer montasse na sua carroça para dar voltas pelas redondezas. Poderia transportar o que quisesse, fazer tudo mais rápido, até visitar a cidade se algum dia resolvesse enfrentar tal empreitada. Como a carroça é o carro da terra agrestina, então poderia se considerar possuidora de um.
Contudo, nem se imagine que tenha havido uma grande e verdadeira transformação em Crisosta. Permanecer nesse estágio atual, de possível contentamento, exigia dela um esforço terrificante. Forçadamente colocada numa fronteira, tinha que ser manter a todo custo no lado que era menos doloroso estar.
Mas nada fácil. Precisava de muito esforço e sacrifício para continuar assim. Nada daquilo que lhe causava tanto tormento havia ido embora, se dissipado de vez. Continuava triste e amargurada pela solidão, pela falta da palavra, pela ausência de alguém por ali. Causava-lhe um redemoinho por dentro continuar vivendo o mesmo dia com a mesma noite.
E também ainda marcada pela morte dos seus familiares e do amiguinho caçador. Incrível, a morte: quanto mais o tempo passa mas ela se firma na presença. E quando há amor pelos entes perdidos, como era o caso, então se torna verdadeira companhia. A solidão traz a recordação, o silêncio traz a voz, a saudade insiste em trazer tudo de volta.
Também não podia esquecer o episódio envolvendo as flores da sepultura, a pequena cova mudada de lugar, o seu vulnerável jardim de pé de parede e um monte de outras coisas. Como ainda surgia dolorosamente o reflexo da flor diante do olhar, da flor morta, da flor ausente, da flor sumida.
Crisosta não sabia disso, mas certa vez um bardo celta, desses poetas barbudos que andam cantando as dores e os sofrimentos em meio às brumas, dizia por onde passava: Se a flor morre num jardim, a flor morre em mim. Mas não é a flor que desaparece da luz do dia nem da sombra da noite. Ela continua presença, e assim continuará para o sempre. Mas sou eu que morro, como faz o jardim silenciosamente antes de mim, para que a flor permaneça sobre o meu corpo desfalecido e depois sobre a minha eterna sepultura...
E ainda dizia o poeta: A morte de uma flor é a maior morte de todas as mortes. A pétala do homem é a sua própria idade, o viço do homem é a força do seu olhar, o perfume do homem é a sua jovialidade. Diferentemente da flor, tudo vai morrendo aos poucos, com o tempo, com a idade. E quando falece de vez é porque já morreu em partes, parte a parte num desenlace de cada dia e cada segundo. E a flor morre de vez. Por ser fulminância no jardim, quando ela está pendida, murcha ou arrancada, então os deuses devem chorar seu pranto. E um pranto tão profundo que as tempestades surgem para o homem pensar que apenas chove torrencialmente. Mas não. Foi a morte da flor, foi a morte da flor, foi a morte da flor...
Desse modo, por mais que tentasse não conseguia tirar do pensamento, e de uma vez por todas, nada disso. Apenas procurava se manter guardando essas coisas num baú dentro de si. E com a ventania própria soprada pela natureza humana, de vez em quanto a tampa desse esconderijo quase se abria e fazia surgir pontinhas dolorosas desses sofrimentos. E para vencer as tentações do sofrer, que eram tantas, fingia sempre esse lado obscuro, permanecendo firme na sua obstinação de reencontrar a felicidade.
Mas eis que um episódio a fez fraquejar de forma medonha e pavorosa.
Continua...   



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quarta-feira, 27 de junho de 2012

UMA SAUDADE BOA (Crônica)


                                     Rangel Alves da Costa*


Juro por Deus que estava com uma saudade danada de escrever. Sempre obediente à expressão “nenhum dia sem uma linha”, já me sentia agoniado por não poder sentar e dizer na escrita alguns segredos de vento.
Não há coisa mais cativante do que escrever sobre segredos de vento. Por mais que queira ser cuidadoso na palavra, ter comedimento para não dizer demais, mas não tem jeito. Todo segredo de vento gosta de ser espalhado, sair esvoaçando, passando de janela em janela, fazendo festa sem pensar nas consequências.
Mas segredo de vento é perigoso demais de se escrever. A moça triste que lê uma crônica triste tende a entristecer mais ainda. O cronista espalha na ventania precisamente aquilo que lhe aflige, lhe causa agonia e traz uma enxurrada de relembranças e angústias de desamor. Certa feita uma quis se jogar da janela, coisa de metro até o chão, por causa de um segredo de vento.
Que me perdoe a mocinha triste na janela ou a velha senhora na sua solidão de mais de mil anos, mas não sei fazer outra coisa senão escrever. E quando acordo sem motivação então é como se o dia não tivesse qualquer significado, como se as horas passando fossem apenas minutos martelando minha momentânea incapacidade de pontuar a vida. Por isso espero sempre que desperte em mim a saudade da letra com seu destino e sina. 
Gosto de ter essa saudade boa. Costume desde menino, gosto muito mais de conversar com as letras, as palavras, os enredos e tramas, do que mesmo com certas pessoas. Minha amiga palavra não me nega afeto nem carinho. E o melhor de tudo: sempre verdadeira sem machucar. Também não falseia nem mente, para verdadeiramente machucar.
O problema que sempre surge é a motivação pra escrita. Quer dizer, a primeira palavra deverá ser seguida de uma ideia, de algo que se quer expressar. E talvez nesses dois últimos dias nada escrevi por causa dessa ideia. Não queria escrever sobre nada triste. Talvez estivesse pensando naquela mocinha da janela.
Não que eu estivesse entristecido, melancólico, angustiado. Nada disso. Mas é que me deixo levar muito pelo clima que faz, pelo tempo chuvoso ou não, para expressar sentimentos. E se chove lá fora fico molhado por dentro, sentimentalista demais. E por aqui tem chovido muito, tem apagado fogueira, tem deixado as bandeirolas que ainda restam respingando aflitas. Gostariam de estar dançando ao vento, bem sei.
Mas hoje sentei por aqui para acabar de vez com essa saudade. Por ser boa demais a saudade, não posso ficar distante da minha página em branco e de uma ideia qualquer que forço surgir. Muitas vezes nem precisa ser assim. Logo cedinho, coisa de quatro ou cinco horas da manhã, e já me vejo atormentado com tanta coisa querendo sair da mente e ser fixada na folha. E, de repente, o fruto nascendo em palavras.
Contudo, não posso negar que o segredo de vento de hoje talvez não seja muito bom para ser lido por aquela mocinha da janela. Fiz tudo para não ser assim. Pensei em escrever sobre os deuses que somos, sobre os imortais que queremos ser, ou ainda sobre a vida como um grande espelho, mas a oscilação nas ideias culminou com a lembrança de uma historinha que vou contar agora.
Era uma vez, num lugar tão longe e tão perto, uma mocinha que vivia triste e que se entristecia mais ainda quando se debruçava no umbral de sua janela. Um dia avistou uma folhinha seca ao longe, bem lá no alto, trazida pelo vento em sua direção. Acompanhando seu passo de voo, logo os seus olhos pareciam cheios de pingos d’água. Nublados, nem viu quando a folhinha veio solenemente dançando, passou por cima de sua cabeça e foi fazer pouso na cama.
Como estava entristecida demais, cheia de recordações dolorosas, jogou-se na cama para prantear melhor entre os panos. E chorou de adormecer. E adormecida sonhou que havia recebido uma carta de amor numa folha. Quando acordou e encontrou a folhinha ao lado, surpreendentemente não se espantou.
Pegou uma caneta e escreveu na folhinha e levou-a em direção à janela. E a ventania foi levando “Meu voo será no passo. Me solto do laço, dessa lágrima desfaço, e buscarei da vida o abraço, e o amor construído em compasso...”.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Voamento (Poesia)



Voamento


E levemente vem
plumagem e passo de voo
e pousa onde estou
para cantar gorjeios
galanteios suaves de amor

não sei voar passarinho
ouço a cantiga que gosto
sem sair do meu ninho
gaiola quase me prende
e me deixa sozinho
depois do seu retorno
num voar bem mansinho

me ensine a namorar
dê-me um beijo no bico
que bato as asas
e quem sabe um dia
já não estarei mais aqui
voando apressado no céu
a cantar e a sorrir
procurando você por aí
amar assim de passarinho
coisa de beija-flor e colibri.


Rangel Alves da Costa

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (63)

                                         
                                                 Rangel Alves da Costa*


Com o tempo já escurecido, permaneceu de janela aberta enquanto se balançava na cadeira. Estava tranquila, em paz, como se houvesse tirado um peso muito grande da consciência.
Nunca mais havia estado assim. Que reconforto espiritual é o obtido depois que chama de volta as rédeas da consciência. Que viessem as consequências, que viessem os sabores daquilo que bem merecia ou os dissabores que provaria sem merecer. Agora seria ela mesma e agiria segundo o ideário de passo e fé. Isso bastava.
Levantou para aprontar um café, acender candeeiros e fechar a porta de trás. Antes de retornar à cadeira lembrou-se de fazer uma prece e acender uma vela ao pé do oratório. Desde muito que se ajoelhava para rezar e em seguida nem lembrava mais o que tinha rezado.
Agora não, já se pôs diante do oratório sabendo muito bem o que seu coração queria expressar naquele momento.

“Termina o dia e a ti entrego meu cansaço
Obrigado por tudo e pelo que virá no amanhã e sempre
Obrigado pela esperança que hoje animou meus passos
Obrigado pela alegria que vi na face da natureza
Obrigado pela força concedida quando eu já me prostrava
Obrigado também pelo sofrimento dissipado na névoa da esperança
Obrigado porque naquele momento de desânimo e tanta angústia e aflição
lembrei que tu és meu Pai
Obrigado pela luz, pela noite, pela brisa, pela comida, pelo meu desejo de
superação...
Obrigado pelos jardins que me destes, pelas flores que me destes, pela alegria
nascida de todos
Obrigado pelos jardins e pelas flores que não tenho mais, mas que recuperarei
tão belamente como a grandeza do Paraíso
Obrigado, Pai, porque me deste uma família, que de viagem me deixou sozinha
Obrigado até pela solidão que me faz encontrar a cada dia com a
a responsabilidade do viver dignamente para Ti e meu coração
Perdão, também, Senhor!
Perdão por meu rosto carrancudo
Perdão pela pouca fé, pela descrença, pela falta de oração, pelo esquecimento
daquilo que jamais poderia esquecer
Esquecer de Ti, do Teu nome, da Tua face, jamais. E jamais esquecer os santos,
os anjos, os sublimes guardiães que nos acompanham no dia-a-dia
Perdão porque não me lembrei que mesmo estando e vivendo sozinha
não sou filha única, mas tendo muitos irmãos que um dia encontrarei para o abraço
Perdão, Pai, pela falta de alegria, de felicidade e encantamento pelo que me rodeia
e porque não evitei aquela lágrima, aquele desgosto
Perdão por ter guardado para mim tua mensagem de amor e eu nem sempre a tenha
recebido e compreendido como deveria
Perdão pelos meus erros de mulher, pela minha inocência em tudo, pelo meu
jeito simples e humilde ser. Eis que sou assim mesmo, apenas sua filha
Perdoa-me, Pai, e abençoa os meus propósitos para o dia de amanhã
E olhei, Ó Pai, pelas almas queridas que se foram, por todos de minha família
e do meu amiguinho, e também aqueles que ao redor se vão sem o meu pranto a tempo
Olhai por mim, meu Senhor, guiai os meus passos entre caminhos e veredas,
seja minha sombra e minha luz, minha sina e meu destino, meu hoje e amanhã
E tudo o sempre, e para toda vida...
Que ao despertar, me invada novo entusiasmo
Que o dia de amanhã seja um contínuo e incansável sim vivido conscientemente
E que eu jamais desperte sem abrir a porta para a felicidade
Obrigada por tudo, meu Pai. E boa noite ao céu e a terra, seus entes e seus viventes”.

E em seguida cantou uma música antiga que falava de paz e felicidade.
Continua...


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